Geshe Tashi Namgyal
AS QUATRO VISÕES
1. A Visão Correta da Vacuidade:
Todos fenômenos condicionados são interdependentes porque precisam de causas e condições para sua criação, aparecendo e cessando e, portanto são impermanentes. A compreensão da impermanência contraria os apegos que formamos; mas, em troca, reduz nosso sofrimento.
No Budismo, o entendimento da Lei da Interdependência e da Impermanência são dois pontos essenciais, pois preparam o estudante para entender os ensinamentos do Dharma adicionais, particularmente a compreensão de Shunyata ou Vacuidade.
2. A Visão Correta do Samsara:
A natureza da Existência Cíclica ou Samsara é sofrimento. Todos os estados impuros são sofrimento. Samsara consiste em seis reinos: o Reino dos Deuses, dos Semi-deuses ou Asuras, o Reino Humano, o Reino Animal, o dos Fantasmas Famintos ou Reino dos Preta, e o Reino dos Infernos.
Os três tipos de sofrimento predominantes do Reino Humano são:
a) o sofrimento do sofrimento[como dor física],
b) o sofrimento da mudança, e
c) o sofrimento do nunca terminar das atividades.
Embora, como seres humanos, experimentemos um pouco de felicidade, esta só é uma felicidade passageira – um repouso breve entre experiências desagradáveis. Felicidade duradoura só é experimentada pelos Iluminados, que atingiram a Liberação, liberdade da existência cíclica. É mais importante esforçar-se para a felicidade permanente da Iluminação do que para os tipos transitórios de felicidade do Samsara [que acaba trazendo o sofrimento da mudança].
3. A Visão Correta dos Fenômenos:
Todos os fenômenos, condicionados e incondicionados, não têm ego-natureza [substância própria]. Isto se aplica a ambos:
a) pessoas, e
b) objetos.
O uso geral do termo “ego”, ou “eu” se refere a ambos: 1) o ego inato – o senso de um eu com o que todo ser nasce; e 2) o ego designado – o senso de um eu que os seres adquirem pelas doutrinas de algum sistema religioso ou filosófico que forma parte da sua teoria da realidade.
O fato de que não há mesmo nenhum “eu” duradouro (nenhum “eu” verdadeiramente existente ou inerente) se refere a todos os fenômenos, animados ou inanimado, todos são vazios de uma ego-essência [substancia própria]. Isto é o significado do termo Vacuidade.
4. A Visão Correta do Nirvana:
Nirvana é paz, é o estado da mente quando a Liberação é realizada.
Nirvana é atingido pelos que ultrapassaram completamente todas as ilusões (ignorância, emoções negativas, e falsos desejos) e assim passaram além dos limites da existência cíclica; que atingiram a renúncia perfeita, realização perfeita e grande compaixão. Liberação significa ter passado além de todo o sofrimento e de todas as causas do sofrimento e ter entrado em um estado de verdadeira paz. Embora o Hinayana e as tradições do Mahayana mantenham pontos de vista diferentes, um dos pontos principais que todos têm em comum é que, depois de conseguir os meios da Liberação, não haverá nenhum renascimento adicional nos reinos da existência cíclica.
No Mahayana, um Bodhisattva que atingiu Liberação pode ter um renascimento controlado em existência cíclica; os Budas se manifestam usando um corpo de emanação. Esses nascimentos ou corpos de emanação existem para beneficiar os seres sensíveis.
VISÃO, MEDITAÇÃO E AÇÃO
Ouvir, Contemplar, Meditar,
1. O significado da palavra visão é nossa visão, ou perspectiva, de um assunto, ou matéria, baseada em nossa compreensão do tema. O grande Jetsun da Sakya, Tragpa Gyaltsen, explica a conotação budista da visão como uma compreensão correta do Budhadharma – uma compreensão que elimina todas as dúvidas.
Visão é usada no começo de uma sessão de meditação – quando colocamos a mente no objeto de concentração meditativa – e depois disso prestamos atenção durante todo o tempo da meditação. Por ter ouvido primeiro, e então contemplado depois o nosso assunto, nós meditamos então nisto para ganhar um entendimento mais profundo. [Vipassana]
Meditação: é usada para realizar uma compreensão mais profundo do nosso assunto gerando experiências meditativas.
Visão: é assegurar-se que esta compreensão está correta.
Ação: após termos assim feito, isto permanecerá em nossas ações, como resultado da nossa Visão e Meditação, em congruência com eles [fazendo parte de nossa natureza].
Assim, agindo sem parcialidade e com aquela finalidade, devemos de gerar e manter, um equanimidade universal para com todos os seres vivos.
2. Veja como isso funciona: Imaginemos que você quer meditar na impermanência. Tendo primeiro ouvido os ensinamentos acerca da impermanência (e/ou leu sobre o tema), você contempla sobre isto (você também pede para seu Lama que explique as partes que você não entendeu) até que você tenha uma visão clara – até que tenha claridade, sem dúvidas, de seu tema de meditação que neste caso é a impermanência.
Você entra na meditação da impermanência com esta visão, e mantém isto na mente o tempo todo, para obter uma compreensão mais profunda, mais clara da impermanência pelas experiências meditativas que você gerar.
Então todas suas ações a seguir mostrarão a compreensão que você realizou e estarão em harmonia com sua visão e meditação [pois são geradas a partir delas].
3. Todas as quatro escolas de Budismo do Tibet – Nyingma, Kargyu, Sakya, e Gelug – enfatizam a importância dessas três fases: Primeiro, ouvir os ensinamentos; depois, contemplar o que você ouviu para ganhar uma compreensão melhor; a seguir, meditar com esta compreensão para obter um nível mais profundo de compreensão. Embora se diga que de todas as práticas a meditação é a melhor, deve ser entendido que a meditação tem sua fundação na contemplação, e a contemplação tem sua fundação na escuta dos ensinamentos, para adquirir um bom conhecimento desses ensinamentos – preferivelmente não só um, mas muitos. Meditar sem estar preparado corretamente para a meditação com a escuta e o estudo, sem uma compreensão do foco da meditação, é como atirar uma flecha na escuridão – desde que o objetivo não é visível é improvável que você consiga algo.
As condições prévias de ouvir e contemplar são necessárias para eliminar a escuridão, de forma que o objetivo fique visível. Então quando você aponta a flecha da meditação você atingirá a meta.
Sakya Pandita pôs isto nesses termos: “Se você quer escalar uma montanha você precisa das duas mãos” – caso contrário você não pode escalar, cairá. Se o que você aspira é escalar as alturas das realizações meditativas, você precisa da claridade que é obtida pelas duas práticas de ouvir e contemplar os ensinamentos para ter êxito.
É extremamente importante que você entenda esta necessidade de claridade em seu estado meditativo antes que você comece a meditar. Somente escutando os ensinamentos do Dharma dado por Lamas e aceitando tudo que eles dizem sem meditação adicional não é o bastante. Logo que você escuta os ensinamentos forme uma idéia clara de quais são os pontos essenciais e de onde eles são derivados. Isto é de importância fundamental por que sua transformação espiritual “pessoal” depende disto.
Estamos procurando pelo mais elevado em matéria de espiritualidade, o estado de Esclarecimento ou Estado de Buda. A fonte principal da qual todas as manifestações surgem é o Dharmakaya (Corpo de Verdade) do Buda, estabelecido em suas meditações como matéria de sabedoria. Pela sabedoria profunda derivada das suas realizações meditativas, o Buda atingiu o Dharmakaya – e a sabedoria é a única causa que proporciona isto.
Para chegar a esta sabedoria, a sabedoria que produz o estado exaltado da consciência última, é necessário claridade. Esta claridade só pode ser apreendida escutando e contemplando os ensinamentos. Contemplar, e ter claridade sobre os ensinamentos, são condições prévias para atingir a sabedoria que produz o estado último da Iluminação. Lembre-se bem disto, e não considere escutar os ensinamentos e contemplá-los como práticas secundárias.
Tragpa Gyaltsen construiu várias analogias para despertar avaliações mais profundas para as qualidades produzidas por escutar muitos ensinamentos do Dharma e contemplar o seu significado:
a) Natureza de Buda, que existe em todos os seres, é como uma semente – é a semente da Iluminação última. Igual a uma semente, germina através da exposição do sol e da chuva. Assim a semente da Iluminação última germina pela exposição do ouvir e contemplar os ensinamentos.
b) Ouvir e contemplar os ensinamentos do Dharma são como acender uma lâmpada. Da mesma maneira que a luz de uma lâmpada elimina a escuridão que nos cerca à noite, assim ouvindo e contemplando os ensinamentos do Dharma é como acender a lâmpada que ilumina e elimina a escuridão da ignorância que agora aprisiona nossas mentes.
c) Ouvir e contemplar os ensinamentos do Dharma é como acumular riqueza – uma riqueza de conhecimento e entendimento que nos beneficiará enormemente. Há dois tipos de riqueza: a riqueza ilusória e a verdadeira.
Riqueza ilusória – as riquezas que acumulamos durante nossas vidas – que está sujeita a roubo, perda, destruição e assim por diante. A verdadeira riqueza é a riqueza de méritos, produzida por ouvir e contemplar os ensinamentos do Dharma, e das ações virtuosas que executamos como resultado disso. Essas verdadeiras riquezas nunca podem ser roubadas por ladrões, pois fazem parte integrante de nosso ser.
Muitas pessoas dizem facilmente que praticam meditação. Porém, todas as quatro escolas do Budismo do Tibet, seja Nyingrna, Sakya, Kargyu, ou Gelug, concordam que uma pessoa não está meditando a menos que ele, ou ela, aprendeu a meditar com claridade no objeto de meditação. Você pode reivindicar ser um meditador, mas sem o conhecimento desta meditação, ou uma compreensão básica do ponto no qual você medita, você não faz uma meditação válida. Só depois de ter obtido claridade, de primeiro ter ouvido muitos ensinamentos do Dharma e de ter assimilado esses ensinamentos, então, por contemplação, você terá a habilidade que o qualificará a fazer uma verdadeira meditação.
Meditação da tranqüilidade
Meditação de tranqüilidade, ou estabilidade mental, é um estado de concentração meditativa profunda sem intelectualização.
Claridade é um aspecto importante deste estado. É possível uma pessoa chegar a um estado de concentração meditativa profunda sem uma compreensão clara do seu objeto de meditação, porém tal estado não é uma meditação válida e é chamada meditação de escuridão, que pode conduzir a um possível renascimento futuro no reino animal. Há modos de meditar com forte concentração por meio de um estado que pode ser chamado de estado sem-forma de não-percepção. Usando o mesmo tipo de concentração meditativa, também se pode conseguir estados diferentes no reino da forma, mas estes não devem ser buscados porque são improdutivos no desenvolvimento espiritual. De certo modo, embora esta seja um tipo de meditação que pode ser muito poderosa porque é uma enorme força, não é uma real ou válida meditação por que não tem a força da claridade. Com a claridade, nunca serão produzidos tais estados meditativos.
Há dois tipos de meditação:
a) concentração que corta a ignorância, e
b) concentração que não corta a ignorância.
A meditação com claridade corta a ignorância; o outro tipo, embora chamada meditação, não o faz. Precisamos desenvolver a meditação que corta a ignorância. Uma pessoa pode meditar com grande concentração e até mesmo pode desenvolver uma força poderosa dentro dela, não obstante, a menos que ele, ou ela, tenha claridade mental, combinada com memória e consciência, esta força não produzirá nada de uma natureza espiritual. É importante saber a diferença entre os tipos produtivos e improdutivos de meditação, assim você pode aprender a pôr seus esforços no tipo certo.
Memória e Consciência
Para ter uma meditação boa, memória e consciência, como também claridade são necessárias. São produzidas memória e consciência por ter escutado ensinamentos do Dharma, contemplado esses ensinamentos [meditando sobre eles], e assim acessando uma compreensão clara deles. Uma vez que a claridade mental foi gerada, são produzidas facilmente memória e consciência.
Você está começando a entender como a meditação sem claridade da mente é como atirar uma seta na noite, ou tentando escalar um precipício sem mãos? Sem uma compreensão clara dos ensinamentos não se consegue realizações espirituais. As quatro tradições estão de acordo nisto.
Porém, muitos praticantes no Ocidente não sabem da necessidade de estarem preparados com estas preliminares. Eles pensam que tudo que a pessoa tem que fazer é sentar, fechar os olhos, e a meditação vai acontecer, surgir espontaneamente. Este é um grande erro! O conhecimento das três fases – Ouvir, Contemplar e Meditar – é precioso; por elas podem ser alcançadas experiências meditativas especiais. Se pretender praticar o Budismo seriamente você deve incorporá-los à sua prática.
Embora ouvir muitos ensinamentos do Dharma e os contemplar em um nível intelectual é muito importante, isso não deve parar por aí, mas se deve seguir através da meditação. Não cometa o erro de parar no nível intelectual. Lembre-se de que ouvir e contemplar são os preliminares para a meditação. Mas a meditação é necessária. A intenção completa da meditação é obter uma realização mais profunda pela experiência meditativa do que você previamente aprendeu.
Os Lamas comentam que uma pessoa que ouviu muitos ensinamentos importantes e, por contemplação, só realizou um entendimento intelectual deles está como alguém intoxicado pela cerveja. Intoxicação nunca produz verdadeiras experiências. Marque bem isto e tente evitar este erro. Um entendimento intelectual das coisas sem meditar, embora seja conhecimento, embora seja uma qualidade desejável, só produz orgulho. Por favor, leve isto a sério, guarde no seu coração.
PERGUNTA:
Aproveito para levantar a questão da meditação. “Contemplar”, ainda que embevecidamente, não é o meditar, a fase seguinte que envolve uma compreensão profunda através da experiência. Como você sugere que esta experiência não corra o risco de permanecer ainda uma reflexão de olhos fechados, ou seja, de ainda permanecer na intelectualização? Como sair do estado de claridade e entrar no da experiência meditativa pura quando se tem um tema tipo “impermanência”. Acho difícil esta saída da reflexão para a situação experiêncial pura1…
RESPOSTA (do texto):
Veja como isso funciona: Imaginemos que você quer meditar em impermanência. Tendo primeiro ouvido os ensinamentos acerca da impermanência (e/ou leu sobre isto), você a contempla (você também pede para seu Lama que explique as partes que você não entendeu) até que tenha uma visão clara – até que você tenha claridade, sem dúvidas, de seu tema de meditação que neste caso é a impermanência.
Então, você entra na meditação sobre a impermanência com esta visão, e a mantém na mente o tempo todo, para realizar uma compreensão mais profunda, mais clara da impermanência pelas experiências meditativas que você gera. Então todas as suas ações a seguir mostrarão a compreensão que você realizou e estarão em harmonia com sua visão e meditação [pois foram geradas a partir delas].
Embora ouvir muitos ensinamentos do Dharma e contemplá-los em um nível intelectual é muito importante, mas não se deve parar aqui, mas seguir através da meditação.
Não cometa o erro de parar no nível intelectual. Lembre-se de que ouvir e contemplar são os preliminares para a meditação. Mas a meditação é necessária. A intenção completa da meditação é atingir uma realização mais profunda, pela experiência meditativa, daquilo que você previamente aprendeu.
[ou seja: ouvir e contemplar são os preliminares para a meditação].
Nota: 1 – São duas meditações com características diferentes.
Muito bom esse texto e esse blog. Beijos