Há alguns anos, quando eu ia dar um curso numa outra cidade, a pessoa que seria meu anfitrião telefonou-me com antecedência para saber se eu tinha alguma solicitação especial quanto à alimentação. Apreciei seu interesse e expliquei-lhe minhas preferências. Também mencionei que normalmente não como muito no desjejum, mas que gosto de tomar café pela manhã. Ele exclamou, com uma voz muito surpresa: "Você toma café?" Percebi que tinha feito uma confissão herética e precisei pensar um pouco para encontrar uma maneira elegante de explicar ao meu anfitrião (sem prejudicar minha reputação espiritual) que eu, de fato, tomo café.
Há algumas idéias estranhas acerca do que significa "ser espiritual". Tenho um cartum na parede do meu escritório que mostra duas pessoas jantando num restaurante. Uma delas está dizendo para a outra: "É um alívio encontrar alguém que não esteja empenhado numa busca espiritual." Eu concordo. Há um enorme risco de nos desviarmos do nosso objetivo e descambar para uma santidade artificial, de nos empenharmos em agir como uma "pessoa espiritual".
À medida que foi consolidando sua posição como professor de meditação, um querido amigo meu cada vez hesitava menos em contar às pessoas que adora assistir a jogos de futebol americano. Ele chega até mesmo a admitir que fica muito exaltado com os jogos, torcendo diante da televisão, como se estivesse no estádio. Para ele, não existe a atitude desapaixonada de quem diz "Que vença o melhor time!" Eu sei que ele tem um extraordinário nível de compreensão, e que se comporta como uma pessoa comum num mundo comum. Praticar a meditação e desenvolver a equanimidade não significa tomar-se uma pessoa excêntrica.
Creio que escolhi o título deste livro muito antes de o próprio livro ter sido escrito. Na verdade, fui motivada a escrever porque queria contar que a vida espiritual não precisa ser uma coisa grandiosa. As vezes as pessoas resolvem fazer uma mudança no estilo de vida para favorecer o despertar. Algumas juntam-se a comunidades ou a ordens religiosas. Outras mudam sua alimentação. Algumas tomam-se celibatárias. Para certas pessoas, todas essas escolhas são instrumentos muito úteis para o despertar, mas não são inerentemente espirituais.
Outras pessoas escolhem outros instrumentos. Neste livro, o principal instrumento, a conscientização, é invisível. A conscientização, a aceitação equilibrada da experiência presente, está no âmago dos ensinamentos de Buda. Embora este livro pretenda ser uma introdução ao Budismo, ninguém deve se intimidar por causa disso. É mais fácil do que você pensa.