INTRODUÇÃO AO BUDISMO
Há quem pense que o budismo é uma religião oriental, um produto do Oriente, ou de um conjunto de culturas orientais. Quando se associa budismo com Tibet ou tibetanos, pensa-se que o budismo é tibetano. O budismo não é uma crença ou tradição numa cultura, ou seja, não é nem especificamente oriental nem especificamente tibetano. O budismo é mais do que crença associada a uma cultura. O fundamento do budismo é a compreensão da natureza básica das coisas e dos fenômenos. Assim, os ensinamentos budistas tratam da natureza das coisas e da premissa de que cada indivíduo, sem exceção, tem potencial para experienciar a sanidade total inerente a todos os seres. Assim, o budismo não é apenas uma crença levada a sério por certas pessoas ou grupos, mas um acúmulo de conhecimentos e experiências da natureza e do potencial dos seres.
Os ensinamentos budistas adaptam-se a todos os contextos culturais, por tratarem simplesmente da natureza fundamental da experiência, e assim, filosoficamente, o budismo está além de qualquer forma condicionada. Pode-se também dizer, a verdade absoluta ou suprema está além da forma condicionada.
Toda forma condicionada está sujeita a mudanças, e o que está sujeito a mudanças não contém verdade absoluta. Não pode haver duas verdades absolutas, ou, então, não são absolutas. Mas a visão filosófica precisa ser realizada para que se possa experienciar a verdade absoluta. Quando falamos de experienciar, não é especulação ou conjectura, mas sim uma postura intelectual em que se determina que “deve ser assim”. Contudo, a experiência fala por si. Quando procuramos integrar a perspectiva filosófica às práticas específicas do cotidiano, e com os nossos propósitos íntimos, no contexto da nossa realidade relativa, associa-se a forma. E, como na prática de toda forma, a tradição budista pode parecer uma religião ou uma crença.
Cada um de nós, no entanto, deseja ardentemente se libertar do sofrimento e da dor. Assim, ao nos dedicarmos a qualquer atividade queremos avançar, libertando-nos cada vez mais do sofrimento. E, enquanto continuamos na busca, é muito raro sermos bem sucedidos ou nos contentarmos com o que alcançamos. As vezes nos sentimos bem, mas por trás da satisfação pessoal há uma sutil insatisfação. Quanto mais sucesso encontramos, maior a insatisfação, menor a moderação. Por causa de certos hábitos da nossa mente não somos capazes de estabelecer limites, e dessas insatisfações nos vem mais sofrimento. Isto não é uma força de expressão, mas vem da experiência e nossas vidas o comprovam”.
(Os fundamentos do budismo – Jamgon Konftrul Rinpoche III)
Perguntemos ao mestre Zen Eihei Dogên o que é estudar o budismo e ele nos dirá:
Estudar o budismo é estudar a si mesmo;
Estudar a si mesmo é esquecer a si mesmo;
Esquecer a si mesmo é estar identificado com todas as coisas.
Estar identificado com todas as coisas é tornar-se a própria VERDADE.
O propósito do estudo do budismo não é estudar budismo, mas estudar a nós mesmos. É impossível estudar a nós mesmos sem algum ensinamento. Para saber o que é a água, você precisa da ciência, e o cientista, de um laboratório. No laboratório há vários meios de estudar o que é a água. Assim torna-se possível saber os elementos que ela contém, quais as diferentes formas que assume e qual a sua natureza. Contudo, é impossível saber por esse meio o que é a água em si. Acontece o mesmo conosco. Precisamos de algumas instruções, mas só pelo estudo do que foi ensinado não é possível saber o que “eu” sou em mim mesmo. Através do ensino podemos compreender nossa natureza humana. Porém, os ensinamentos não são nós mesmos: são uma explicação sobre nós. Portanto, se você se apegar ao ensinamento ou ao mestre, cairá em um grande erro.
(Mente Zen, mente de principiante de Shunryu Suzuki)
Por isso Budha aconselhava um exame crítico e experimental dos seus ensinamentos antes de aceita-los por reverência a ele.
Assim pregava:
“Exatamente como as pessoas verificam a pureza do ouro queimando-o no fogo ou, cortando-o e o examinando numa pedra de toque, da mesma forma, ó monges, deveis aceitar minhas palavras depois de submetê-las a um exame crítico e não por reverencia a mim”.
Isso sugere que existem duas formas principais de abordar os ensinamentos budistas, de acordo com a capacidade do praticante: a forma inteligente e a forma menos inteligente. A forma inteligente consiste em abordar os textos sagrados e os comentários com ceticismo e com a mente aberta, além de submeter o conteúdo desses ensinamentos a um exame, por meio da comparação com nossa própria experiência e compreensão. Então, à medida que vai crescendo nossa compreensão, também crescerá nossa convicção no conteúdo dos textos, assim como nossa admiração pelos ensinamentos do Buda como um todo. Uma pessoa com essa visão não seguirá um ensinamento ou um texto sagrado simplesmente por ser ele atribuído a um mestre famoso ou a alguém digno de respeito; mas a validade do conteúdo do texto será julgada com base na própria compreensão dessa pessoa, derivada de análise e investigação pessoal.
O princípio budista das Quatro Confianças aplica-se a essa abordagem inteligente. Elas se expressam como se segue:
Confie na mensagem do mestre, não na pessoa do mestre;
Confie no significado, não apenas nas palavras;
Confie no significado definitivo; não no provisório;
Confie na sua mente de sabedoria, não na sua mente normal.
Em outras palavras, não deveríamos confiar na fama, no status nem em nenhum outro atributo do mestre, mas, sim, no que ele diz. Não deveríamos confiar nas palavras em si, mas no seu significado. Não deveríamos confiar no significado provisório, mas no significado definitivo; e, finalmente, não deveríamos confiar na mera compreensão intelectual do significado, mas, sim, na profunda experiência e conscientização. Essa é a forma inteligente de enfocar os ensinamentos budistas.
Portanto, à medida que vocês se aproximam da próxima parte destes ensinamentos, sugiro que procurem reter a atitude de ceticismo aberto de que acabei de falar.
(Transformando a mente – Dalai Lama)