Perdão



Perdão

Texto de Charlotte Joko Beck, extraído do livro”Nada Especial

O amor perfeito significa amar aquele por meio de quem tornamo-nos infelizes.
Soren Kierkegaard

Quem é a pessoa que você não consegue perdoar? Cada um de nós tem uma lista que pode incluir nós mesmos (em geral os mais difíceis de perdoar) e também acontecimentos, instituições e grupos.

Não é natural que nos devamos sentir assim por causa de uma pessoa ou um acontecimento que nos feriu – de maneira talvez grave e irreparável? Do ponto de vista comum, a resposta é sim. Do ponto de vista da prática zen, a resposta é não. Precisamos formular o seguinte voto: irei perdoar, mesmo que custe praticar a vida inteira. Por que uma declaração tão forte?

A qualidade de toda a nossa vida está em jogo. Deixar de perceber a importância do perdão é sempre parte de um relacionamento falho e um fator em nossa ansiedade, em nossas depressões, em nossos males, em todos os nossos problemas. Nossa incapacidade de conhecer o contentamento é um reflexo direto de nossa incapacidade de perdoar.
Então por que apenas não o fazemos? Se fosse fácil, seríamos todos budas realizados. Mas não é fácil. Não tem proveito nenhum dizer “Devo perdoar. Eu devo. Eu devo. Eu devo …”. Esses pensamentos desesperados ajudam muito pouco. Análises e esforços intelectuais podem produzir um certo abrandamento da rigidez do não-perdão. Mas o perdão genuíno, completo, está num outro plano.

O não-perdão está alicerçado em nossos pensamentos habitualmente centrados em nossa própria pessoa. Quando acreditamos neles, são como uma gota de veneno em nosso copo de água. A primeira e monumental tarefa consiste em rotular e observar esses pensamentos até que o veneno possa evaporar. Então o trabalho maior pode ser efetuado: o vivenciar ativo, como sensação física corporal, do resíduo da raiva no corpo, sem nenhum apego aos pensamentos autocentrados. A transformação em perdão, que está intimamente relacionada com a compaixão, pode ocorrer porque o mundo dualista da pequena mente e seus pensamentos foram abandonados pelo vivenciar não-dual, não-pessoal, que é a única maneira de sairmos de nosso buraco infernal do não-perdão.

Só a nítida constatação da necessidade crítica de uma espécie de prática como essa pode capacitar-nos a realizá-la com força e determinação ao longo de muitos anos. A prática madura sabe que não existe nenhuma outra escolha.

Então, quem é que você não consegue perdoar?


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