A necessidade de meditar na cidade


A necessidade de meditar na cidade
por Sakya Trizin

Nós humanos necessitamos de muitas coisas, temos muitas coisas para realizar, e assim sucessivamente. Mas está claro não importa quanto nós temos ou onde quer que nós estejamos, não é bastante; sempre há um pouco mais de exigência, sempre descontentamento. Por nossa própria experiência a verdade está muito clara do que o Senhor Buddha disse sobre samsara, essa totalidade cuja natureza é nada mais que sofrimento.

Assim, o que nós podemos fazer? Há uma coisa comum a tudo e que todo o mundo deseja que é ser livre de sofrimento e ter felicidade. E por isto todo o mundo está fazendo esforço espiritual e mundano. Mas não importa o que nós fazemos não há nenhum fim para o sofrimento e nenhum ganho da felicidade que nós buscamos.

Assim, como nós podemos adquirir isto? O Senhor Buddha ensinou que todo ser sensível possui buddha-natureza. A verdadeira natureza de nossa mente é pura. Desde o princípio nunca está manchada com ofuscações de qualquer forma. Então, se nós tentarmos nós poderemos atingir iluminação.

No momento nós não vemos esta buddha-natureza, pois está completamente coberta com ofuscações. Mas as ofuscações não são a natureza da mente. Se elas fossem nunca poderiam ser eliminadas. Por exemplo, a natureza do carvão é preta, assim não importa quanto você o lavar, o carvão nunca ficará branco. Devido à sujeira, a brancura de um pano branco não se vê, mas com corretos métodos nós podemos lavar e então vem a cor real. Semelhantemente, as ofuscações em nossas mentes só estão ao nível exterior, e com os métodos certos poderiam ser eliminadas. Então, se nós trabalhamos duramente seguindo o caminho do Dharma, nós podemos nos tornar completamente iluminados; Buddhas.

Por estas razões, a coisa mais importante é a prática espiritual, porque todas as outras coisas como riqueza material ou poder só é benéfico dentro desta vida. O dia em que nós deixarmos este mundo nós temos que deixar para trás tudo – nossa riqueza, amigos, até mesmo nosso corpo precioso. Só sobra a consciência, e quando deixamos tudo nós só podemos confiar na nossa prática espiritual.

Quando enfrentarmos cruciais problemas, há uma grande diferença entre a pessoa que tem idéias espirituais e a que não tem. Quando a pessoa sem qualquer ajuda espiritual enfrenta sofrimentos, fica em uma situação desesperada e têm que confiar em outros métodos muito errados, tendo às vezes que tomar medidas extremas. Um dos ensinamentos básicos de Buddha é que tudo que é criado por causa e condições é impermanente. E qualquer ação conectada com corrupções é sofrimento. Assim, quando enfrentamos problemas, é óbvio que não é algo apenas acontecendo conosco, mas a impermanência e sofrimento são a natureza da existência.

A pessoa entende que, embora o problema possa ser o mesmo, a pessoa que tem ajuda espiritual está pronta a fazer face a isto porque sabe o que é a natureza. Devido a isto diminui o pesar mental. E quando o pesar mental da pessoa é minorado, o exterior sofrimento físico também é, porque a mente é o chefe e o corpo é como um criado. Se a mente estiver contente, até mesmo se a pessoa estiver dentro de condições as mais pobres ainda assim está contente. E se a mente não é feliz, até mesmo a pessoa que tem as melhores instalações de conforto tem muita miséria. Desde que a mente é o mais importante, isso nos dá força para enfrentar os desafios do sofrimento até mesmo para esta vida, então a coisa mais importante é a prática de Dharma.

Embora sejamos todos seres humanos, cada um tem uma mente diferente, corrupções diferentes e assim sucessivamente. Para servir todo nível de mentes o Buddha deu uma quantidade enorme de ensinamentos. Um tipo de ensinamento não é bastante. Da mesma maneira que nós precisamos de muitos medicamentos para curar os tipos diferentes de doença, semelhantemente, para ajudar os seres sensíveis ilimitados, o Buddha também deu muitos ensinos.

Em geral há dois tipos diferentes de seguidores – os seguidores que desejam seguir a meta menor, e os seguidores que desejam seguir a maior meta. Por isso é que nós temos os dois yanas, hinayana e mahayana. Embora o caminho de hinayana tenha muitos ensinamentos, o mais importante em essência é não prejudicar nenhum ser sensível. Se a pessoa prejudica qualquer ser sensível física ou mentalmente, não está certo.

O caminho de mahayana está não só não prejudicando mas também beneficiando a pessoa, porque cada e todo ser sensível é como nós-mesmos. De nossa própria experiência podemos aprender quanto desejamos ser livres de sofrimento e ter felicidade. Desde o minúsculo inseto até os humanos mais inteligentes, até mesmos os reinos de devas, todo ser sensível tem o mesmo sentimento: o desejo para ser livre de sofrimento e ter felicidade. Então não é próprio só pensar em si mesmo, porque o si mesmo é uma pessoa e os outros são incontáveis. Entre um e muitos quail é o mais importantes? O conjunto é mais importante. Além disso, dos pensamentos egoístas coisas boas nunca surgem – só sofrimentos.

Shantideva disse, "Todos os sofrimentos neste universo vieram de querer a si mesmo". Se nós pensamos em nós-mesmos nós teremos ciúme, orgulho, mesquinhez, desejo, ódio etc. Todos os pensamentos impuros surgem, e qualquer ação criada com estes pensamentos impuros cria só sofrimento. Da mesma maneira que de uma raiz venenosa qualquer coisa que cresce é veneno, semelhantemente qualquer ação criada desta impureza só é sofrimento. Assim, quando nós só pensamos em nós mesmos, tudo que nós podemos alcançar é mais sofrimento.

Shantideva também disse que toda a felicidade neste universo vem de querer que os outros estejam felizes. Se nós desejamos que os outros estejam felizes então todas as coisas boas, todas as qualidades vêm, da mesma maneira que se uma raiz é medicinal, qualquer coisa que cresce disto é medicamento. Semelhantemente, na base da bondade e compaixão, querendo ajudar os outros seres sensíveis, qualquer ação que é criada é felicidade. Por isso a raiz do ensinamento mahayana é bondade e compaixão. Então nós temos que tentar cultivar bondade em todos os sentidos e compaixão. Porém, tendo somente compaixão não é bastante, nós temos que salvar os seres sensíveis do sofrimento e pô-los no caminho da felicidade. Mas no momento nós mesmos não somos livres, nós não temos conhecimento completo ou suficiente poder. Nós somos completamente amarrados por nosso carma e corrupções. Assim, como nós podemos ajudar? O único meio efetivo de ajudar os seres sensíveis é atingir perfeita iluminação, porque tendo atingido esclarecimento perfeito então até mesmo durante um único momento nós podemos salvar incontáveis seres sensíveis.

Este esclarecimento perfeito não surge sem causas e condições, e isso é seguir o caminho de mahayana. Primeiro é ter um muito sincero desejo de atingir o perfeito esclarecimento, depois praticar, a coisa principal sendo método e sabedoria. Para voar a pessoa precisa de duas asas. Semelhantemente para atingir esclarecimento a pessoa precisa de dois: o método para perceber a sabedoria, e a própria sabedoria. E eles dependem um do outro. Método pretende acumular mérito como generosidade, conduta moral, paciência, dedicação e concentração. Bondade e compaixão suprimirão as faltas porque a falta principal é o egoísmo-apego, e este método de pratica suprime o egoísmo-apego. Para erradicar completamente a raiz do egoísmo-apego nós precisamos de sabedoria que elimina completamente isto, e para isto nós temos que ter concentração. Com estes dois juntos poderemos atingir esclarecimento perfeito.

Muitas pessoas dizem que é muito difícil a prática do Dharma particularmente em cidades grandes onde há tanta distração e ocupação. Porém, o Senhor Buddha deu muitos ensinamentos, o propósito dos quais era domesticar nossas mentes selvagens. É devido a nossa mente selvagem tão envolvida com corrupções que desde o princípio fomos presos no reino de existência e sofrimento. Nós já sofremos tanto no passado, estamos agora sofrendo, e além disso se nós não trabalhamos agora vamos continuamente experimentar sofrimento. Então o Buddha deu ensinamentos que envolvem muitas formas diferentes de prática, mas todos estes são para domesticar nossas mentes.

A palavra sânscrita "dharma" tem muitos significados diferentes, mas a palavra geralmente pretende mudar, mudar nossa impura ou selvagem mente que é tão envolvida com as corrupções, mudar isto para o caminho certo. Assim, toda prática que nós fazemos se não muda (ainda que, é claro, apenas fazendo a prática há benefício), isto não é tão efetivo. Para ser efetivo, temos que ver se a prática que nós estamos fazendo realmente faz uma diferença dentro de nossa mente ou não.

Se muda nossa mente, então se nós usamos isto de maneira certa nós podemos ser a pessoa mais ocupada da cidade, mas ainda podemos ser um praticante de Dharma muito bom, porque tudo que nós vemos e fazemos, todo o mundo com que nos associamos, nos dá uma chance para praticar o Dharma.

Por exemplo, quando viajando por cidades e notando muitas mudanças, isso é impermanência. Quando nós virmos sofrimento, nós estamos experimentando o Dharma que o Buddha nos deu, isto é, que tudo está sofrendo. De fato nós na verdade vemos isto com nossos próprios olhos, e também aprendemos disso. Quando nos associamos com as pessoas nós temos uma chance de ajudar, de praticar a compaixão.

Quando as pessoas perturbam ou estão zangadas conosco, há uma chance para a prática da paciência. Assim, se nós pudéssemos utilizar nossa vida cotidiana, então, em todos lugares, quando viajando, no trabalho ou em casa, nós podemos praticar o Dharma.

Estas experiências diferentes nos ajudarão a entender mais profundamente e ver como é importante a prática do Dharma. Meditações como concentração e perspicácia são muito importantes. Mas para alcançar aquele nível, as fundações básicas como a dificuldade de obter o nascimento humano precioso, impermanência e morte, a causa de carma, e o sofrimento de samsara – isto é, as quatro fundações comuns – são muito importantes.

Estes você pode aprender de um professor e pode ler em livros.

Porém ganhar conhecimento não é bastante. Se nós conhecemos isto por muito tempo, mas se não houve nenhuma mudança em nós, se permanecemos a mesma pessoa, se nós ainda temos raiva, nós ainda não sabemos praticar o Dharma. Embora nós devamos ter ouvido as dificuldades de obtenção do nascimento humano precioso cem vezes, se isto não fez nenhuma mudança – nós ainda estamos no mesmo nível, nós não pacificamos as corrupções, nós ainda não somos praticantes. Por que? Porque nós não experimentamos isto.

Assim, conhecendo isto e por contemplação ter a experiência disto, são duas coisas diferentes. A pessoa pode saber muitos ensinamentos mas se não pratica, se a pessoa não usa isto na vida diária, então, não está certo. Por exemplo o propósito de fazer comida deliciosa é comer isto. Se você faz mas não come não há nenhum êxito! Semelhantemente, conhecer o Dharma é utilizar isto em nossa vida diária. Para fazer isto nós temos que usar muitos métodos diferentes que incluem nossas experiências diárias.

Com estas fundações básicas, se nós pudéssemos entender tudo que nós vemos como um ensinamento, mas tendo um sentimento interno de urgência, então nós não desperdiçaríamos nosso tempo. Nós definitivamente faríamos todo esforço, da mesma maneira que as pessoas na prisão só têm constantemente um único pensamento, "quando eu posso sair disto?" Quando você tem esta realidade, esse desejo sincero para praticar o Dharma, suas meditações mais altas internas geralmente surgem.

Primeiro para ter as fundações básicas depende de nosso mérito. Em vidas passadas devido a acumular mérito, nós nascemos nesta vida como seres humanos, tendo a fortuna boa de ouvir o Dharma, e uma chance para praticar. Semelhantemente, ter necessidade interna de prática espiritual depende do mérito que nós temos. Assim, ao mesmo tempo nós temos que acumular mérito por orações, devoção ao Guru e ao Buddha, Dharma e Sangha, e através da prática da bondade e compaixão para todo ser sensível. Deste modo, quando nosso mérito aumenta, também nossa sabedoria aumenta, e estes dois vão junto. Quando o mérito é completamente construído, a sabedoria também virá, e com o mérito e sabedoria juntos a pessoa poderá ter sucesso no caminho.

(De uma palestra de Sua Santidade Sakya Trizin
no Centro Jamyang de Meditação, 3/10/91)