Não julgar
Existe a seguinte passagem no Dhammapada, verso 50: “Que ninguém encontre defeitos nos outros. Que ninguém enxergue as omissões e as fraquezas alheias. Mas que cada um veja seus próprios atos, feitos ou não”. Esse é um aspecto central de nossa prática. Embora a prática possa nos tornar mais cônscios de nossa tendência a julgar os outros, na vida comum ainda agimos assim. Por sermos humanos, julgamo-nos uns aos outros. Alguém faz algo que nos parece grosseiro, indelicado ou insensato, e não podemos deixar de reparar nisso. Muitas vezes por dia vemos pessoas fazendo coisas que parecem, de alguma maneira, defeituosas.
Não é que todos ajam o tempo todo da maneira apropriada. As pessoas em geral apenas fazem aquilo que não queremos. Quando fazem o que fazem, no entanto, não é necessário que as julguemos. Não sou imune a isso; percebo-me julgando os outros também. Todos fazemos isso. Por isso recomendo uma prática para nos ajudar a nos flagrar no ato de julgar: sempre que pronunciarmos o nome da outra pessoa devemos observar o que acrescentamos a esse nome. O que dizemos ou pensamos acerca da pessoa? Que espécie de rótulo usamos? Inserimos a pessoa em alguma categoria? Ninguém deveria ser reduzido a um rótulo e, no entanto, em razão de nossas preferências e aversões, fazemo-lo assim mesmo.
Suspeito que se você entrar nessa prática descobrirá que não consegue passar cinco minutos sem julgar. É surpreendente. Queremos que o comportamento da outra pessoa seja apenas aquilo que queremos – e quando não é, nós a julgamos. Nossa vida em vigília é repleta desses julgamentos.
Poucos de nós agredimos fisicamente os outros. O meio mais comum de agredir é com a nossa boca. Como alguém disse: “Existem dois momentos em que se deve manter a boca fechada – nadando e quando você está zangado”. Quando julgamos que os outros estão errados, acabamos estando com a razão – e gostamos disso.
Como diz a passagem, deveríamos atentar para o nosso próprio comportamento em vez de julgar. “Mas que cada um veja seus próprios atos, feitos ou não.” Em vez de olhar à volta constantemente e julgar todo mundo, vejamos as nossas próprias condutas: o que fizemos e o que não fizemos. Não precisamos nos julgar, mas basta observar o ato. Se começamos a nos julgar, estipulamos um ideal, um certo modo que pensamos deva ser o nosso. Isso também não ajuda. Precisamos enxergar nossos verdadeiros pensamentos, tomar consciência do que é de fato verdadeiro para nós. Se fizermos isso, iremos notar que, sempre que julgamos, nosso corpo se tensiona. Por trás do julgamento está um pensamento autocentrado que produz tensão no corpo. Com o tempo, essa tensão torna-se-nos prejudicial e, indiretamente, prejudica os outros. A tensão não é a única capaz de causar danos; os julgamentos que expressamos a respeito dos outros (e de nós também) causa igualmente seus danos.
Toda vez que dissermos o nome da pessoa é útil notar se afirmamos mais do que um fato. Por exemplo, o julgamento “ela é desatenta” vai além dos fatos. Os fatos são que ela fez o que fez – por exemplo, disse que ia me telefonar e não telefonou. Dizer que ela é desatenta é meu julgamento pessoal negativo, acrescido ao fato. Iremos reparar que ficamos incessantemente fazendo essa espécie de julgamento. A prática significa tomar consciência dos momentos em que agimos assim. É importante não negligenciar grandes áreas de nossa vida e boa parte dela implica falar.