É preciso acreditar em reencarnação para ser budista?
Thich Nhat Hanh: Reencarnação significa que há uma alma que sai do seu corpo e entra em outro corpo. Essa é uma idéia muito popular e muito errônea da continuação no Budismo. Se você acredita que existe uma alma, um eu que habita um corpo e que se vai quando o corpo se desintegra e assume outra forma, isso não é budismo.
Ao olhar para uma pessoa, você vê cinco skandhas, ou elementos: forma, sentimentos, percepções, formações mentais e consciência. Não há alma, não há eu fora desses cinco, portanto quando os cinco elementos se dissolvem, o carma, as ações que você fez ao longo da vida são sua continuação. O que você fez ou pensou ainda continua existindo como energia. Você não precisa de uma alma, ou de um eu para continuar. É como uma nuvem. Mesmo quando a nuvem não está ali, ela sempre continua existindo como neve ou chuva. A nuvem não precisa ter alma para ter continuidade.
Não há início nem fim. Você não precisa esperar até que este corpo se dissolva totalmente para ter continuidade – você continua a cada momento. Vamos supor que eu transmita minha energia a centenas de pessoas; essas pessoas serão minha continuação. Se você olhar para elas, poderá me ver nelas. Se você acha que sou isso [Thay aponta para si], então você não me viu. Mas se você me vir em minhas palavras e minhas ações, verá que elas são minha continuação. Ao olhar para meus discípulos, meus alunos, meus livros e meus amigos, você vê minha continuação. Nunca morrerei. Este corpo se dissolverá, mas isso não significa que morrerei. Continuarei, para sempre.
E isso é verdade para todos nós. Você é mais do que este corpo porque os cinco skandhas estão sempre produzindo energia. Isto se chama carma ou ação. No entanto, não há ator – você não precisa de um ator. A ação já é suficiente. Isto pode ser entendido em termos de física quântica. Massa e energia, e força e matéria – não são duas coisas separadas. São a mesma coisa.
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O Monge Gensho no seu site, responde a várias questões, é muito interessante. vejam:
Por que nos preocupamos tanto com a morte?
Diz o grande mestre Deshimaru, que morreu na França há uma década, que o que sucede é que as pessoas querem arranjar uma maneira de escapar da morte. Mesmo a crença em uma reencarnação não passa de uma tentativa dessas. O “eu” querendo permanecer apesar de todas as evidências de que um cérebro e sua memória se extinguem em qualquer acidente sério e, muito mais, na dissolução da morte. O zen convida diretamente o homem a aceitar este fato, outras escolas budistas levam muitos anos, passo a passo, conduzindo o aluno, falando em renascimento até que que alguns estejam prontos a aceitar isto. Chamam neste caso este estágio de “A grande perfeição” o Dzogchen na escola Nyngma do budismo tibetano é um exemplo.
O que o senhor pensa dessa afirmação: “A vida e a personalidade são eternos e é responsabilidade de cada um aperfeiçoar-se antes da morte e do julgamento final de Deus”?
Esta é a tentativa mais forte de fazer o ego sobreviver a morte. Além de criar um Deus para solucionar os problemas, uma imagem paterna que tudo resolve, nega toda a impermanência criando uma alma indestrutível. Na Índia esta doutrina se chamava “atman”, existência de uma alma eterna. O budismo declarou o “anatman” nada de alma eterna, nem uma alma eterna e universal com a qual se unir. Deus criador então nem chega a entrar nas cogitações de Buda, é uma idéia afastada de plano.
A vida continua, mas a personalidade é ilusão? É responsabilidade de cada um sair desta situação por si. A existência se define por múltiplos renascimentos?
Bem a vida continua, mas por passagem da chama, transferência de DNA, o que se quiser, continuidade, fluir, mas não com algo permanente dentro que se perpetua na próxima existência. As vidas se apoiam nas anteriores, são impulsos cármicos daquela “onda”, mas a onda seguinte não é a mesma onda embora tenha a energia, características etc… semelhantes, porque surgiu no seu impulso. A semente de uma macieira produz outra macieira, muito parecida, mas não é a mesma macieira, apenas uma continuação das manifestações de macieiras, como tal não pode evitar de produzir maçãs. Assim não existe uma individualidade que se defina por múltiplos nascimentos, a vida continua há milhões de anos. Porém as manifestações mergulhadas em uma onda de energia, continuam se repetindo sem escapar por estar presas aquele formato. Libertar-se é conseguir anular este movimento repetitivo e poder retornar a base fundamental, o vazio, e manifestar-se como se deseja, por compaixão, e não arrastado pelo redemoinho dos impulsos herdados.
O senhor acredita que, chegada a hora da morte, as luzes se apagam, é fim da historia, o nada?
Para a individualidade sim, de certa maneira, porém nenhum impulso dado no universo simplesmente cessa, ele apenas gera uma continuação, aqui também existe a característica da conservação da energia, não dá para fazê-la desaparecer. Por este motivo podemos dizer que somos eternos, nem um suicídio resolve, simplesmente o suicida provoca outras manifestações. Não há como escapar agindo. Só é possível sair desta roda sem fim através da iluminação, saltando para dentro do absoluto, recuperando a liberdade, saindo da roda, adquirindo uma consciência não particular nem individual, mais abrangente, decodificando as manifestações de modo a não ser mais arrastados pelos impulsos cármicos, mas tornando-se senhor do carma. Senhor da dança!
Há algo após a morte?
Para a individualidade não parece haver nada. Mesmo os mortos que se diz se manifestarem por médiuns nada têm de relevante a dizer, só amenidades, jamais resolveram uma única equação matemática ou apontaram uma saída que não fosse já conhecida. Uma ilusão do acreditar como muitas outras. Como diz o grande mestre Dogen (1200-1253) – Se os mortos falam, nada tem a nos ensinar, estão perdidos como nós. Por outro lado os grandes mestres zen costumam morrer em grande tranquilidade, muitas vezes informando o fato com antecedência.Iluminar-se é entender que não existe nem nascimento nem morte, estas são ilusões do eu. O não nascido não pode morrer. Você nunca nasceu , (isto que você está experimentando é apenas uma ilusão temporária) e entre você e eu não existe ne
No leito de morte Shunryu Suzuki recebeu seu aluno Baker Roshi, este perguntou: – Mestre, como poderemos encontra-lo? Uma pequena e pálida mão saiu debaixo do cobertor, e acompanhada de um leve sorriso, traçou com o dedo um círculo no ar.
Uma história zen: Um imperador perguntou a um mestre zen:
– Se sois iluminado me dize o que há depois da morte!
– Não sei.
– Como não sabes?
– Ainda não morri!
A morte é o fim do sofrimento? Ela extingue o carma?
Em nenhum momento, o Budismo refere-se à morte como o fim do sofrimento. O carma não se extingue assim. Ele continua se manifestando até ser compensado. Aliás, seria bom explicar que usamos a palavra carma de forma abrangente. Originalmente, ela significa a “lei do carma” e não as marcas cármicas Porém, já se estabeleceu esse uso em português; assim também chamamos “carma” aos impulsos cármicos herdados.
Penso no final desta vida – quando acabarem meu eu, meus pais, amigos e parentes – e fico profundamente aflito.Como lidar com isso?
Como poderíamos acabar? Em nossa essência somos a própria eternidade. A única coisa que pode deixar de operar é este pequeno eu ilusório. Ele vai resistir desesperadamente à nossa percepção de que ele é uma mera montagem da nossa mente, uma espécie de loucura que nos impede de beber na fonte do absoluto. E sentindo a proximidade dessa descoberta terrivelmente ameaçadora, só lhe resta produzir medo e aflição. Também fiquei com medo e me levantei da meditação quando enxerguei isso. Falei para meu professor e ele me disse: – Perdeu grande oportunidade! Nesta hora você precisava descobrir DE ONDE VEM ESSE MEDO.
Para quem sabe que não existem nascimento e morte, o que é cada morte? Como não ficar triste com as tragédias de todo dia?
Você precisa se perguntar: o que é triste? Aos olhos de quem há tristeza? A partir de que pressuposto? Suponha que você vá ao dentista e faça um tratamento de canal. O dentista está fazendo o mal? Você, ao sentar na cadeira, está vivendo uma tragédia? Por outro lado, não devemos sentir que dói quando levamos nosso amigo ao dentista e vemos o tratamento ser feito? Há dor e há cura. É horrível a dor? É horrível que cure? Uma coisa exclui a outra?
Costumo comparar os homens olhando a vida a alguém a beira do mar chorando a morte de cada onda, vendo ali uma tragédia de finalizações em espuma, o triste fim daquelas manifestações poderosas. Se ele apenas fosse capaz de levantar os olhos e perceber que o mar é belíssimo…
Várias religiões afirmam manter contato com espíritos e entidades… Como isso é visto no budismo?
Mestre Dogen (1200-1253 DC) diz que o contato com os mortos nada nos pode ensinar, pois eles também estariam perdidos, submetidos a sentimentos e presos a manifestações. Seriam, portanto, seres não libertos. Não se procura esse contato no zen.
Qual a posição do Budismo sobre temas muito polêmicos como aborto, suicídio, morte e alma?
Em princípio, tudo que produza sofrimento gera maus frutos cármicos, que permanecem causando resultados posteriormente. Assim, podemos simplificadamente dizer que o aborto não pode ser uma boa iniciativa, tampouco o suicídio, situação em que uma pessoa perde a oportunidade de continuar usando o precioso dom de um nascimento humano. Porém considere que o budismo não dá estas respostas gerais, sendo cada caso um problema particular e eventualmente um suicídio seja feito de tal forma e com tal intenção que beneficia outros seres, sendo assim gerador de bons frutos também.
Mas mesmo assim, cada ato só pode ser avaliado dentro de suas circunstâncias particulares, motivações, intenções etc. Imagine alguém que se mata para salvar outros, por exemplo.
A morte é a desagregação daquilo que constitui o ser em vida, matéria, consciência, sensações etc.No Budismo, como um todo, o conceito é o “anatman” a negação da existência de uma alma individual, espírito ou o que seja semelhante.
É uma grande dificuldade para os ocidentais em geral, porque se entende – de outro lado – que o carma permanece e que estamos ligados de tal forma ao fluxo de continuidade que , enquanto não liberados, continuamos nos manifestando no universo, mas não com o eu atual porque ele é produto de uma ilusão provinda da operação dos agregados.
O que é esta vida eterna de que se fala às vezes no zen?
R: A vida eterna de que se fala no zen e em outras tradições nada tem a ver com tempo. Linearidade do tempo, sucessão de eventos, vida como nascer e morrer, papéis a desempenhar aqui, ambições de realizar, são coisas sem sentido. Quando Saikawa Roshi falou em vida eterna se referia ao conceito de simultaneidade no qual tempo não existe. É disto que se trata quando se fala de “vida eterna”.