Um dia, o grande governador Lu Kêng encontrava-se conversando com Nan Ch’üan, quando Lu fez a seguinte observação: “Seng Chao disse um dia: ‘O céu e a terra (quer dizer, o universo inteiro) têm a mesma raiz que minha própria mente e todas as coisas são uma só comigo’, para mim, isto é muito difícil de compreender”. Então, apontando uma flor com o dedo, Nan Ch’üan declarou: “As pessoas comuns vêm esta flor como se estivessem imersas no meio de um sonho”.
No contexto pode-se compreender a intenção de Nan Ch’üan. É o mesmo que houvesse dito: “Observa esta flor aberta no pátio. Pelo fato mesmo de sua existência, está atestado que todas as coisas formam uma só coisa com o ser que nós somos na Unidade Fundamental da Realidade Última”. A verdade está aí em toda a sua pureza, plenamente aparente. Desvela-se, a cada momento através de cada coisa particular, de modo claro e sem equívocos. Porém as pessoas comuns não possuem o olho em condições de ver a realidade desnuda. Todas as coisas são observadas como através de véus.
Como as pessoas comuns vêm tudo através dos véus do seu próprio ego relativo e determinado, tudo quanto vêem é percebido como em um sonho. Porém elas mesmas estão convencidas de que a flor, tal como efetivamente a contemplam enquanto “objeto” no mundo exterior, é a realidade. Para estar em condições de afirmar que tal visão da flor está absolutamente afastada da realidade até o ponto de ser quase um sonho, temos que transformar em outro o eu empírico. Somente então se poderá dizer, com o monge Chao, que o sujeito e o objeto se confundem de um modo infinitamente sutil e delicado em um só e, finalmente, se incorporam no fundo original do Vazio. […]
Extraído do livro: EL KÔAN ZEN de Toshihiko Izutsu
Tradução do texto: Flávio Capllonch Cardoso