As práticas espirituais só adquirem seu sentido na vida cotidiana. A relação com nossos pais,esposa, marido, filhos e colegas de trabalho, e também com os seres em todos os planos da existência, material e sutil, isto é o termômetro da prática. Um sinal grave é o desinteresse e a falta de compaixão. O isolamento e a prática formal são artificialidades – só se justificam pela remoção de obstáculos que eventualmente proporcionem. Todas as construções espirituais, ainda que meritórias, são esponja, água e sabão, ou seja, dispensáveis ao final.
- Prática na vida Cotidiana
- 1. Felicidade e motivação no budismo
- 2. Buda no país do Kalamas
- 3. Três níveis de motivação
- 4. Examinando a forma de “ver”
- 5. Iniciando transformações
- 6. Ação positiva
Prática na vida Cotidiana
Quando desejamos ter uma casa na praia, estamos também buscando felicidade. Ainda que nos falte clareza quanto a isto, esta é a motivação verdadeira, o elemento mental que cria no nosso desejo quanto à casa. Para buscar a felicidade, a casa de praia é uma boa opção?
Passar lá o fim de semana é ótimo, não há mácula nisso, mas quando chega o domingo, acaba. A casa da praia nos traz um tipo de felicidade que necessita um certo esforço e trabalho para acontecer, e o benefício é curto. No budismo, sentimos que trabalhos longos e felicidades curtas não são muito interessantes, buscamos produzir felicidade de longo alcance. Alguém, por exemplo, que supere internamente o orgulho, imediatamente melhorará sua relação com a família e com os amigos, nessa vida e nas que se seguirão e todos ao redor se beneficiam.
Há variados tipos de felicidade, por exemplo, a vaga em algum emprego. Neste caso nossa felicidade implica na frustração dos outros (que não conseguirão), além do mais, tão logo comecemos a trabalhar, já surge a insatisfação e começamos a pensar nos feriados ou então quanto tempo falta para nossa aposentadoria… Esse benefício de conseguir um “bom emprego” é muito diferente do de superar um dos cinco venenos – orgulho, inveja e avareza, desejo e apego, ignorância, raiva. Veja bem, quando superamos a avareza, neste exato instante nos tornamos ricos. Descobrimos uma fonte de satisfação permanente, e tudo que brota dessa fonte e que podemos oferecer aos outros é motivo de alegria para nós. Quem dá alguma coisa nunca perde essa alegria, já quem recebe, pode até esquecer.
1. Felicidade e motivação no budismo
A prática budista foca cuidadosamente a motivação. Recitar mantras ou entrar num templo sem a motivação correta, envelhece a religião. A falha é nossa. Por que não olhamos as práticas com o olho correto, não há benefícios, e nos tornamos surdos às palavras de sabedoria. Por outro lado, a motivação de trazer benefícios aos outros tem o poder de transformar qualquer ação em prática espiritual. É muito comum que as mães não tenham tempo para praticar formalmente, mas com a motivação de ajudar seus filhos e sustentar a casa, tudo que elas fazem se transforma em prática espiritual.
Dependendo da motivação, em meio a suas atividades, a pessoa pode se sentir aprisionada ou pode se sentir como um sol, irradiando benefícios. As situações externas são um espelho do que temos internamente. Sempre podemos optar. Um dia vamos morrer, e isso não é propriamente um momento feliz, mas mesmo nesse momento, nós podemos irradiar amor, compaixão, e equanimidade para todos os seres.
Usualmente nosso carma nos conduz a ver tudo através dos cinco venenos, mas temos sempre ao alcance os olhos dos Bodisatvas que tudo vêem com compaixão, amor, alegria e equanimidade – as quatro “qualidades incomensuráveis”. Utilizar esta capacidade de opção é que define a prática espiritual budista.
Quando um filho morre, é um grande sofrimento, é um momento muito difícil, e só existe uma forma de produzir e receber benefícios: ter a percepção da natureza luminosa, divina, estável, que é nossa identidade e que está além de qualquer transformação, além de nome e forma, de vida e morte, de esperança e medo, de espaço e tempo. Desta experiência interna brotam naturalmente as quatro qualidades incomensuráveis.
Chagdud Rinpoche diz que meditar uma hora por dia e ter vinte e três horas de más ações, maus pensamentos, não adianta.
É necessário praticar vinte e quatro horas por dia. A prática do cotidiano é a base, a prática formal é complementar ao intensificar nossa qualidade de atenção nas outras horas do dia.
As motivações podem ser classificadas como: mundanas, pré-budistas e budistas. Em todos os três casos, os seres, sem exceção, buscam a felicidade e se afastar do sofrimento. Isso é uma chave unificadora. Todos os seres, dos elefantes às pulgas, se movem nessa direção. Na nossa relação com as pessoas é assim, mesmo as pessoas que nos agridem, querem felicidade e não querem sofrimento. Se nos aproximamos com a intenção de prestar benefício, todos nos acolhem; mas se nos aproximamos querendo sugar o que o outro tem, somos repelidos, não há dúvida. A chave numa relação afetiva, ou com amigos, é a disposição de dar, e não a de receber. Todos os mestres budistas falam isso. A origem do sofrimento é colocar a experiência de felicidade na dependência de algo externo. Não há como escapar, com a flutuação do objeto, nossa felicidade flutua junto.
O budismo é resumido pelas expressões “Buda, Darma e Sanga”, que são os “três refúgios”. Cada um de nós é um Buda, nossa natureza é perfeita. Nossa mente é um diamante, uma jóia, mas por operarmos a partir de certos referenciais, não conseguimos manifestá-la de forma pura, é como se o diamante estivesse coberto com barro.
O “Darma” são os ensinamentos do Buda, métodos de limpar o barro que envolve esse diamante. Num sentido interno, Darma é a compreensão que brota da mente iluminada dentro de nós. Quando repousamos sob a natureza do que é liberto, além do espaço e tempo, podemos olhar os jogos livremente, sem flutuar.
“Sanga” é a comunidade daqueles que praticam, é onde nós praticamos a moralidade, que é se mover sem causar malefícios e para o benefício dos outros. Com o tempo reconheceremos todos os seres como a Sanga.
Moralidade e meditação vêm juntas. Se a pessoa pratica uma hora de meditação e vinte e três horas de iniqüidades, não adianta. A meditação é inseparável do nosso próprio cotidiano, e da motivação das nossas ações. Ela é que vai permitir transformar qualquer ação em prática espiritual.
Nos portamos como mendigos, colocamos a felicidade como algo externo. Há nisso um carma instantâneo: no momento em que se olha para fora em busca de felicidade, esquecemos que a nossa natureza é uma jóia, e nos tornamos mendigos. É como se fossemos muito ricos, mas não tomássemos consciência. Quando temos uma atitude de mendigos, nos relacionamos com os outros buscando ganhar um pão velho de vez em quando.
Uma pessoa entra numa situação e não sabe como sair, e assim esquece a sua natureza luminosa básica. Dizemos que o budismo inteiro é revelar esta natureza básica; isso não é uma teoria, é uma coisa prática. É como um carro que está atolado, basta tirá-lo dali. E o ponto básico para fazer isso é a motivação, pois é ela que inclui o aspecto sutil da energia da ação.
Já vimos que a motivação básica de todos os seres é buscar felicidade e se afastar do sofrimento. Há, então uma harmonia, todos fazendo a mesma coisa. Ainda assim há diferenças, há a felicidade permanente e as felicidades passageiras. A experiência de felicidade de um casamento termina quando termina o casamento.
Dentre as passageiras, podemos ter felicidades curtas e longos pagamentos por elas, ou ter felicidades de média duração e longo sofrimento. Podemos ter felicidades mais ou menos intensas; e podemos ter felicidades à custa de outros seres, como no caso do churrasco. Mas há um tipo de felicidade que quando se obtém traz felicidade para nós e para todos os outros, instantaneamente, e não só isso, essa felicidade dura permanentemente.
Por exemplo, a pessoa se libera do orgulho; isso é bom para ela e para todos, permanentemente. Ou então alguém se libera da raiva, isso é uma grande felicidade! Ela pode olhar com carinho para os outros. É uma liberação, não termina; ela pode olhar os outros como pais, irmãos. Liberar significa que as qualidades que brotam na liberação não são passíveis de perda. Existe essa felicidade que é liberar as seis emoções perturbadoras. Nesse momento o mundo muda, passa a ser uma fonte de felicidade radiante, que não está em dependência de fatores externos, nem de objetos. É a felicidade permanente. As outras felicidades existem, não há dúvida. Há as que se dão em dependência a objetos, as felicidades mundanas. Há felicidades que podemos obter à custa dos outros, que perdem ou são prejudicados.
Existem tradições religiosas que usam a palavra Deus para seres que produzem benefícios para uns e malefícios para outros. Temos que olhar com cuidado isso. Em primeiro lugar, não é Deus.
A natureza do absoluto não pode ser descrita por conceitos relativos. Mas há um tipo de seres, em algumas religiões, que fazem isso. São seres que pertencem aos reinos de existência condicionada, e têm o poder de produzir benefícios para alguns e malefícios para outros. Como nós, eles têm uma natureza intrínseca perfeita, mas que está operando sob condições. Assim, ainda que tenham poder, não têm sabedoria.
Não há benefício dual que seja permanente, mas nossos olhos estão perturbados e, quando nos voltamos a esses seres poderosos, só pedimos coisas impermanentes. Isso aparentemente é religião, mas não é, embora lide com coisas sutis. No passado havia religiões de povos específicos, onde se ensinava a destruir outros povos para benefício próprio. Esse tipo de crença ainda hoje está por trás dos infindáveis conflitos e ódios entre nações e raças.
Parece que nossa felicidade material se dá dentro de um contexto onde é necessário esforço, luta, mas essa visão é equivocada. Tudo se resolve com generosidade. A generosidade cria os méritos que impedem a pessoa de viver uma situação de miséria. Se a pessoa se acha tão miserável que não tem nada para oferecer, assim é que é. A situação imediatamente melhora quando oferecer algo, nem que seja um sorriso, um olhar de carinho. No entanto, se a atitude mental é a avidez, há um poço sem fundo, a pessoa sempre vai se sentir miserável. Com esse sentimento de carência, só vê o que falta. A avidez é independente do quanto temos; é uma atitude mental. Uma pessoa que vive em condições pobres mas é generosa, provavelmente não se sente pobre, tem sempre algo a oferecer.
Um dos remédios do Buda para a transformação social é a tigela que segura na mão esquerda. Ele e os monges ofereciam-na para ricos e pobres, dando a eles a oportunidade de gerarem méritos. Mérito traz resultados imediatos: alimentar um cachorro traz imediata satisfação. Uma mente miserável não oferece, pensa que vai faltar mais adiante. Estamos em meio a seres que buscam a felicidade sugando os outros. A maneira de lidar com eles é desejar que se liberem dessa condição de miserabilidade; se usarmos apenas a noção de justiça social, é impossível.
Entre as felicidades mundanas, que são finitas, algumas tem curta, média ou longa duração, mas existe um aspecto que é comum: a felicidade mundana traz junto uma infelicidade potencial. Por exemplo, a pessoa bebe, e depois se acidenta. Ter um filho é uma maravilha, mas ele também é impermanente, se ele morre é um grande sofrimento. A gente se alegra porque comprou um carro, depois se preocupa que não seja arranhado, roubado, etc…. É uma alegria em dependência, portanto, sujeita à impermanência. Há situações onde a gente entra e depois, por pior que seja, não consegue mais sair. Primeiro reza para conseguir, depois para se livrar…
Existe uma grande alteração de qualidade na nossa vida quando percebemos que, independentemente da situação objetiva externa, podemos dirigir nossos estados mentais na direção que desejarmos. Focando a mente num estado mental específico a infelicidade cessa, e a felicidade surge. Por exemplo, ouvir música, acender incenso. Ainda que haja aí uma certa liberdade, não é completa, pois tão logo a música e o incenso terminem, o estado de felicidade perde seu substrato. No entanto, enquanto vivíamos aquele estado mental, estávamos tranqüilos.
Se temos um pouco mais de habilidade, podemos fazer relaxamento ou meditação de tranquilização. Mas mesmo essas experiências têm início, meio e fim. Não podemos ficar relaxando o tempo inteiro, e aí voltamos aos velhos conflitos de sempre. Vendo isso, queremos isolamento, desejamos morar num ashram em meio à natureza, nos Himalaias. Olhamos ao redor e achamos tudo muito terrível. Também a felicidade através de estados mentais particulares é finita.
Em geral, a nossa motivação está oculta. Ela tem o poder de transformar qualquer atividade em atividade de mérito, e também o poder de estragar tudo. Se fazemos prática espiritual mas com a motivação de ser melhor do que alguém, ou porque estamos numa disputa, a nossa mente está imperfeita, mal colocada; mais adiante colheremos os frutos dessas ações, e diremos que esta prática não funciona. Por outro lado, se a motivação é correta, podemos transformar toda nossa atividade cotidiana em prática espiritual. A motivação é que definirá se a nossa vida funcionará, se a nossa prática frutificará.
Já vimos que nossa motivação básica é buscar felicidade. Todos os seres se movem nessa mesma direção, então podemos entendê-los. Não há atividades erradas. Todos buscamos, de uma forma mais ou menos hábil, aproximar o que consideramos bom. Todas as religiões brotam disso. Como se dá no budismo?
Uma vez, o Buda Sakiamuni chegou ao país dos Kalamas. As pessoas logo se aproximaram e pediram a ele que desse ensinamentos. Nesse momento alguém se levantou e disse “Senhor, muitos mestres têm passado por nosso país, oferecendo-nos seus sábios ensinamentos. Porém, eles sempre dizem ‘esqueçam o que vocês já ouviram antes, agora vou ensinar a verdade definitiva’. Como, neste momento, devemos ouvir as suas palavras?” O Buda disse: “É muito simples. Ouçam com cuidado, e testem. Experimentem em suas vidas; se esse ensinamento trouxer benefício, sigam-no, diligentemente. Se não trouxer nenhum benefício, abandonem-no.”
E continuou o Buda: “Todos os seres buscam felicidade e querem se afastar do sofrimento. Se usamos como método de buscar felicidade, por exemplo, matar outros seres, isso é interessante?” Todos disseram, “não, não!” “E roubar, é um método para encontrar a felicidade?” Todos repetiram “não, não!” E seguiu o Abençoado enumerando: conduta sexual inadequada, mentir, criar discórdia, agredir com palavras, tomar o tempo dos outros com palavras inúteis, ter má vontade com outros seres, dar conselhos que resultem em sofrimento aos outros, ser avarento. E todos repetiram “não, não!” Assim todos concordaram que estas dez ações são fontes de sofrimento e não de felicidade e entenderam porque são chamadas de “as dez ações não-virtuosas”.
Buda então perguntou, “uma pessoa dominada pela ignorância, pode ser levada a matar?”
Todos concordaram, “sim, sim, Abençoado!” Seguindo, perguntou, “uma pessoa dominada pela ignorância, pode ser levada a roubar?” Todos concordaram novamente, e responderam “sim, sim, Abençoado!” E seguiu o Abençoado enumerando as dez ações não-virtuosas e todos sempre concordavam que a ignorância poderia causar cada uma das ações.
Depois o Abençoado tomou, a avareza e o ódio e perguntou se cada um poderia causar, uma à uma, todas as dez ações não-virtuosas. À cada pergunta os Kalamas concordaram e responderam, “sim, sim, Abençoado!” Ao final o Buda explicou: “esta é a razão pela qual a ignorância, a avareza e o ódio são chamados de ‘os três venenos’: são a raiz de todos os sofrimentos”.
Causar mal aos outros talvez tenha um resultado de curta duração, mas as conseqüências danosas são imediatas, de curta, média e longa duração. Não é que algum ser superior sinta-se afetado, nós é que nos sentimos imediatamente afetados. As dez ações quando praticadas produzem aparentes vantagens, mas acarretam infelicidades imediatas e de curta, média e longa duração, para quem a pratica e para as pessoas ao redor. Quando alguém chega a pensar “seria bom que tal ser morresse” isso, em si mesmo, já é sofrimento. Curiosamente, todos os seres que estão em situações de sofrimento tem todos os argumentos para justificar suas ações equivocadas e não sair dali.
Quando a pessoa faz uma ação equivocada, não se dá conta, e pensa que é bom, que vai trazer benefício para ela. Isto é o veneno da ignorância atuando. Não percebe que está construindo um longo carma de sofrimento para si mesma. A ignorância é a geradora de emoções perturbadoras subseqüentes: orgulho, inveja, apego, avareza e raiva. Essas seis emoções perturbadoras são assim chamadas porque cada uma nos leva a cometer as dez ações não-virtuosas, construindo longas infelicidades.
O que define a nossa prática espiritual é a motivação: superar as nossas próprias dificuldades e sermos capaz de beneficiar os outros seres. Uma etapa disso é liberar as seis emoções perturbadoras. Se nos aproximamos com elas de qualquer prática espiritual, contaminamos tudo. Mas se buscamos a melhor forma de trazer benefícios, relativos e absolutos, isso é prática espiritual verdadeira, ou seja, transforma a nossa vida. É o que fazem os “bodisatvas”, seres que só se movem impulsionados pelo desejo de beneficiar os outros. Eles não estão presos em jogos, têm sabedoria. Nós construímos coisas duais e buscamos assim felicidade, mas eles sabem que tudo que é construído, em uma semana, um mês, um ano, uma vida, se desmanchará.
Como vimos, existem as motivações, que levam a experiências de felicidade – ainda que impermanentes e dependentes de objetos – onde o grande segredo é a generosidade. Existem as motivações e que vão trazer felicidades para uns e malefícios para outros, como as religiões de povos. Há também as felicidades sutis, associadas à música, ao relaxamento, à meditação de tranquilização. Todas estas motivações são pré-budistas, porque quando a impermanência vem e a felicidade termina, o que o budismo tem a oferecer nesse contexto?
Percebemos que estamos aprisionados pelas seis emoções perturbadoras, que produzem dentro de nós impulsos que não conseguimos controlar, e assim, praticamos as dez ações não-virtuosas, incessantemente construindo sofrimentos imediatos e futuros. Se conseguimos liberar o orgulho, todos os seres ao nosso redor se beneficiam, nossa relação com eles melhora. O mesmo com a raiva, inveja, apego, ignorância, ou aquisitividade. No exato momento em que liberamos as seis emoções perturbadoras, surge um tipo de felicidade que automaticamente beneficia a todos. Não é um tipo de benefício que seja arrancado de alguém, ou algo que logo em seguida temos que devolver; tampouco não é impermanente como o que podemos comprar ou fazer com nosso trabalho. É um benefício que está além de vida e morte, de espaço e tempo, de esperança e medo. Ao reconhecer isso com o coração, surge a decisão forte e estável de nos libertarmos, motivação indispensável para começar a receber os ensinamentos budistas.
Há três níveis de motivação budista: no primeiro, estamos voltados a gerar méritos e obter uma felicidade estável. Nesse nível estamos voltados a eliminar as seis emoções perturbadoras e desenvolver as seis emoções positivas correspondentes. A contradição que surge nessa etapa é que a pessoa tem o foco de atenção sobre si mesma. Como conseqüência, há um limite no que é possível avançar. Praticando longamente nessa perspectiva, mais adiante ela se dá conta que o Buda não falou apenas como se libertar do seu próprio sofrimento, mas, falou do universo e do sofrimento dos outros seres. Assim, a maturidade do primeiro nível conduz ao reconhecimento dos ensinamentos que falam da inseparatividade de todos os seres e de todas as coisas.
O segundo nível da motivação budista, que é baseado na compaixão começa nesse ponto. Tirar o foco de si e colocar no outro. Através da compaixão exercitamos a capacidade de onisciência da mente iluminada. Mesmo na nossa atual condição, operamos todo tempo a mente primordial, não há duas. A compaixão é a primeira das “quatro qualidades de valor incomensurável” descritas pelo Buda, é o desejo que o outro se libere das suas dificuldades. Nesse nível, a prática de todas as “quatro qualidades incomensuráveis” é fundamental.
O terceiro nível de motivação é a percepção de que o próprio local onde estamos e tudo que nos rodeia é perfeito. É a prática da visão pura, o reconhecimento da natureza verdadeira de todas as aparências.
4. Examinando a forma de “ver”
Nesse momento é importante entender que o budismo visa trazer a superação das raízes do sofrimento, e produzir as bases para a felicidade temporária e definitiva. Quando não temos sabedoria, as coisas “ruins” tem nome e forma. O primeiro passo é descaracterizar isso. Por exemplo, a raiva não é apenas um fator “interno”, precisa de um panorama “externo” para surgir. Não adianta criar internamente uma “tampa”, a raiva pode vir a explodir como uma panela de pressão.
Na verdade, aquilo que focamos é inseparável dos nossos olhos. Esse é o ponto central no budismo. Quando estamos envolvidos nos nossos sofrimentos, complicações, temos todo um contexto que valida esse sofrimento. Há um panorama aonde isso acontece. Assim também com a felicidade.
Nós construímos a realidade, a paisagem que nos cerca, a partir do conteúdo do nosso coração. No momento em que viajamos para “dentro” de nós mesmos e transformamos o conteúdo cármico, todo o universo “externo” muda. Quando “somos” filhos, vemos nossos pais de um jeito, e quando “somos” pais, os vemos de maneira inteiramente nova. É uma experiência surpreendente olhar ao redor com olho livre.
Os seres que estão nos atacando são inseparáveis de nós, ou seja, os nossos olhos e corações os constroem daquela forma, e eles se tornam inimigos ou não. Pensamos “a realidade da vida é uma coisa, e se eu não for trouxa, faço isso ou aquilo”. Através da prática da meditação podemos desarticular essa prisão automática aos aspectos sutis que provocam impulsos sob os quais não temos controle e que nos conduzem a agir baseados nas seis emoções perturbadoras. Recuperando a estabilidade, como os mestres que se movem com sabedoria e liberdade em qualquer circunstância, podemos prestar benefícios aos outros seres.
O que vemos é um espelho de nós. Esse é o primeiro ponto, é toda mágica do budismo. O que pensamos que é a realidade externa, é na verdade reflexo do nosso ser cármico interno. Quando mudamos o foco, o universo muda. Optamos por um aspecto interno e esse aspecto cria a realidade ao nosso redor. Esse ponto é muito importante, principalmente nas nossas relações. Você olha um quadro, onde tem um lindo pôr-do-sol, um barquinho, o lindo céu do fim de tarde, cheio de tons suaves… Brota uma emoção na mente, apreciamos a paisagem do quadro. Mas onde, realmente, estão o barco e o pôr-do-sol tão lindo que nos comove?
Hoje há aspectos que parecem bons, e amanhã não são mais. É a impermanência. Surpreendentemente ela atua com relação ao passado, também. No passado tínhamos um futuro, hoje temos outro e no futuro será outro ainda. A impermanência toca passado, presente e futuro e nem mesmo os cientistas escapam disso. Eles olham para o universo com suas teorias, e quando elas mudam, o universo inteiro muda – mesmo seus universos são dependentes de crenças e suposições.
Mas com que olhos nós mesmos vemos as coisas? Tem dias que parece que está tudo torto. Quando vocês tiverem essa experiência, experimentem sentar um pouco e respirar profundamente uma vez, uma única vez. Tudo muda. É possível controlar, criar uma maneira positiva e agradável de nos manifestar? Sim. O Buda um dia sentou debaixo de uma árvore, e invocou Mara (o senhor das ilusões), que o atacou de várias maneiras. No entanto, as flechas de Mara, ao aproximarem-se do Buda, se transformavam em flores e perfume. O Buda desenvolveu esta habilidade de olhar com liberdade as coisas, além das marcas mentais. O que não é construído, é chamado “natureza de buda”; o que surge produzindo impulsos e nos faz ver as coisas de um jeito ou de outro, é chamado “carma”. E o carma nos leva a agir. Ou não agir. É como, por exemplo, decidir fazer ginástica às 6h da manhã e não conseguir levantar da cama… A gente decide uma coisa, mas o impulso surge por si mesmo de um lugar oculto que nem suspeitamos qual seja. E surge de novo e de novo, é rebelde… No budismo isso é a manifestação do próprio carma. Nós não temos liberdade frente ao carma, decidimos uma coisa, e, no entanto, a decisão em si não tem força.
Quando Sidarta Gautama se libertou de Mara, disse: “me libertei daqueles que foram meus senhores por incontáveis vidas – as disposições mentais e os agregados”. Ele, por incontáveis vidas, até atingir a iluminação, fez como nós fazemos hoje, olhou para suas disposições mentais e agregados e pensou “isto sou eu. Ao final tornou-se o “Buda”, que significa liberto. Quando repousamos sob o quê é estável, podemos até dançar em meio às flutuações. Não é que a vida mude propriamente, mas a maneira como olhamos é que determinará as coisas. Assim mudamos a “sorte”. Isso é o refúgio no Buda. Há liberdade em meio às coisas do mundo, em meio às confusões. É seguro como colo de mãe, ou de pai. Mas quando somos nós os pais e mães, vamos para o colo de quem? Olhamos ao redor em busca desse colo. Essa natureza é estável, existe a natureza do absoluto. O nome não importa, importa é que ela existe. Quando a nossa compreensão brota disso, isso é o Darma. A nossa compreensão não é estável porque nós trocamos de referenciais. Mas o Darma é essa sabedoria de estabilidade que brota dentro de nós a partir da percepção de que a “realidade externa ao nosso redor” é, na verdade, um espelho que reflete nossa mente cármica.
Quando enfrentamos diretamente os impulsos que nos conduzem para ações equivocadas, dizemos “quero vencê-los e me livrar disso”, mas o impulso é mais forte que a nossa decisão e nos desgastamos. Existe uma história da mitologia grega que ilustra bem isso. Havia na antigüidade um gigante sanguinário, Anteu, que queria construir, com ossos humanos, um grande templo em homenagem à sua mãe, Gea, a Terra.
Um dos trabalhos de Hércules, o herói em luta pela transcendência, era justamente derrotar Anteu. Quando se enfrentaram, as forças eram equivalentes, mas após um tempo, Hércules começou a cansar, enquanto Anteu continuava em pleno vigor. Nesse momento Palas Athena, protetora do Hércules, sussurrou-lhe que suspendesse Anteu do solo. A força de Anteu vinha da Terra, sua mãe, a materialidade; no momento em que ele perdeu o contato com sua fonte de força, o Hércules dominou-o facilmente. Analogamente, Anteu personifica as seis emoções perturbadoras; elas tem boas razões de ser no nosso contexto, surgem naturalmente e são bem aceitas. Por exemplo, fazemos um esforço egóico para obter uma certa coisa, quando obtemos, ficamos orgulhosos, é natural. Quando disputamos uma vaga com alguém, pensamos em pular na frente. Nós sempre desejamos algo, isso é ótimo. Se alguém tenta invadir nosso território, nada mais normal que uma boa raiva. Esse aspecto “terra” é o que nós faz sentir “vivos”, estamos completamente inseridos nele. Ir diretamente contra não adianta, vamos cansar como Hércules cansou. Num certo momento vamos ter que suspender Anteu, ouvir Palas Athena.
Como suspender Anteu? Como produzir o enfraquecimento das seis emoções perturbadoras?
Os ensinamentos do Buda são como remédios, após a cura não são mais necessários. São um dedo que aponta a lua: o dedo é para ser esquecido, basta a lua. É como pegar um ônibus até Porto Alegre; quando chega lá você deixa o ônibus, não vai levar para casa. Esse ensinamento é como um hospital, tão pronto você fica bom, sai de lá. É como esponja, água e sabão – quando terminamos de lavar um prato, não deixamos resíduo deles.
Há um conjunto de ensinamentos tradicionais budistas que se chama “Os Pensamentos que Transformam a Mente” cujo objetivo é justamente este: quebrar a magia poderosa que sustenta a paisagem onde as prisões, o carma, os venenos da mente são desejáveis, justificáveis, intensos e naturalmente surgidos – é suspender Anteu. Quebra-se o encanto revelando nossa verdadeira situação neste cosmos.
Em primeiro lugar, a motivação; fixamos concentradamente o objetivo de superar as nossas próprias dificuldades e ser capaz de trazer benefícios não perecíveis aos outros seres. Depois o primeiro pensamento, que é sobre o Lama. A cada geração seres estudam, ouvem, realizam e transmitem esses ensinamentos que tem uma bênção própria porque são capazes de revelar a nossa natureza luminosa e maravilhosa. Lembramos dessa ininterrupta linhagem de seres, que por compaixão, dedicam suas vidas – uma após a outra – a transmitir esses ensinamentos que permitem liberar o sofrimento. Então prestamos homenagem ao Lama.
A seguir há o pensamento sobre a preciosidade da vida humana. Existem seis reinos aonde nós podemos ter renascimento, um deles é o reino humano. Cada reino tem um âmbito de experiência específico, ainda assim podemos vivenciar em corpo humano – embora com muito menos intensidade – as experiências dos seis reinos. Por exemplo, o reino dos infernos é vivido por nós através da experiência de que todas as pessoas que nos cercam são ruins, o filho, o marido, o chefe… Para todo lado que olhamos as coisas são difíceis e só há sofrimento. Através da raiva e da aversão nos conectamos com esse reino. No reino dos seres famintos há uma experiência de carência incessante, eles têm sempre muito pouco diante do que sentem que necessitam. Nos conectamos a essa experiência através da avareza e aquisitividade. Assim como nos infernos, esses seres também não praticam. Os seres nos infernos dizem: “estou sofrendo, tudo é horrível, como eu vou praticar?” Os seres famintos dizem “eu preciso disso e disso, como posso praticar?”. Depois há o reino dos animais, eles não praticam porque tão logo eles estejam com suas necessidades satisfeitas, de barriga cheia, dormem. Assim, também não ouvem o Darma.
Entre os reinos superiores, há os deuses. Não é o reino de Deus, mas dos deuses. No reino humano isso corresponde àqueles que andam de carro importado, jatinho, não tem problemas de dinheiro, desfrutam de todas felicidades do mundo material. Os deuses têm corpos específicos sutis, se deslocam no espaço, e produzem benefícios para os seres humanos em dificuldades. O problema é que são benefícios condicionados, e não do tipo que produz liberação. Esse reino é o que os seres humanos buscam em seus sonhos, é a sua perdição… Vivemos almejando chegar lá, trabalhando para isso, ou sonhando com isso. Nos conectamos com esse reino através do orgulho.
Já os semideuses tem poder, mas são competitivos e invejosos; passam o tempo todo combatendo.
A conexão se dá através da inveja. Os deuses não praticam porque estão imersos em facilidades e felicidades, então, por quê praticar? Os semideuses, como estão sempre guerreando, também não têm tempo para praticar.
Os humanos têm maior vantagem. As nossas felicidades e sofrimentos não são tão duradouras. E quando cruzamos de uma felicidade para uma infelicidade, buscamos os ensinamentos. Isso é a vida humana comum. Ainda assim ela é muito rara. Se comparamos a nossa vida com outros seres, eles são muito mais numerosos. O corpo humano é raro e improvável. Como nós somos geridos pelo carma, o nosso renascimento é construído pela nossa condição cármica. Nós não conseguimos dirigir esse processo. É como a tartaruga cega, que a cada cem anos vêm à superfície do oceano, de águas revoltas, onde há um aro boiando. O renascimento humano é tão improvável quanto esta tartaruga, justamente no momento em que sobe à superfície, conseguir colocar sua cabeça dentro do aro que estava boiando.
A nossa condição humana hoje é favorável. Os seres humanos têm a possibilidade de praticar. Temos a liberdade de olhar nossos impulsos e perceber aspectos mais sutis. Temos tempo livre. Isso significa méritos. Já a “vida humana preciosa” tem características peculiares que transcendem em muito a vida humana típica.
Quando vivemos em épocas em que os seres de luz não se manifestam, nos sentimos perdidos e a vida parece sem sentido. Na época atual os seres de sabedoria vieram; vieram e deram ensinamentos que foram guardados e transmitidos. Esses ensinamentos chegaram até nós e estamos numa região aonde esses ensinamentos existem. Além disso, temos sensibilidade para ouvi-los. Dizem que há uma vida humana preciosa quando, além desses fatores, estamos engajados em transformar a nossa vida a partir dos ensinamentos dos seres de sabedoria. Se estivéssemos sob domínio de seres negativos, ou se tivéssemos um modo de ação incorreta, não conseguiríamos ouvir os ensinamentos. Se não estamos sob essas condições, isso completa as características da vida humana preciosa. Se a vida humana é numerosa como as estrelas no céu noturno, a vida humana preciosa é tão rara quanto estrelas que são vistas no céu diurno. A pessoa está engajada em produzir benefícios para todos os seres.
O segundo pensamento é sobre a impermanência. Todas as coisas são impermanentes. Nós estamos sempre buscando o que é estável, mas nos enganamos. Onde estão os meus amigos – inseparáveis – da escola? A gente nem sabe onde eles estão hoje. Onde está a casa da nossa infância? A nossa mãe, pai, irmãos? O primeiro namorado, que foi maravilhoso, mas sumiu. A nossa experiência é de instabilidade e transformação constantes. Diz-se no budismo que o planeta terra vai desaparecer. O que dizer então das nossas pequenezas? Estamos aqui por um curto espaço. Esse ensinamento vem para aprendermos a olhar com o olho correto à cada momento. O olho incorreto é pensar que tudo é estável. Quando entendemos a preciosidade da nossa vida, e a usamos para produzir benefícios aos outros seres, este é o sinal de que os ensinamentos produziram as transformações que buscávamos.
A seguir, o carma. Estamos sujeitos a impulsos internos com os quais não podemos lidar. Esses impulsos produzem as dez ações não-virtuosas ou as correspondentes dez ações virtuosas. As ações virtuosas vão produzir experiências favoráveis – isso também é carma, carma favorável ou positivo, mérito. São experiências de felicidade condicionada.
O carma se manifesta em quatro níveis: imediato, a curto, médio e longo prazo. Por exemplo, se desejamos que alguém morra, naquele exato instante estamos esquecidos da nossa condição búdica, luminosa, perfeita, e isso já é sofrimento. O de curto alcance, é que de novo e de novo vemos a morte de alguém como solução para nossos problemas. O de médio alcance vai se prolongar por essa vida e por outras: a pessoa não se sente digna, sente-se impura por dentro, inferior, e tem uma marca de aversão pelos outros.
Pior que pensar é planejar como fazer. Aí a perturbação se intensifica. A pessoa vai ter sentimentos mais perturbadores, pode começar a ter pesadelos. Se fez isso e executou, a experiência que é muito intensa, vai haver uma intranqüilidade muito grande. E se o ser morreu, é pior ainda. Ela vai se sentir perseguida. Por um longo tempo vai sofrer. Então temos essas quatro etapas cármicas que acompanham cada ação.
Nós temos uma multiplicidade de possibilidades tanto positivas quanto negativas. Tanto uma quanto outra são condicionadas, podem flutuar, estamos sempre pulando de um ponto para outro. Estamos presos nisso, é automático. Esses impulsos estão a nosso serviço, mas quando eles começam a andar por si, são carma.
Temos vários mecanismos condicionados, o nosso cabelo cresce, as unhas crescem, sem que a gente faça alguma coisa. E por causa do carma surge a etapa seguinte, o quarto pensamento, que é o sofrimento.
Sempre que operamos com referenciais duais, o sofrimento é inevitável. Aí surge o pensamento final que é: eu gostaria de me liberar disso, revelar minha natureza luminosa, usar de forma positiva as relações que estou vivendo, beneficiar os seres.
Em meio às confusões do mundo e tendências cármicas, toda vitória que podemos ter é como vitória no campo de futebol, frágil, impermanente. Agora mudamos, queremos descobrir a nossa natureza completa. Quando olhamos na vida, a nossa vontade de mudar é testada várias vezes, isso é prática espiritual. Aí nossa paisagem ao redor se transforma de “samsara”, lugar de sofrimento e enganos, em “terra pura”, que é onde praticamos, recebemos ensinamentos e nos sentimos protegidos pelos seres de sabedoria.
Os budas olham o que chamamos de samsara e vêem a perfeição que ali existe. Somos como formigas num palácio, não conseguimos reconhecê-lo com nossos olhos de formiga. Há, então, uma longa etapa de transformação dos nossos olhos, até que possamos reconhecê-lo. Em geral, não conseguimos perceber o valor do benefício real que estamos recebendo.
Paralelamente ao processo de transformação das tendências cármicas, o Buda ensinou a prática ininterrupta das “quatro qualidades incomensuráveis”, que são o método positivo de manifestação no cotidiano solucionando as confusões e conflitos.
A primeira é a compaixão, o desejo que os seres realizem sua natureza interna e se livrem de suas complicações. Essencialmente é o desejo que o outro supere suas dificuldades e possa melhorar. Atenção: compaixão é diferente de “pena”. Quando temos pena, estamos validando a imagem que a pessoa faz de si mesmo, e justamente por isso ela está mal. Compaixão é reconhecer no outro a sua natureza estável, perfeita, de luz, sua condição verdadeira, quebrando o encanto dos jogos que estão produzindo as complicações. A segunda é o amor, o desejo que o outro seja feliz, completamente. Não exclui ex-maridos, ex-esposas, ex-sócios… Depois a alegria, a capacidade de se alegrar com as alegrias e vitórias dos outros, pequenas ou grandes. É um poderoso antídoto contra a inveja. Finalmente a equanimidade: perceber as flutuações das alegrias e tristezas da vida; num momento se tem uma grande alegria, em outro aquilo mesmo vira uma grande tristeza. Surge uma serenidade estável frente a essas flutuações e uma fé permanente, inabalável na natureza de todos os Budas, que é a sua própria natureza.
O Buda ensinou também os meios de produzir felicidade nas relações humanas: casamento, namoro, filhos, trabalho, estudo. Em primeiro lugar, ao invés de pensar “o quê vou obter do outro”, pensar “o que posso oferecer”. Alegrar-se em oferecer! Se estamos na dependência do comportamento do outro para obter felicidade, eventualmente pode até funcionar, mas quando surgir a impermanência e o outro flutuar entramos em crise. S.S. XIV Dalai Lama, prêmio Nobel da Paz, sempre brinca “que tipo de amor é o de vocês, aquele que só existe se o outro sorrir?” Esse tipo de amor está baseado em quanto estamos recebendo e, por isso, é frágil.
Praticando assim, podemos usar a vida cotidiana como caminho espiritual, superando os conflitos internos e trazendo benefícios a todos os seres.