Introdução por Yuho Yokoi da Universidade de Aichigakuin
Adaptado da tradução do monge Ryokyu Marcos Beltrão
[1] O Shobogenzo Zuimonki, um
trabalho de seis capítulos, é onde Koun Ejo Zenji (1198-1280) gravou o que ouviu
seu mestre Dogen Zenji (1200-1253) dizer no monastério de Kosyo-ji, no período
de Katei (1235-1237). Este trabalho foi mais tarde editado pelos discípulos de
Ejo.
Dogen Zenji escreveu 120 livros em sua vida:
- Shobogenzo — 95 volumes;
- Eihei-Koroku — 10
volumes; - Eihei-Genzenji-Shingi — 2
volumes; - Gakudo-Yojinshu — 1
volume; - Shobogenzo-Sanbya Kusoku — 3
volumes; - Hokyoki — 1 volume; e
- Shobogenzo Zuimonki — 6
volumes.
O Shobogenzo descreve sua experiência pessoal de iluminação no buddhismo Zen e é complexo demais para principiantes. Contudo, o Shobogenzo Zuimonki tem um estilo fácil de ser compreendido e apresenta histórias da prática Budista. Neste sentido eu creio que o livro é bom para principiantes e veteranos, como uma apresentação do pensamento de Mestre Dogen.
[2] Na revista Sumário Anual Filosófico 2, há um ensaio — Sobre o Shobogenzo Zuimonki, escrito pelo Professor Toshiharu Akishige. Ali ele divide os conteúdos do Shobogenzo Zuimonki em sete tópicos principais:
- Praticantes Zen não devem ficar apegados à roupa e à comida;
- Praticantes Zen não devem estudar o buddhismo para disto se aproveitarem;
- O despertar da Mente que busca do Caminho;
- Como se praticar o Caminho;
- zazen;
- Causalidade;
- Uma mente harmoniosa.
Em suas Notas sobre o Shobogenzo Zuimonki, o Dr. Dashui Okubo diz:
“Devemos estudar o buddhismo sem esperar derivar lucro disto. Entre os sete itens citados pelo Professor Toshikaru Akishige, o primeiro, segundo, terceiro e sétimo itens estão nesta categoria de liberdade de ganho.”
O âmago do buddhismo de Dogen é ir além de “ser” e “não ser”. Podemos dividir em sete itens os conteúdos deste livro:
1. Verdade Budista
De acordo com Mestre Dogen, o buddhismo está além do espaço e do tempo. Desde este ponto de vista, ele afirma: “É só um meio habilidoso de dividir o buddhismo em três períodos: o período do buddhismo correto, o do buddhismo formal e o do decadente. No tempo de Buddha nem todos os monges eram excelentes. Alguns eram de habilidade inferior.” Assim ele negava a idéia enraizada do buddhismo do
período Heian — a era do buddhismo decadente.
A verdade buddhista é universal. Assim ele comenta o kôan no qual Nan Ch’uan decepa um gato em dois, dizendo: “Nan Ch’uan matando o gato manifesta a liberdade do buddhismo e é uma palavra iluminada que nos conduz à iluminação. Ao ouvirmos esta palavra, devemos compreender que este gato é, como ele é, o Buddha.” Isto significa que a função
universal do buddhismo está além da visão dualista de “gato” e “Buddha”. Esta verdade eterna e universal do buddhismo está além de nossa discriminação dualista.
Ele disse: “Praticantes Zen não devem seguir cegamente o que os mestres disserem, mas ter uma visão crítica. A dúvida pode ser um pecado, mas também está errado não questionar o que deve ser questionado.” Isto significa que a verdade buddhista é só a verdade, não as palavras de antigos mestres sobre o assunto.
Suas palavras, “É com esta mente que nos libertamos de ‘Buddha’ e ‘não-Buddha'” — significam que o buddhismo é a natureza do Dharma absoluta, além de uma visão dualista, tal como ‘ser’ e ‘não-ser’, ‘bem’ e ‘mal’, ‘bonito’ e ‘feio’.
Esta verdade buddhista está aberta a todos, independente de habilidade ou sexo. Daí vêm as palavras “A verdadeira prática do buddhismo não requer sabedoria, talento ou muita inteligência.”
Suas palavras “Não devemos querer saber tudo — ensinamentos esotéricos e exotéricos, ou livros Budistas e não-Budistas” são um aviso contra a ideia de uma interpretação literal dos Sutras como auxílio ao Caminho. Logo, um homem que
percebe a verdade buddhista deve notar a impermanência do mundo, despertar a mente que busca o Caminho, crer profundamente no treinamento por toda a vida e fazer a ação pura — zazen, de acordo com os preceitos de Buddha.
Encorajando outros a estudarem buddhismo, ele diz: “Monges Zen devem estudar os caminhos dos buddhas e ancestrais. Seus caminhos são diferentes na Índia, na China e no Japão, mas os autênticos praticantes não planejam obter necessidades básicas vitais.” Não nos apegando a assuntos mundanos, devemos
assiduamente nos aplicar ao Caminho.
E enfatizando a importância da prática pós-iluminação, ele diz: “Mesmo que nos iluminemos, não devemos cessar nossa prática, achando que tudo atingimos. A prática do Caminho não tem fim.”
2. Despertando a Mente que busca o Caminho
O que é vital para despertar a Mente que busca o Caminho é que devemos perceber a incerteza do mundo e a importância da vida e da morte. É porque tendemos a achar que assuntos mundanos são eternos e imortais que nos apegamos a eles. Mestre Dogen diz a respeito: “Se nos aplicarmos ao Caminho absoluto e não ao mundo, forjaremos uma conexão excelente com o buddhismo, mesmo que haja oposição a isto.”
Um tal despertar para a Mente que busca o Caminho está aberta para todos nós, não importa qual seja nossa habilidade. Portanto ele diz:
“Todos somos dotados da natureza de Buddha. Logo não devemos nos humilhar”.
“Aqueles que despertaram para a Mente que busca o Caminho e se aplicam à prática
nunca deixam de se iluminar.”
De acordo com Dogen, a importância da prática do buddhismo não reside tanto na habilidade da pessoa, quanto na intensidade da Mente que busca o Caminho. Ele nos exorta à prática Budista, dizendo: “Se não conseguirmos garantir a sobrevivência do amanhã, devemos resolutamente estar dispostos a morrer de fome ou frio. Devemos em primeiro lugar ouvir o buddhismo neste momento mesmo e sermos resolutos na nossa prática.”
Mas este despertar para a Mente que busca o Caminho não nos levará jamais ao verdadeiro Caminho se não tivermos a orientação dos mestres Zen. “Ao ouvirmos as palavras de pessoas excelentes, envergonhamo-nos de nossa estreiteza e despertamos para a verdadeira Mente que busca o Caminho.” Este é um aviso contra uma ideia dogmática e auto-centrada do buddhismo.
Contudo,
despertando a Mente que busca o Caminho, não só ganharemos nossa iluminação, mas salvaremos também aos demais. “Devemos ter compaixão por todas as criaturas, e nos devotar aos preceitos de Buddha.”
3. Deixando o lar para ganhar o buddhismo
Dogen disse: “Renunciar ao mundo é ser indiferente a sentimentos mundanos.” Ou seja, deixar o lar pelo buddhismo significa que sintonizamos a mente de Buddha. “Não devemos apreender o Caminho de acordo com sentimentos ou moralidade mundanos, mas de acordo com o próprio Caminho.” Isto demonstra o abismo que existe entre o mundo e o buddhismo.
Suas palavras “Os leigos em sua maior
parte, mesmo que sinceros em suas práticas do Caminho, serão afetados enquanto estiverem apegados a dinheiro, residências ou parentes” — mostram-nos como é difícil para leigos estudarem o Caminho. É devido a seus apegos a si e a outros que relutam em deixar o lar pelo buddhismo. Por isto ele diz: “Todos procuram a iluminação, mas poucos o fazem bem.”
A melhor forma de deixar o lar pelo
buddhismo é abandonar tudo resolutamente. No verdadeiro sentido, isto é também piedade filial. Quanto a isto, Dogen diz: “De fato, pode ser muito difícil cortar os laços da afeição, mesmo num longo tempo de repetidos nascimentos e mortes, mas agora tens uma boa chance de ganhar o buddhismo com este corpo humano. Se agora renunciares à bondade e à afeição, podes ser considerado uma pessoa genuinamente agradecida.”
4. Não ego
As palavras do Mestre Dogen “Se formos praticar o Caminho dos buddhas e ancestrais, devemos seguir as ações dos velhos mestres, não buscando recompensa para isto” — significam que nossa prática livre do ganho, é uma mente não egoísta, além do apego a nós mesmos, e até ao buddhismo. Logo, devemos praticar o buddhismo apenas pelo buddhismo. Sobre isto ele diz: “Praticantes do Caminho não devem estudar para si mesmos, mas para o Caminho.” Nossa vida é incerta e transiente demais. Neste contexto ele diz: “Se renunciarmos a esta vida
transiente pelo buddhismo, mesmo que por um só dia, isto nos conduzirá à felicidade eterna.”
O mesmo vale para nossa mentalidade e discriminação. Ele diz: “Praticantes Zen devem estar livres do apego a coisas mundanas e estudar aplicadamente o buddhismo.”
De acordo com Dogen, tanto a arrogância quanto a humildade em demasia são apegos ao ego. Portanto ele diz:
“Estudem apenas o buddhismo, não seguindo sentimentos mundanos.”
5. Pobreza honesta
Os verdadeiros seguidores Budistas estão sempre satisfeitos com a pobreza honesta. Logo, ele diz: “Praticantes Zen devem estudar o Caminho na pobreza.” Ou: “Quando tivermos muito dinheiro, perderemos nosso desejo pelo Caminho.”
Realmente, as riquezas e as honrarias são uma fonte de luxo e um grande obstáculo à prática do Caminho. Portanto Dogen nos diz que seguidores Budistas não devem se preocupar com comida e roupa, seguindo apenas os preceitos de Buddha.
Seguidores Budistas devem ter uma vida pura. Eles estão terminantemente proibidos de ganhar a vida com comida obtida através de uma forma de vida desonesta. Sobre isto ele diz: “Um pano tingido de azul parece azul e um tingido de amarelo parece amarelo, assim nosso corpo e mente sustentados por esta vida errada devem estar errados. Procurar o buddhismo com um tal corpo e uma tal mente errados é tão inútil quanto espremer areia querendo obter óleo.”
Ele diz: “Mesmo que o monastério estiver aos pedaços, será melhor praticar ali do que viver debaixo do céu, ou de uma árvore. Se uma parte do teto cair, devemos fazer zazen em uma outra parte.”
O zazen esforçado na pobreza honesta é o principal caminho para a iluminação.
6. Zazen
As palavras de Mestre Dogen — “Praticantes Budistas devem fazer zazen com todas as suas forças, sem se ocupar com nada mais. O Caminho único dos buddhas e ancestrais é o zazen. Nunca pratique nada além disto.” — mostram-nos que o zazen é a ação de Buddha e o portão correto do buddhismo.
O zazen não somente é a ação absoluta livre de ganhos, mas também a prática física do Caminho. Daí vêm as palavras de Mestre Dogen: “Assim, é através de nosso corpo decididamente que chegamos à iluminação.”
Mestre Dogen também diz: “Finalmente, é inútil tentar conduzir outras pessoas e a mim mesmo meramente através do estudo intelectual de kôans e biografias de mestres.” Ou: “É verdade, podes ter um apanhado conceptual e intelectual de uma passagem do kôan, mas é por isto que estás longe do Caminho dos buddhas e ancestrais. Faze apenas o zazen ereto, dia e noite, livre da expectativa de obter a iluminação através disto, e imediatamente te identificarás com o Caminho dos buddhas e ancestrais.”
Devemos compreender que a ação concreta do zazen compreende os kôans. Ele diz: “O zazen inclui todo tipo de mérito e mandamentos.” Mostra que não há diferença entre os mandamentos e o zazen.
Como foi mencionado acima, o zazen está aberto a todos, não importa qual seja a habilidade da pessoa. Daí vêm suas palavras: “Mesmo um homem que seja estúpido demais até para responder a uma só pergunta estará acima de um homem brilhante, se for esforçado na prática do zazen. Logo, praticantes Budistas devem se dedicar a esta prática única — zazen, renunciando a todas as demais coisas.”
7. Salvação de todas as criaturas
Mestre Dogen explica isto assim: “Ao pensar em todas as criaturas, não se deve diferenciar entre ‘familiar’ e ‘estranho’, mas ter a atitude de ajudar a todos igualmente, livre de seu próprio interesse, seja deste mundo ou fora dele; e se deve também fazer o bem devotadamente aos outros, sem se importar que notem ou apreciem, tentando manter mesmo esta sua bondade oculta deles.”
Ele
cita Mestre Eisai: “Será muito benéfico a vocês monges que eu ajude a uma pessoa que ora necessita destes materiais, aos quais vocês relutavam em abandonar.”
Assim Mestre Dogen enfatiza a importância da prática
altruísta do Caminho.
Extraído do site www.dharmanet.com.br