Muitas estradas levam ao Caminho(1), mas basicamente existem apenas duas: prática e sabedoria. Entrar pela sabedoria significa compreender a essência através dos ensinamentos e acreditar que todos os seres vivos compartilham a mesma natureza verdadeira, a qual é dissimulada pela sensação e ilusão. Aqueles que abandonam a ilusão para voltar a realidade, que meditam frente à parede(2) na ausência de dualismo, na unidade de mortalidade e sabedoria, e que permanecem impassíveis mesmo perante às escrituras, estão em completa e silenciosa comunhão com a sabedoria. Sem se moverem, sem esforços, eles entram, dizemos, pela sabedoria.
Entrar pela prática refere-se as quatro práticas(3) que incluem todas as demais: sofrer injustiça, adaptar-se às condições, nada buscar e praticar o Dharma.
Primeiro, sofrer injustiça. Quando aqueles que buscam o Caminho encontram adversidades devem pensar: “Durante incontáveis eras passadas, vaguei do essencial ao supérfluo e através de todo tipo de existência, raivoso sem motivo e culpado de inúmeras transgressões. Agora, embora não cometa erros, sou punido pelo meu passado. Nem os deuses nem os homens podem prever quando uma ação má frutificará. Aceito isso de coração aberto e sem queixar-me de injustiça”. Dizem os sutras: “Quando você encontra adversidade não se exaspere, ela é justa”. Com tal compreensão você está em harmonia com a sabedoria. E sofrendo injustiça se entra no Caminho.
Em segundo, adaptar-se às condições. Como mortais, estamos submetidos às condições e não a nós mesmos. Todos os sofrimentos e todas as alegrias que experimentamos dependem das condições. Se formos agraciados por alguma grande recompensa, como fama ou fortuna, trata-se do fruto da semente plantada por nós no passado, que se acabará quando as condições mudem. Por que deliciar-se, pois, com sua existência? Mas, enquanto o sucesso e o insucesso dependem de condições, a mente não cresce nem diminui. Aqueles que permanecem impassíveis perante os ventos da alegria e da tristeza seguem silenciosamente o Caminho.
Em terceiro, nada buscar. As pessoas desse mundo vivem iludidas. Estão sempre ansiando por algo, sempre buscando algo. Porém os sábios despertam e escolhem a sabedoria em vez dos hábitos. Concentram suas mentes no sublime e deixam seus corpos mudarem com as estações. Todos os fenômenos são vazios; não contêm nada que valha a pena desejar. A calamidade sempre se alterna com a prosperidade(4). Habitar nos três reinos(5) é morar numa casa em chamas. Ter um corpo é sofrer. Alguém que possui um corpo conhece a paz? Aqueles que compreendem isso desapegam-se de todas as coisas existentes e param de imaginar ou buscar algo. Os sutras dizem: “Buscar é sofrer. Nada buscar é bendição”. Quando não se busca nada, se está no Caminho.
Em quarto, praticar o Dharma(6). O Dharma é a verdade de que todas as naturezas são puras. Por esta verdade, todas as aparências são vazias. Não existem apego e rejeição, sujeito e objeto. Os sutras dizem: “O Dharma não inclui seres, pois o Dharma está livre da impureza do ser, e o Dharma inclui a inexistência do eu porque está livre da impureza do eu”. Aqueles que são sábios o suficiente para acreditar e compreender esta verdade praticam de acordo com o Dharma. E como o que é “real” não inclui nada que valha a pena preocupar-se, praticam a compaixão com seus corpos, vidas e propriedades, sem se lamentar e sem a vaidade de quem dá, presenteia ou recebe agindo sem segundas intenções nem apego. E para eliminar impurezas ensinam aos demais, mas sem se apegarem à forma. Assim pois, através de sua própria prática são capazes de ajudar as pessoas e glorificar o Caminho da Iluminação. E, assim como a generosidade, também praticam as outras virtudes. Mas ao praticarem as seis virtudes(7) para eliminar a ilusão, eles nada praticam. Isso é o que quer dizer praticar o Dharma.
Ensinamento Zen de Bodhidharma