de Namkhaï Norbu Rinpoche e Arnaud Pozin
Traduzido para o português por
Karma Tenpa Dhargye
A sabedoria contida em poucas palavras, pode ser mesmo ainda menor, pois que é dito, no Ensinamento Dzogchen, que ela é inteiramente concentrada nas Seis Liberações que são, de fato, Seis silabas:
Á A HA SHA SA MA.
Estas contêm a natureza deste Ensinamento, que pode se reduzir à sua mais simples expressão como se estender por todo um leque de práticas se julgarmos necessário, segundo as circunstâncias.
O Dzogchen enquanto tal, temos muito freqüentemente a tendência de esquecer, é um Ensinamento que se desenvolveu ao longo das linhagens do chamanismo Bön1 e do Budismo Tibetano que o considera como o nono Yana, quer dizer a mais alta via. Não podemos, portanto considerar que ele é tipicamente tibetano, pois que provém da região de Oddyana, nem especialmente chamânico, pois que está presente no budismo, atravessou a Índia e chegou ao Tibet graças particularmente a Vimalamitra, o tradutor, e Padmasambhava, o Mestre querido dos tibetanos. O encontramos mesmo até na China, com Shri Simha. Ele foi de fato transmitido de maneira ininterrupta através de diversas Linhagens de Visionários. Não podemos mesmo dizer que se trata de um ensinamento de origem humana, pois que a tradição relata que sobre os oitenta e quatro milhões de Tantras do Dzogchen simultaneamente transmitidos em treze dimensões diferentes, somente seis milhões e quatrocentos mil penetraram na dimensão humana. E não se trata aqui senão de uma alusão à Transmissão Oral/Escrita, que não leva em consideração as Transmissões Simbólicas e Diretas.
O Dzogchen, A Grande Perfeição ou Grande Plenitude, como é chamada pelos tibetanos, é, pois um Ensinamento atípico e multicompativel, tendo por origem o Budha Primordial, Samantabhadra, que o transmitiu a Vajrasattva, que por sua vez o transmitiu a Garab Dorje, primeiro mestre humano desta linhagem, seis séculos antes de J.Cristo.
A CHAVE DAS SEIS LIBERAÇÕES
Os seis milhões e quatrocentos mil Tantras introduzidos na dimensão humana estão inteiramente condensados no Canto Vajra2 – prática fundamental da contemplação – que se condensa por sua vez nas Seis Silabas, que resumem, pois a essência do Dzogchen e permitem integrar todas as situações da vida e da morte à contemplação.
Na sua forma fundamental, chamamos os Seis Espaços ou as Seis Esferas de Samantabhadra, ou ainda os Seis Modos em que o Vazio se Manifesta Espontaneamente. De um ponto de vista relativo, nós as chamamos indiferentemente as Seis Liberações ou as Seis Silabas.
As Seis Liberações se condensam por sua vez nos Três Vajras OM A HUM (corpo, palavra e mente) que se unificam na prática quintessencial do A branco.
Como nos lembra Namkhai Norbu Rinpoche nos ensinamentos do capítulo I, as Seis Silabas estão não somente em relação com a Liberação dos Seis Lokas, as Seis Dimensões da Existência, mais também com a liberação das Seis Emoções perturbadoras predominantes entre os seres. Elas estão igualmente conectadas aos Seis Sentidos – incluindo a mente -, razão pela qual é dito que não importa qual seja o contato sensorial com elas, quer as vejamos, as toquemos, as ouçamos, degustamos ou sentimos as substâncias sobre as quais elas tem sido repetidas, ou simplesmente que pensemos nelas – basta para semear as sementes do despertar no continuum mental dos seres que entram em contato com elas.
Há aí um ponto fundamental com relação à visão geral que foi desenvolvida no ocidente e no oriente durante séculos e segundo a qual o sistema sensorial é concebido seja como “pecado” seja como gerador de ilusão. No Dzogchen, ao contrário, os Seis Sentidos são integrados à contemplação e preenchem assim sua função autêntica de Vias do Conhecimento.
Um outro aspecto incomum desse estado de fato é a imediaticidade, por exemplo, desde que vejamos as Seis Silabas uma primeira conexão se estabelece por ela mesma entre nós e a essência deste Ensinamento. Isto não significa, bem entendido, que realizamos todo entendimento de um só golpe de vista, mas que um acesso se abre e se oferece, sem que sejam requeridas preliminares de longas macerações.
Trata-se de uma dimensão bem mais que anedótica, porque ela remonta de fato ao testamento de Garab Dorje – primeiro Mestre humano da Linhagem Dzogchen, que Namkhai Norbu Rinpoche transmite ainda hoje em sua forma original:
1. Introdução Direta.
2. O discípulo não tem mais dúvida.
3. O discípulo Continua no Estado.
No início da relação entre Mestre e Discípulo, é dada a Transmissão do Estado Primordial. Do mesmo modo que, desde que vejamos as Seis Liberações, um primeiro contato favorável se estabelece com nosso próprio Estado Primordial através da Transmissão Direta. Esta imediaticidade, que não tem necessidade nenhuma de preliminares, provém do fato que o Estado Primordial do indivíduo está constantemente presente, mesmo se não temos sempre consciência disso. É por isso que podemos dizer que o Ensinamento Dzogchen, no seu conjunto, tem por função favorecer a consciência da presença.
MEDITAÇÃO E CONTEMPLAÇÃO
Muitos de nós utilizamos indiferentemente esses dois termos que revestem, portanto, nos Ensinamentos Dzogchen, um significado radicalmente diferente. Quase em cada retiro, Namkhai Norbu Rinpoche toma cuidado de precisar as diferenças.
A meditação implica, com efeito, uma atividade da mente como, por exemplo, a visualização, a prece, a repetição de mantras, o aperfeiçoamento da personalidade ou do estado de saúde, o bem estar dos outros, etc. A contemplação, quanto a ela, apesar de não excluir a meditação, consiste simplesmente na consciência do Estado Primordial do individuo. A consciência da presença da realidade tal como ela é, é sem contestação, a característica maior do Ensinamento Dzogchen.
As Seis Liberações, a maneira do Canto do Vajra, dos Três Vajras e do A branco, figuram entre os métodos essenciais, próprios ao Dzogchen, que permitem entrar diretamente no Estado de contemplação e de se Auto-Liberar das artimanhas, truques e falsificações dos sentidos, das emoções e da mente comum, pela visão direta da realidade nua.
O Dzogchen não é, pois uma filosofia porque ele não apresenta nenhum sistema doutrinal, nem uma religião, pois que ele não presta nenhum culto a um Deus todo-poderoso, nem um sistema qualquer de representação do mundo, pois que seu método próprio – A Auto-Liberação – permite justamente se liberar de todos os sistemas e condicionamentos inclusive os espirituais.
Esta é razão pela qual ele foi praticado por séculos por seres de todas as naturezas e não somente por filósofos, religiosos ou intelectuais. Nenhuma necessidade aqui de se tornar tibetólogo, monge budista ou lingüista. Nenhuma necessidade de cessar de ser como somos. A contemplação consiste justamente em estar em contato com nosso Estado Primordial.
- O Chamanismo Bön, presente no Tibet ha milhares de anos antes da implantaçao do Budismo, foi objeto de uma pesquisa aprofundada da parte de Namkhaï Norbu Rinpoche publicada sob o título Drung, Deu and Bön, Library of
- Le Chant du Vajra, Namkhaï Norbu Rinpoche, tradução Arnaud Pozin, edições Altess, 1993. Ver capítulo III.