A Primeira Nobre Verdade declara taxativamente que a dor é inerente à vida simplesmente porque tudo está mudando. A Segunda Nobre Verdade explica que o sofrimento é o que acontece quando lutamos contra aquilo que a vida nos oferece, em vez de aceitarmos as nossas experiências e de nos abrirmos a elas, com sabedoria e compaixão. Considerando-se as coisas a partir desse ponto de vista, há uma grande diferença entre dor e sofrimento. A dor é inevitável; trata-se de algo inerente à vida. O sofrimento não é inevitável. Se o sofrimento ocorre quando lutamos contra aquilo que nos acontece, devido à nossa incapacidade de aceitar esses fatos, então ele é algo que ocorre em função de uma opção.
Eu não compreendia isso quando comecei a praticar o Budismo, acreditando que, se eu me empenhasse o bastante na meditação, faria cessar toda a dor. Isso revelou-se um grande engano. Fiquei desapontada quando descobri o erro e me senti constrangida por ter sido tão ingênua. É óbvio que não vamos acabar com a dor nesta existência.
O Buda disse: ‘Tudo o que nos é caro nos causa dor". Creio que isso seja verdade. Em geral, não costumo citar essa frase para alunos iniciantes porque não quero que eles pensem que o Budismo é algo melancóiico. Mas o que o Buda disse é verdade. Como as coisas mudam, nosso relacionamento com qualquer coisa que amamos ou seu relacionamento conosco também mudará, e sentiremos a dor da perda ou da separação. Aqueles dentre nós que escolheram uma vida de relacionamentos fizeram uma opção baseada no ponto de vista de que vale a pena sentir a dor.
É um constante desafio para mim (os budistas zen poderiam chamar a isso de koan) traçar a tênue linha entre "indiferença às experiências da vida" e da "apreciação compassiva das experiências da vida", sem apego. Dependo daquilo que é possível, mas, como cada momento é um equilíbrio entre o "agradável" e o "desagradável", é difícil não desejar o "agradável". Basicamente, é difícil não querer.
Consta que São João da Cruz fez o seguinte pedido numa oração: "Senhor, poupe-me das visões!" Quando comecei a praticar meditação, eu queria ter visões. Estávamos no final da década de 60, os Beatles e o iogue Maharishi Mahesh estavam popularizando a meditação, e a cultura era "psicodélica". Eu queria que algo extraordinário me acontecesse.
Alguns anos depois, coisas extraordinárias realmente aconteceram. Durante um período de intensa prática meditativa, senti-me cheia de luz, e era como se eu estivesse até mesmo irradiando luz. Foi espantoso! (No âmbito da prática intensiva da meditação, isso não chega a ser grande coisa; para mim, porém, tratava-se de algo incrível!) Em pouco tempo comecei a achar que não se tratava de algo tão incrível assim. Comecei a pensar em Paulo, cego pela luz na estrada de Damasco e, como eu não fiquei ofuscada, comecei a desejar mais luz. Conquanto fosse verdade, eu não confessaria isso a ninguém porque, nos grupos de meditação — ou, pelo menos, no meu grupo — não era considerado de bom tom desejar mais êxtase.
A Segunda Nobre Verdade de Buda é que ansiar por algo é sofrer. Frequentemente, isso é traduzido como "o anseio é a causa do sofrimento", mas penso que essa versão deixa de lado a essência da idéia. Causa sugere que algo acontece antes e produz um determinado resultado. Uma construção equivalente seria "ansiar agora, sofrer mais tarde". Acho que uma expressão melhor seria "ansiar agora, sofrer agora".
Certa vez, ouvi alguém dizer que um sinal de iluminação era a capacidade de dizer (e pensar realmente assim) em qualquer momento: "Bem, isso não é o que eu quero mas é o que eu tenho; então, tudo bem."
A sogra do meu filho Peter não apenas tolera os contratempos como, em geral, parece apreciá-los. Ela é a única pessoa com a qual já andei de carro pelas estradas de Los Angeles — com carros entrando e saindo arbitrariamente de ruas transversais, em congestionamentos confusos e cheios de fumaça — que diz, com genuína admiração: "Uau! Olhe só para todas essas pessoas que resolveram sair de casa!"
Há uma grande diferença, obviamente, entre auto-estradas e fomes endêmicas e guerras, mas é ótimo ter a confirmação de que a ampla aceitação é humanamente possível. A prática espiritual poderia ser a descoberta e a ampliação do potencial que existe dentro de nós mesmos. A Terceira Nobre Verdade diz que isso é de fato possível.