Budismo Ocidental e um Dharma contemporâneo


Lemos o seguinte no livro do Lama Surya Das:

“O que é importante? O passado passou, o futuro é o importante. Nós somos os criadores. O futuro está em nossas mãos. Mesmo se falharmos, será sem arrependimentos. Temos que fazer o esforço… de cooperar com as pessoas, em vez de querer convertê-las. Sempre motivados pela altruísta bodhicitta, vocês ocidentais devem ser criativos ao adaptar a essência milenar do Dharma para a sua cultura, sua época e suas circunstâncias”.

(S.S. Dalai Lama)

Mais adiante diz:

Já foi mostrado que sempre que o budismo entra em uma nova cultura, ele não apenas muda esta cultura, mas também é mudado por ela. Esta é a natureza da tradução e da transmissão do Dharma. O Dharma sempre retém a sua essência, ao mesmo tempo em que se reinventa, para permanecer aplicável, acessível e relevante.

Quando o budismo foi para a China, por exemplo, recebeu uma forte influência do Taoísmo, pois é uma visão muito semelhante a do Dharma, influenciando o C’han que é o pai do Zen. O próprio Zen recebeu uma tonalidade diferente de acordo com o país onde se estabeleceu.

Escreve ainda Surya Das em seu livro:

Na ocasião da primeira Conferência dos Mestres Ocidentais de Budismo, o Dalai Lama brincou com os participantes sobre a forma como nós ocidentais havíamos adotado antigos instrumentos musicais, roupas, móveis e decoração asiáticos. Ele mostrou que tudo isso não era a essência do Dharma, mas simples cultura, que muda em cada país, através dos séculos, da mesma forma que o budismo saíra de sua origem na Índia para o Himalaia, o sul da Ásia, a China e o Japão. Ele estava nos lembrando, mais uma vez que o Dharma é milenar e não se prende a cultura alguma. A verdade essencial do Dharma, o coração da iluminação, não está limitado aos aparatos de uma cultura, língua ou época.

Nós herdamos da Ásia as várias tradições budistas. Elas foram traduzidas, sintetizadas e filtradas para formas compreensíveis no Ocidente, principalmente pelos mestres das linhagens Theravada, Zen, Vajrayana, e Dzogchen. Agora esta sabedoria está passando pela rica e fascinante fase de transformação e de adaptação, enquanto nós as parteiras, facilitamos esse renascimento em formas contemporâneas, libertadoras e viáveis. Ao mesmo tempo, grupos étnicos budistas vêm formando bolsões para onde as tradições budistas de suas pátrias asiáticas são transplantadas quase que intactas.

Mais adiante,

Esta é a primeira vez que todas as escolas existentes de budismo coexistem juntas, bem de perto, esbarrando umas nas outras, em um só lugar e numa só época. […]
Na fase espiritual inicial, que é de “ver vitrines”, podemos tentar vários caminhos e técnicas antes de nos comprometermos com uma prática específica. A mobilidade social de nossa cultura pode ser um elemento catalisador fantástico para a busca espiritual. Cada um de nós tem a oportunidade de escolher por si mesmo, para encontrar algo que ressoe e se conecte à sua experiência.

O mestre zen vietnamita Thich Nhat Hanh disse:

“As formas de budismo precisam mudar para que a essência do budismo possa permanecer inalterada. Esta essência consiste em princípios vivos, que não suportam nenhuma formulação específica”.

Surya Das continua:

Eu pessoalmente tive que peneirar muitas formas e variedades dos ensinamentos antes de poder realmente apreciar a essência do Dharma dentro de mim mesmo e de nossa cultura. Precisei aprender línguas estrangeiras, me ordenar, raspar a cabeça, usar roupas de monge, viver em mosteiros no estrangeiro e aprender a praticar os diversos ritos e rituais do budismo tibetano, antes de finalmente encontrar a essência do Dharma nos ensinamentos Dzogchen. Entretanto, descobri que para encontrar a minha própria prática eu precisava sintetizar e simplificar a informação, retendo o que era mais útil e aplicável para mim, dentro das diferentes tradições. […]

Surya Das aponta dez tendências emergentes vou citar apenas algumas:

Tendência Baseada na Meditação e Orientada para a Experiência.

Como ocidentais, em geral chegamos ao budismo buscando meditação e contemplação, na tentativa de melhorar nossa qualidade de vida. Queremos trazer mais atenção para o que fazemos. Normalmente somos atraídos para o budismo não pela parte acadêmica, mas porque desejamos transformação pessoal, experiência religiosa direta e queremos integrar sabedoria, a bondade e a compaixão em nossas vidas cotidianas. O Dharma não é algo em que apenas acreditamos, mas algo que fazemos.

Tendência orientada para os leigos.

Apesar de certamente haver espaço para o monasticismo tradicional – tanto de curto como de longo prazo – o budismo no Ocidente é evidentemente muito mais orientado para os leigos do que no passado. Os praticantes de hoje trazem suas questões de relacionamentos, família e trabalho para o centro do Dharma na tentativa de encontrar mais sentido para sua vida.

Tendência Democrática e Igualitária.

O budismo ocidental precisa se tornar a sabedoria ocidental. Como se podia prever está evoluindo de forma muito menos institucionalizada, menos hierárquica e mais democrática. Quase que por definição, o crescimento pessoal e os interesses do indivíduo serão muito mais enfatizados do que a preservação e desenvolvimento institucional.

Tendência Simplificada, Resumida e Desmistificada

Em sua maioria, os rituais complexos e esotéricos e os rituais antigos destinados apenas aos iniciados estão visivelmente ausentes do budismo ocidental. Os mestres ocidentais enfatizam a essência mais do que a forma, e também os ensinamentos que são relevantes para a vida cotidiana. Desta forma, é um budismo prático e orientado para este mundo, e não para um outro mundo qualquer, hermético. Existe uma grande ênfase na integração da prática do Dharma, através da atenção plena e da contemplação, com a vida cotidiana.

Tendência Não-sectária

A maioria dos ocidentais parece apreciar genuinamente diferentes técnicas de meditação e diversas tradições. Nós já vimos como a política, a luta pelo poder e o sectarismo criaram o caos dentro da algumas comunidades religiosas. Compreendemos que é essencial tentar diligentemente não cair nas mesmas armadilhas. Como praticantes, estamos geralmente interessados em alargar e aprofundar nossa experiência das várias práticas espirituais budistas. Eu acho que se pode dizer que existe hoje uma verdadeira apreciação dos benefícios do não-sectarismo, do ecumenismo e do intercambio de culturas. Na verdade, muitos mestres já estão sintetizando o melhor de várias tradições em um grande amalgamado Dharma ocidental, que parece ser inevitável.[…]

Tendência Investigativa

De acordo com a forma eminentemente cientifica e cética com que fomos criados, são encorajados o autoquestionamento e a investigação. Estamos tentando ser dinâmicos e voltados para o futuro, em vez de simples preservadores de algo. Eu vejo o Dharma Contemporâneo como basicamente um budismo sem crenças, um Dharma que é menos doutrinário, dogmático e baseado em crenças, e ao mesmo tempo muito mais investigativo, cético, e voltado para a experimentação e a descoberta pessoais. O Dharma ocidental está tentando chegar além do dogma, da insularidade e do pensamento fundamentalista.

O grupo SHUNYA – de estudos e práticas budistas vê na exposição acima uma semelhança com a orientação que vem tentando realizar em sua pequena e modesta trajetória.

Extratos do livro “O DESPERTAR DO BUDHA INTERIOR”/ Epílogo