Por Amelia Gonzalez*
A difusão de padrões de consumo já inconcebíveis; as máquinas nos transformando em simples ferramentas, quando a relação deveria ser inversa; a eterna superioridade dos colonizadores, que se sentem legitimados a desqualificar conhecimentos de povos tradicionais. São questões pensadas no livro.
O “Bem Viver” chama atenção para algumas armadilhas, como o “mercantilismo ambiental exacerbado há várias décadas e que não contribuiu para melhorar a situação”. Entram aí os conceitos de “economia verde”, “desenvolvimento sustentável” que têm sido apenas uma espécie de “maquiagem desimportante e distrativa”. Os indicadores ambientais e sociais, que surgem em profusão, não conseguem chegar a um acordo e, na visão de Acosta, “acabam por cercear ideias inovadoras”.
É importante, aqui, dizer que Alberto Acosta, o autor que propõe uma ruptura civilizatória e oferece os caminhos para isso, em 2007 pôs os Direitos da Natureza na Constituição do Equador, um feito inédito no mundo. É economista, foi um dos responsáveis pelo plano de governo da Alianza País, partido encabeçado por Rafael Correa, presidente desde então. Acosta foi também Ministro de Energia e Minas do Equador. Mas se distanciou do governo de Correa justamente na fase de implantação da Constituinte.
“É verdade que na Constituição equatoriana se tensionam os dois conceitos – Bem Viver e Desenvolvimento – mas não é menos verdade que os debates na Assembleia Constituinte, que, de alguma maneira, ainda continuam, foram posicionando a tese do Bem Viver como alternativa ao desenvolvimento. No entanto, deve ficar claro que o governo equatoriano utilizou o ‘Buen Vivir’ como um slogan para propiciar uma espécie de retorno ao desenvolvimento”, escreve Acosta.
A base do pensamento do “Bem Viver” é indígena. Entre as muitas contribuições sobre o tema aceitos pelos organizadores do pensamento, há reflexões da comunidade Sarayaku, na província de Pastaza, Equador, onde se elaborou um “plano de vida” que sintetiza princípios fundamentais do “Bem Viver”.
É difícil resumir a proposta desse conceito porque ele vai de um polo a outro, o que torna a minha tarefa aqui bem complexa. O “Bem Viver”, além de fazer parte da constituição do Equador e da Bolívia, tem sido debatido em outras partes do mundo. Países europeus, como Espanha e Alemanha, já têm seguidores desse conceito. Mas, antes que haja uma confusão, é bom dizer: não se trata de estimular o “dolce far niente”, a arte de não fazer nada. Como está escrito no subtítulo do livro, a questão aqui é imaginar outros mundos possíveis, tarefa que, por sinal, vem sendo tentada pela humanidade desde sempre. Em alguns momentos, lendo o livro de Acosta, recordei trechos do “Nosso Futuro Comum”, relatório final da longuíssima reunião proposta pelas Nações Unidas e conduzida por Gro Brundtland, ex-primeira-ministra da Noruega, de 1984 a 1987.
Fonte: http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/bem-viver-o-conceito-que-imagina-outros-mundos-possiveis-ja-se-espalha-pelas-nacoes.html
*Amelia Gonzalez – Jornalista, editou o caderno Razão Social, no jornal O Globo, durante nove anos, e nunca mais parou de pensar, estudar, debater e atualizar o tema da sustentabilidade, da necessidade de se rever o nosso modelo de civilização