Prática Zen mediante a observação da própria mente

A Prática Zen da Escola Tsao Tung pode resumir-se em duas palavras: “reflexão serena” (em chinês: mo chao chan). Isso se expressa claramente no poema “Notas sobre a reflexão serena1” do famoso mestre Zen, Hung Chih, da escola Tsao Tung:

 Silenciosa e serenamente esquecemos todas as palavras

clara e nitidamente aparece Isso diante de nós.

Quando o entendemos, é vasto e sem limites

em sua essência, somos claramente conscientes;

Estranhamente refletora é esta brilhante consciência,

maravilhosa é esta pura reflexão.

O orvalho e a lua as estrelas e os arroios, a neve sobre os pinheiros,

e as nuvens que flutuam sobre os picos de montanha

eram obscuras e se tornaram claras e refulgentes,

eram sombrias e se tornaram resplandecentes.

Uma infinita maravilha habita esta serenidade;

Nesta reflexão todo esforço intencional se desvanece.

A serenidade é a palavra final (de todo ensinamento)

A reflexão é a resposta a tudo (que se manifesta).

Liberada de todo esforço, esta resposta é natural e espontânea.

A desarmonia surgirá se não houver serenidade na reflexão

e tudo se tornará inútil y secundário

se não houver serenidade na reflexão.

A Verdade da reflexão-serena é perfeita e completa.

Olha! Os cem rios fluem em torrentes tumultuosas até o grande oceano!

 1. A meditação serena (em chinês: mo chao chan) pode ser traduzida, por “meditação silenciosa ou “meditação da contemplação serena”.

Sem algumas explicações, e comentários, o significado que se da aqui a reflexão serena pode resultar um tanto enigmático a muitos leitores. A palavra chinesa mo significa “silencioso” ou “sereno”; chao significa “refletir” ou “observar”. Mo chão chan, portanto, pode traduzir-se por “reflexão serena” ou “observação sere­na”. Porém tanto a “serenidade” como a “reflexão” têm aqui acepções especiais, e devem entender-se dentro de suas conotações. O sentido de “sereno” vai muito além da mera “calma” ou “tranqüilidade”, implica a transcendência sobre as palavras e os pensamentos, designa um estado de “mais além”, de paz onipresente. O sentido de “reflexão”, mesmo assim, vai muito além do sentido corrente de “contemplação de um problema ou uma idea”. Não implica aqui atividade mental ou pensamento contemplativo, porém uma espécie de consciência clara e resplandecente, sempre ilumi­nada e pura em sua própria experiência. Para dizer com mais precisão: “sereno” é aqui a serenidade do não-pensamento (em chinês: wu nien) e a “reflexão” significa uma consciência intensa e clara. Portanto, a “reflexão serena” é a clara consciência na tranqüilidade do não-pensamento. A isto se refere o Sutra do Diamante ao dizer que “não se apóia em nenhum objeto e, no entanto, a mente aparece”. O grande problema é: como é possível colocar a mente em tal estado? Fazer isto requer instrução verbal e treinamento específico com um mestre. O “olho da sabedoria” do discípulo deve abrir-se diante de tudo, pois do contrá­rio não saberá como colocar sua mente em um estado de reflexão serena. Se alguém aprende a praticar esta meditação, já realizou algo no caminho do Zen. O não iniciado nunca soube como proceder. Esta meditação da “reflexão serena” de Tsao Tung não é, portanto, um exercício corrente de tranqüilidade. É a meditação Zen, do Prajnaparamita. Um estudo cuidadoso do poema precedente nos demonstrará que os elementos Zen transcendentais estão evidentemente, ali.

A melhor forma de aprender esta meditação consiste em ades­trar-se com um mestre Zen competente. No entanto, se não for possível encontrar um, pode-se tratar de seguir as “Dez sugestões” – as instruções essenciais da prática Zen, que o autor aprendeu depois de grandes dificuldades e longos anos de estudo do Zen. Com a esperança de que sejam valorizadas, estimadas e praticadas por alguns discípulos responsáveis no Ocidente, as cito em continuação:

As Dez Sugestões da Prática Zen são:

1.  Perceber interiormente o estado de ânimo antes de surgir um pensamento.

2.  Quando surgir um pensamento, interrompe-lo instantaneamente e voltar à atitude de atenção interior.

3.  Tratar de contemplar a mente de forma ininterrupta.

4.  Tratar de recordar esta “sensação de contemplar” durante as atividades diárias.

5.  Tratar de por-se em um estado de ânimo semelhante ao alerta.

6.  Meditar com a maior freqüência possível.

7.  Praticar com os amigos de igual orientação o exercício de correr em círculo.

(descrito no capítulo II deste livro, em “Discursos do mestre Hsu Yun”).

8.  Em meio a uma atividade tumultuosa, deter-se e con­templar interiormente a mente durante um instante.

9.  Meditar por breves instantes com os olhos abertos.

10. Ler e reler com a maior freqüência possível os Prajna­paramita Sutras (tais como o do Diamante, o do Coração, o Prajna dos Oito Mil Versos, o Mahaprajnaparamita, etc.).

Do livro: PRACTICA DEL ZEN – de CHANG CHEN-CHI

Tradução do texto:  Flávio C. Cardoso

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