Iniciando a prática zen

Charlotte Joko Beck

20120105

Minha cadela não se preocupa com o significado da vida. Ela pode se preocupar em receber ou não a refeição pela manhã, mas não se senta preocupada em conseguir ou não a realização, a libertação, a iluminação. Desde que receba um pouco de comida e afeto, a vida lhe corre bem. Porém nós, seres humanos, não somos como os cães. Temos mentes centradas em si mesmas que nos remetem a muitos problemas. Se não entendermos o equívoco em nossa forma de pensar, nossa autopercepção, que é nossa maior bênção, torna-se também nossa perdição.

Todos nós acreditamos que, em certa medida, a vida é difícil, intrigante e opressiva. Mesmo quando tudo corre bem, como acontece por certo tempo, preocupamo-nos que ela não se mantenha assim. Dependendo de nossa história pessoal, chegamos à idade adulta tendo muitos sentimentos desencontrados a respeito da vida. Se eu lhes dissesse que sua vida já é perfeita, completa e inteira exatamente do jeito que está, vocês pensariam que estou maluca. Ninguém acredita que sua vida é perfeita. No entanto, existe no íntimo de cada um uma dimensão que sabe que somos ilimitados, infinitos.

Vemo-nos presos à contradição de encontrar a vida em meio a um quebra-cabeça muito desconcertante, capaz de nos causar muitos sofrimentos; ao mesmo tempo, temos uma vaga consciência da natureza ilimitada, infinita da vida. Desta maneira, começamos a procurar uma resposta a esse enigma.

A primeira forma de procurar é buscar soluções fora de nós mesmos. No começo, pode acontecer num nível bastante comum. Existem muitas pessoas no mundo que acreditam que se tivessem um carro maior, uma casa mais bonita, férias melhores, um patrão mais compreensivo, ou um parceiro mais interessante, suas vidas seriam muito melhores. Não há quem não pense assim. Lentamente, vamos descartando os “se ao menos”, essas coisas que nos fariam viver melhor. “Se ao menos eu tivesse isto, isso ou aquilo, então minha vida seria outra”. Na prática, todos estão com alguns desses “se ao menos”, na cabeça em algum momento, contudo aos poucos essas idéias vão se desgastando. Primeiro, as mais grosseiras. Depois nossa busca dirige-se a níveis mais sutis. Por fim, na procura pelo elemento externo a nós mesmos que, em nossa expectativa, irá nos completar, voltamo-nos para uma disciplina espiritual. Infelizmente, nossa tendência é considerar com a perspectiva anterior essa nova possibilidade. Muitas das pessoas que buscam o Zen Center não crêem que a resposta esteja num Cadillac mais novo, mas em alcançar a iluminação. Conseguiram um novo recurso, um novo se ao menos.” “Se ao menos eu tivesse condição de entender do que se trata a compreensão, seria feliz”. “Se ao menos eu tivesse uma pequena experiência de iluminação, seria feliz.” Ao iniciarmos uma prática como o zen, trazemos nossas noções habituais de estar chegando em algum lugar, de alcançar alguma coisa — no caso, a iluminação podendo a partir de então comer todos os docinhos que antes nos tinham sido proibidos.

Toda a nossa vida consiste neste pequeno indivíduo, olhando à sua volta em busca de objetos. No entanto, se você olha algo que é limitado — como o são o corpo e a mente — e procura alguma coisa fora de si, esta coisa torna-se um objeto e também deve ser limitado. Assim, existe alguma coisa limitada procurando algo limitado e, no final, só fica maior aquela velha loucura que o vem tornando uma pessoa tão infeliz.

O que de fato queremos é uma vida natural. Nossas vidas são tão artificiais que realizar uma prática como a do zen, no começo, é bastante difícil. Porém, assim que começarmos a vislumbrar que o problema da vida não é algo externo a nós, teremos começado a percorrer o caminho. Quando o despertar se inicia, quando começamos a perceber que a vida pode ser mais aberta e alegre do que até então pensáramos ser possível, queremos praticar.

Entramos numa disciplina como a prática zen para podermos aprender a viver de modo lúcido, O zen tem quase mil anos e seus defeitos já foram corrigidos; embora não seja fácil, não é insano. É sensato e muito prático. Diz respeito à vida cotidiana. Refere-se a trabalhar melhor no escritório, a criar melhor as crianças, e estabelecer relacionamentos melhores. Levar uma vida mais lúcida e satisfatória deve decorrer de uma prática equilibrada e lúcida. O que desejamos fazer é encontrar uma maneira de trabalhar com a insanidade elementar que existe em função de nossa cegueira.

É preciso coragem para se sentar bem, O zen não é uma disciplina para todos. Precisamos estar dispostos a fazer algo que não é fácil. Se o fizermos com paciência e perseverança, com a orientação de um bom instrutor, então, aos poucos, nossa vida irá se aquietar, ficar mais equilibrada. Nossas emoções não serão mais tão dominadoras. Enquanto sentamos, descobrimos que a primeira coisa, a mais elementar, para trabalhar, é nossa mente caótica, ocupada. Estamos todos enredados num pensar frenético e o problema da prática está em começar a trazer esse pensamento para a claridade e o equilíbrio. Quando a mente fica limpa, clara, equilibrada, e não mais prisioneira dos objetos, então poderá haver uma abertura e, por um instante, nos daremos conta de quem somos, na verdade.

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