Certo dia a floresta pegou fogo. Labaredas gigantescas devoravam arvores, penetravam grutas, desesperando todos os seres. Animaizinhos pequenos e mesmos os grandes, esquecendo-se das diferenças entre predador e presa, todos com os corações disparados, corriam, corriam. E as arvores? E os arbustos? Sem poder correr, agitando seus galhos ao vento que os queimava e os tornavam combustível vivo para a fome insaciável das chamas.
Um pequeno pássaro, apenas um pequeno pássaro, não fugiu. Molhando-se nas águas do rio voava em direção as chamas e deixava cair sobre elas algumas gotas de água. Voava das chamas para o rio, do rio para as chamas. Como se aquelas gotinhas pequenas, mínimas, quase imperceptíveis pudessem apagar o fogo gigantesco. Pássaros maiores, que fugiam em bando, gritaram para ele:
– Não seja tolo. Afaste-se do fogo. Irá devorá-lo. Desista. Venha conosco.
Mas ele não desistiu. Continuou voando entre a água e o fogo, entre o fogo e água. Cansado, chamuscado, enfraquecido, estava quase a desmaiar de exaustão quando uma grande chuva caiu e o fogo apagou.
O passarinho era uma manifestação do bodhisatva da compaixão, Avalokitesvara (Sânscrito) ou Kanzeon – Kannon (Japonês). E porque fez o bem, o Bem se manifestou em todas as coisas, beneficiando a todos.
Segundo os Sutras budistas, Avalokitesvara pode se manifestar em tantos seres quanto grãos de areia. Quando somos capazes de não odiar, não querer retaliações ou vinganças, não querer o mal mesmo para aqueles que nos fazem mal, quando somos capazes de apenas querer o bem, o bem de todos os seres, dizemos que Kannon Bodhisatva esta se manifestando em nos.
A guerra não esta apenas no Afeganistão e no terror espalhado pelo mundo e culminado pela tragédia de 11 de setembro. A guerra esta em nos. Cada um de nos e responsável pela violência do mundo ou pela Paz do mundo. Temos de fazer a escolha. Eu rogo aos Budas e Bodisatvas através do espaço e do tempo que possamos juntos criar um campo de prece positivo a fim de que aqueles que ainda procuram soluções de violência possam encontrar na não violência ativa a forma de modificar as injustiças sociais.
Sobre a guerra eu falo a Paz. Temos de nos tornar a Paz que queremos no mundo. Não se luta pela Paz. Tornamo-nos Paz em palavras, gestos, ações, pensamentos, levando em consideração a justiça social, o respeito pela diversidade, a inclusão e o bem de todos os seres.
O Budismo que eu pratico ensina que não há inimigos. Nem pessoas nem grupos nem países nem idéias nem crenças nem conceitos podem ser considerados inimigos. O que perturba o ser humano são os três venenos – ganância, raiva e ignorância. Seu antídoto supremo e a Sabedoria Iluminada, a compreensão profunda da interdependência de todo o processo vida, da lei da causalidade e da transitoriedade e a capacidade de direcionar a transformação não para o bem de um pequeno grupo ou para o próprio bem, mas como o pássaro da estória acima, para o bem de todos – para que encontrem o verdadeiro Caminho abrindo o coração de grande e infinita compaixão.
– Acredito na Paz. Acredito na não violência ativa.
Acredito em jamais responder a violência com violência. Acredito na possibilidade de encontrarmos meios de transformação através da compreensão mutua, do carinho, do respeito, do cuidar e do curar a Terra.
- Extraído do site www.monjacoen.com.br