Como podem as religiões contribuir para a construção da Paz? E que Paz estamos conceituando? Definitivamente não é apenas a ausência de guerras declaradas – quer seja entre gangs, grupos, regiões e/ou países. Há a guerra da fome, da miséria, da injustiça social, do analfabetismo, das grandes ignorâncias, maldosas, ruidosas, distorcendo ensinamentos e doutrinas para dar vazão à ganância e a raiva. A Paz, o bem estar, a tranqüilidade só são possíveis se incluir todos os seres com igualdade de direito à boa qualidade de vida.
Como podem as religiões participar da construção de sociedades mais igualitárias e com capacidade de compreender e incluir todas as formas de vida? Como podem encorajar e desenvolver o respeito entre todos e incentivar os corações de ternura e amor a que proporcionem condições melhores para todos os co-autores da vida na terra?
O que é a construção da Paz? Quais são os alicerces da Paz? Será que as religiões fornecem o material básico para o fortalecimento desses alicerces de sustentação? Será que os religiosos vivenciam os ensinamentos que pregam?
No passado as religiões eram as pontas de flecha das grandes transformações sociais. Com o correr dos anos algumas delas cresceram e se institucionalizaram de tal forma que parecem ter perdido seu propósito inicial de fazer o bem a todos os seres. Mas não foram as religiões que se transformaram. Não foram os ensinamentos e sim a ganância, a raiva e a ignorância que desviaram pessoas e grupos, fazendo-os esquecer a transcendência, o Iluminar e o Ser Iluminado.
Vieram as críticas, as desconfianças, o abandono, o descaso pelas religiões estabelecidas e a procura por novas e “puras” fontes de conforto e claridade.
Se as religiões aprenderem com a História da Humanidade poderão se redimir de seus erros do passado construindo uma linguagem de inclusão e respeito a diferentes tradições e expressões do Sagrado.
A Paz é construída a cada momento com nossas vidas através de gestos, ações, frases, palavras, idéias e pensamentos. É a vivência da Paz. É a nossa ternura e o nosso cuidar dos próximos e dos distantes, do conhecido e do desconhecido. É nosso respeito ao outro. É nosso respeito e carinho a nós mesmos – vida cósmica.
A Paz, em termos budistas, pode ser entendida como a Maravilhosa Mente de Nirvana. Mas, será que é possível um Nirvana pessoal e individual, independente do coletivo? Se o coletivo está doente e faminto, se o coletivo está em violência e tristeza, como pode o indivíduo – partícula do coletivo – estar separado do mesmo?
Há pessoas que se referem a algumas pessoas como “religiosos engajados” em movimentos de transformação político-sociais. Entretanto, toda pessoa verdadeiramente religiosa está envolvida nos movimentos de transformação sócio-econômicos do mundo, porque faz parte do mundo, porque é uma partícula deste mundo que sofre e se debate em fome, em dor; que se alegra e ri em esperança e renascimento de fé.
Será que existe alguma religião que não se proponha a amenizar o sofrimento do mundo e criar comunidades de seres responsáveis e ativos, que percebem como o todo interage, como tudo está inter conectado?
O que cada um de nós está fazendo para amenizar a fome no mundo?
Isto é construir a Paz. O que cada um de nós está fazendo para melhor saneamento, melhores condições de saúde a todos os seres em todas as esferas de vida? O que cada um está fazendo para a preservação da natureza, das águas, das terras, dos ares, dos minerais, dos seres vivos? Que responsabilidade estamos tomando frente às dificuldades de milhões de seres humanos em se completarem, em serem felizes, verdadeiramente felizes?
Quais valores estamos transmitindo às nossas crianças? ( Entendo por nossas crianças todas as crianças- ricas e pobres, animais, vegetais e minerais) A família é a Família da Vida. Esta a nossa verdadeira família. Inclui todos os humanos e por conseqüência todos os outros seres, visto que somos todos feitos de elementos não-eu, constantemente interagindo, intersendo.
Como podem as religiões contribuir para a construção da Paz? Educando seres de paz, em paz, na paz. Renovando os valores éticos básicos de nosso pequeno mundo globalizado. Para tanto será necessário renovar a maneira de falar e de ser de seus praticantes. Foi-se o tempo de dizer que a “minha opção religiosa é a única e a melhor para todas as pessoas”. Há diferentes tradições, algumas antigas, outras mais recentes. Todas aquelas que se dirigem a dar melhores condições de vida à própria vida, sem criar barreiras separatistas, discriminatórias e de conflito, mas criando ambientes de harmonia e respeito devem ser consideradas como parceiros na construção de uma Cultura de Paz. Uma Cultura de Paz, de Não Violência Ativa, a ser vivenciada em cada relacionamento, nas escolas, nas artes, no trabalho, nas casas, nas ruas das grandes, médias e pequenas cidades, nas áreas rurais, nos mares, montanhas e nos céus.
Podemos sim transformar os infernos de dores e sofrimentos nos paraísos de tranqüilidade e abundância dando um salto quântico no infinito e crendo no processo de desenvolvimento da própria vida.
Unidas, as várias religiões e tradições religiosas poderão trabalhar para o bem comum procurando abrir a todos, de par em par, os portais sem portas do Caminho Correto.
Para que trabalhem unidas, lado a lado, sem julgamentos de superioridade ou inferioridade nas suas opções e número de adeptos é preciso que seus líderes, seus dirigentes encontrem a flexibilidade e a humildade para se reverenciar ao Sagrado em cada ser e desenvolver a Grande Mente de Compaixão, Compreensão e Sabedoria. Só quando os seres humanos forem capazes de perceber sua posição cósmica de interação poderemos iniciar a caminhada pela Cultura da Paz. Esta caminhada já se iniciou para alguns, poucos ainda, que tateiam nas várias tentativas de encontrar os meios expedientes rápidos e benfazejos de apressar o processo de transformação para que todos se beneficiem. Para tanto não podem estar presos às suas tradições, conceitos e dogmas, mas livres através de suas tradições, conceitos e dogmas para a experimentação do Sagrado, que tudo une, tudo inclui, tudo abençoa, compreende e abrange.
As religiões poderão participar ativamente da construção da Paz quando seus adeptos verdadeiramente se tornarem agentes de Paz.
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O fundador histórico do Budismo, Xaquiamuni Buda (cerca de 600 anos anterior ao nascimento de Jesus Cristo), em seu primeiro sermão após obter a Iluminação, deixou um legado precioso de como obter o estado de profunda e verdadeira Paz Iluminada – o Nirvana.
O Caminho de Oito Aspectos é o próprio Nirvana, Ele dizia. Esse Caminho afasta, impede os Três Venenos da Ganância, Raiva e Ignorância de controlarem os seres humanos.
Os oito aspectos são na verdade um círculo de interação, sem que um seja primeiro e os outros depois, mas agindo simultaneamente. Quando a luz surge formas e cores surgem, da mesma forma o Caminho.
Os Oito Aspectos do Caminho tem grande importância dentro do Budismo dos Antigos, tradição hoje comumente chamada de Theravada. São os seguintes:
Ponto de Vista Correto, Pensamento Correto, Fala Correta, Ação Correta, Meio de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Correta e Meditação Correta
Dentro da Tradição Mahayana Budista (O Grande Veículo) costuma-se dar mais ênfases nos Seis Paramitas, como sendo esses Paramitas o próprio Caminho do Bodhisatva. São os seguintes:
Doação, Manter os Preceitos, Paciência, Esforço, Meditação e Sabedoria.
Seu objetivo é conduzir os seres à “outra margem”, ao plano da Sabedoria Iluminada, da Perfeição, da Compleição do ser.
Há uma clara correlação entre os Oito Aspectos e os Seis Paramitas:
Observar os Preceitos corresponde a Fala Correta, Ação Correta e Meio de Vida Correto.
Esforço é o mesmo que Esforço Correto.
Meditação corresponde a atenção correta e meditação correta.
Doação e Paciência não aparecem nos Oito Aspectos. Doação é o primeiro dos Paramitas demonstrando a importância do Caminho do Bodhisatva – aquele que se doa para salvar outros seres. É o doar que caracteriza um Buda ou um Bodhisatva.
É preciso lembrar que Buda significa ser Iluminado e que Xaquiamuni Buda dizia haver tantos Budas quanto grãos de areia no Ganges. Bodhisatvas são aqueles que declinam até de sua porópria Iluminação Suprema a fim de auxiliar todos os seres a alcançar o Caminho Verdadeiro. Os Sutras budistas estão repletos de contos sobre seres que se doaram para o bem de outros seres.
Se o Caminho de Oito Aspectos pode aparentar ser apenas de auto desenvolvimento, os Seis Paramitas claramente apontam para o outro indicando a mudança altruísta, de foco social, que caracteriza a Tradição Mahayana. É claro, entretanto, que o Caminho dos Antigos também é o caminho altruísta de amor e compaixão por todos os seres. Mas o outro fica implícito e não explicito como na Mahayana.
Estas duas formas de pratica do Caminho, a sua divulgação e preservação corretas são algumas das contribuições que o Budismo, em suas várias vertentes, tem para a Construção de Culturas de Paz.
Que todos os Budas e Bodhisatvas através do espaço e do tempo nos protejam e nos guiem na Grande Sabedoria Perfeita e Completa, Maha Prajna Paramita.
- Extraído do site www.monjacoen.com.br.