Canções de Milarepa

 Canção das Sete Verdades

Prostro-me a você, Marpa o tradutor;

Rogo para que aumente em mim a bodhichitta.

Seja qual for a beleza de uma canção,
Ela será apenas um som
Para aqueles que não captam a verdade.

Se uma parábola não estiver de acordo com o ensinamento de Buda,
Não importa quanta eloqüência possa ter;
Ela não passará de um simples eco.

Se não se pratica o Dharma,
Mesmo que se proclame como um erudito na doutrina,
Será apenas um auto-renegado.

Viver em solidão é aprisionar a si mesmo
Se não se praticar a instrução da transmissão oral.
Trabalhar no campo não é a sina de um castigo
Se não se descuidar do ensinamento de Buda.

Para aqueles que não guardam sua ética,
As orações são apenas desejos.
Para aqueles que não praticam o que falam,
A oratória é apenas uma mentira traiçoeira.

Evitar as más ações diminui as próprias negatividades;
Fazer boas ações é acumular méritos.
Permaneçam na solidão e meditem sós.
Falar muito não é de proveito algum.

Sigam meu cântico e pratiquem o Dharma!

Canto da Certeza Perfeita

Prostro-me a Marpa, o perfeito.

Sou o yogue que percebe a verdade última.
Na origem do não-nascido, obtive a certeza pela primeira vez;
No caminho da não-extinção, lentamente aperfeiçoei o meu poder;
Com símbolos e palavras cheias de significado,
Fluindo de minha grande compaixão,
Entôo agora este canto
Do reino absoluto da essência do Dharma.

Devido ao karma maligno que criaram,
À densa cegueira e à obstrução impenetrável,
Vocês não podem compreender o significado da verdade última.
Portanto, escutem a verdade conveniente.

Nos antigos e imaculados sutras,
Todos os Budas do passado têm repetidamente
Nos advertido sobre a verdade eterna do karma.
Cada ser senciente é seu próprio paciente;
Esta é uma verdade eterna que nunca falha.
Escutem atentamente o ensinamento da compaixão.

Eu, o yogi, evoluo através de minhas práticas;
Sei que os obstáculos externos
São apenas sombras chinesas
E que o mundo fantasmagórico
É um jogo mágico da mente não-criada.

Ao olhar para dentro da mente,
Vê-se a sua natureza, sem substância, intrinsecamente vazia.
Através da meditação em solidão,
Obtém-se a graça da sucessão dos mestres
E o ensinamento do grande Naropa.
A verdade interior do Buda deve ser o objetivo da meditação.

Pela instrução misericordiosa de meu grande mestre,
Compreendi o abstrato significado interior do tantra.
Através das práticas do yoga da geração e perfeição,
Engendra-se o poder vital e realiza-se a razão interior do microcosmo.
Por isso, não tenho mais os obstáculos ilusórios do mundo exterior.
Pertenço à grande linhagem divina,
Junto de imensuráveis yogues, tão vastos como o espaço.

Se, em sua própria mente, você refletir
Sobre o estado original da mente,
Os pensamentos ilusórios se dissolverão por si mesmos
No reino do dharmadhatu.
Não haverá quem cause aflição, nem quem se aflija.
Um estudo exaustivo dos sutras
Não poderá nos ensinar mais do que isto.

Canção da Não-dualidade

Prostro-me aos pés do mestre Marpa.

O presente das bênçãos é concedido pelas dakinis;
O néctar do samaya é o ensinamento abundante;
Os órgãos dos sentidos são alimentados pela devoção fervorosa;
Assim se armazenam os méritos de meus discípulos.

A mente imediata não tem substância;
É vazia, menor que o menor dos átomos.
Quando se eliminam o observador e o observado,
A visão é verdadeiramente realizada.

Quanto à prática, na corrente da iluminação
Não pode haver qualquer estado.
A perseverança se confirma na prática
Quando é anulada a dualidade ator-ação.

No reino da iluminação, onde sujeito e objeto são um,
Não se vê causa, pois tudo é vazio.
Quando a ação e o ator desaparecem,
Todo ato torna-se correto.

Os pensamentos finitos se dissolvem no dharmadhatu;
Os oito ventos mundanos não trazem esperança nem medo.
Quando desaparece o preceito e aquele que o guarda,
As disciplinas são melhor observadas.

Ao compreender, através de um voto sincero e altruísta,
Que a própria mente é o dharmakaya,
O ator e o ato desaparecem.
Então, triunfa o Dharma glorioso.

Este é o canto alegre que um ancião entoa
Em resposta à pergunta de um discípulo.
A neve, que caiu, demarcou minha casa, meditação;
As deusas me deram alimento e sustento;
A água da montanha foi o gole mais puro;
Tudo se efetuou sem esforço;
Não há necessidade de semear quando não se requer alimento.

Meu celeiro está cheio, sem preparação ou provisões prévias;
Todas as coisas são vistas ao observar minha própria mente;
Sentando-se no lugar mais baixo, alcança-se o trono real.
A perfeição é obtida através da graça do mestre;
A dívida é paga através da prática do Dharma.
Seguidores e benfeitores aqui reunidos,
Dêem seus serviços com fé, sejam todos felizes e alegres.

Canto dos Tolos

Prostro-me aos pés de Marpa o tradutor,
E para vocês, meus fervorosos bem-feitores, eu canto.

Como é estúpido pecar, audaciosa ou imprudentemente,
Enquanto o Dharma puro se espalha ao seu redor!

Como é tolo gastar, sem sentido, o tempo de sua vida,
Sendo que obter o valioso corpo humano é um dom tão raro!

Como é ridículo apegar-se a uma cidade-prisão
E ali permanecer!

Como é cômico pelejar e brigar com esposas e parentes,
Que são apenas visitantes passageiros!

Como é vão estimar palavras doces e ternas,
Que são apenas ecos vazios em um sono!

Como é fátuo gastar mal a vida,
Brigando com inimigos, que são como flores delicadas!

Como é tolo atormentar-se pensando, até a agonia,
Na família, que nos ata à mansão da ilusão!

Como é estúpido restringir-se à tarefa do dinheiro e da propriedade,
Que é a dívida contraída pelo empréstimo que os outros nos fazem!

Como é ridículo embelezar e adornar o corpo,
Que é um vaso cheio de imundície!

Como é fátuo excitar cada nervo com riqueza e bens
E descuidar do néctar do ensinamento interior!

Entre uma multidão de tolos, aquele que é inteligente e sensível
Praticará o Dharma como eu faço.

Canção dos Pontos Chave

Ó meu mestre, exemplo de visão, prática e meditação,
Rogo para que me conceda sua graça e me dê a capacidade
De estar absorvido no reino da própria natureza.
Para a visão, a prática e a ação, há três pontos chave a se conhecer.

Toda manifestação, até mesmo o universo, está contida na mente;
A natureza da mente é o reino da iluminação,
Que não pode ser concebido nem tocado.
Estes são os pontos chave da visão.

Os pensamentos errantes se liberam no dharmakaya;
A consciência, que é a iluminação, sempre está em êxtase;
Meditem de modo que não haja esforço nem ação.
Estes são pontos chave da prática.

Na ação natural, crescem espontaneamente as dez virtudes
E se purificam os dez vícios.
O vazio iluminador não se perturba com correções nem remédios.
Estes são os pontos chave da ação.

Não há qualquer nirvana a se obter,
Não há qualquer samsara a se renunciar;
Na verdade, conhecer a própria mente é ser o Buddha.
Estes são os pontos chave do atingimento ou realização.

Interiormente, reduzam os três pontos chave a um.
Este “um” é a natureza vazia do ser,
Que só um grande mestre
Poderá ilustrar claramente.

Muita atividade de nada serve;
Se alguém vir a sabedoria
Que nasce simultaneamente,
Terá alcançado a meta.

Para todos os praticantes de Dharma,
Esta prática é como uma jóia,
É a minha experiência direta da meditação yógica.
Reflitam com atenção e a guardem na memória, ó filhos e discípulos.

Canção aos Doze Significados da Mente

Prostro-me aos pés do meu mestre.

Ó bondosos protetores,
Se vocês quiserem realizar a essência da mente,
Devem praticar os seguintes ensinamentos:

A fé, o conhecimento e a disciplina
Constituem a árvore da vida da mente.
Esta é a árvore que devem plantar e cultivar.

O desapego, o desligamento e a visão clara
São os três escudos da mente;
São luzes a serem levadas, fortalezas na defesa,
Recibos que devem buscar.

A meditação, a diligência e a perseverança
São os três cavalos da mente,
Que correm rápido e voam velozes!
Se buscarem cavalos, estes são os bons.

A autoconsciência, a auto-iluminação e o êxtase são os frutos da mente;
Plantem a semente, amadureçam o fruto,
Refinem o suco e emanará a essência.
Se desejarem frutos, estes são os que devem buscar.

Esta canção dos doze significados da mente
Surge da intuição yóguica.
Continuem sua prática, inspirados pela fé,
Ó meus bons protetores!

Canção da Realização do Vazio

Escute-me, homem afortunado!
Por acaso, esta vida não é incerta e ilusória?
Por acaso, seus prazeres e alegrias não são como miragens?
Por acaso, há alguma paz neste samsara?
Por acaso, a sua falsa felicidade não é irreal como um sonho?
Por acaso, o elogio e a reprovação não são tão vazios quanto um eco?
Por acaso, a mente e o Buda não são idênticos?
E o Buda, não é o mesmo que o dharmakaya?
E o dharmakaya, não é idêntico à verdade?

Os iluminados sabem que todas as coisas são da mente;
Portanto, deve-se observar a mente, dia e noite.
Se a observar, ainda sim nada verá.
Então, fixe sua mente nesse estado, que transcende toda visão.

Não há qualquer entidade própria na mente de Milarepa.
Eu, eu mesmo, sou o Mahamudra,
Porque não há diferença alguma entre a meditação estática e a ativa;
Não tenho necessidade de estados diferentes no caminho.
De qualquer modo que se manifestem, sua essência é o vazio.
Não há atenção nem desatenção em minha contemplação.

Experimente a realização do vazio;
Comparado com outros ensinamentos, este é o melhor.
A prática yóguica dos canais, ventos e gotas,
Os ensinamentos do karma-mudra e do mantra-yoga,
As práticas de visualização do Buda e das quatro posições puras
São apenas os primeiros passos do Mahayana.
Praticá-los não erradica o desejo nem o ódio.

Guarde firmemente este canto em sua mente;
Todas as coisas são da própria mente, que é vazia.
Quem nunca se separa da experiência e da realização do vazio
Realiza, sem esforço, toda a prática de veneração e disciplina.
É nisto que se baseia todo mérito e todo prodígio.

Canção da Essência da Mente

A manifestação não é algo que chega a ser;
Se alguém vir algo acontecer, é mero apego.
A natureza do samsara é a ausência de substância;
Se alguém vir alguma substância, é mera ilusão.

A natureza da mente é dois-em-um;
Se alguém discriminar ou vir opostos,
É devido ao próprio apego e afeto.

O mestre qualificado é o detentor da linhagem;
É loucura criar o nosso próprio mestre.

A essência da mente é como o céu;
Às vezes está encoberta pelas nuvens dos pensamentos que fluem;
Então, sopra o vento de ensinamentos do mestre interior
E se movem as nuvens flutuantes.
Sem apreensão, o fluir dos pensamentos é, em si mesmo, a iluminação.
A experiência é tão natural quanto a luz do sol e da lua,
Apesar de estar além do espaço e do tempo.

Está além de toda palavra e descrição
E a certeza cresce em nosso coração
Como o brilho de muitas estrelas;
Quando ela assim resplandece, surge o êxtase magnífico.

A natureza do dharmakaya está além do jogo das palavras,
Está livre da ação dos “seis grupos”;
É transcendente, sem esforço, natural.
Além do que pode captar o próprio “eu” ou o “não-eu”,
Residente eterna dessa morada, é a sabedoria do desapego.
Como é assombroso o trikaya!

“Ao longo de minhas muitas vidas e até este momento,
todos as virtudes que tenha alcançado,
inclusive os méritos gerados por esta prática,
e todas as que vier a conseguir,
ofereço para o bem-estar dos seres sencientes.

Possam a doença, guerra, fome e sofrimento
diminuir para todos os seres,
enquanto sua sabedoria e compaixão aumentam nesta e em vidas futuras.

Possa eu claramente perceber todas as experiências
como sendo tão insubstanciais quanto o tecido do sonho durante a noite,
e imediatamente despertar para perceber
a manifestação de sabedoria pura no surgir de cada fenômeno.
Possa eu rapidamente alcançar a iluminação
para trabalhar sem cessar pela liberação de todos os seres.”

O M A H H U M B E N Z A G U R U
P E M A S I D D H I H U N G