Capítulo 35 – Bendowa do Shobogenzo
Todos possuem essa força, mas a menos que haja prática do zazen, isso não chega a se manifestar, e a menos que seja realizado, não podemos nos inteirar. Não há como descrever este estado inefável. Qualquer coisa que digamos é inadequado. Todos os Budas existem neste jijuyu samadi, e até disso estão desapegados. Todas as pessoas aqui também têm sua “casa”, somente não compreendem como funciona sua consciência e percepção. Através deste samadi mencionado acima podemos nos inteirar daquilo que é verdadeiro e atingir uma perfeita harmonia, bastando apenas abandonarmos a discriminação mental.
Após ter começado a buscar o Caminho, visitei muitos Mestres em todas as partes do país, em busca de respostas para as minhas muitas indagações. Conheci nesta ocasião o monge Myozen de Kenninji, e com esta pessoa pratiquei durante nove anos. Era ele o principal discípulo do Patriarca Eisai, e foi Myozen o único que completamente transmitiu o Dharma de seu Mestre. Dentre os discípulos do Mestre não havia quem pudesse se comparar a ele.
Em seguida me dirigi à China, na era da dinastia Sung, onde conheci muitos lugares de prática e procurei me inteirar dos diferentes métodos das Cinco Escolas, buscando encontrar um Mestre que me solucionasse a dúvida principal, sobre a vida e morte. Finalmente me encontrei com o Mestre Zen Nyojo, do Monte Daibyaku e ali treinei assiduamente. Com ele tive a felicidade de resolver todas minhas dúvidas e isto pôs em ordem meus pensamentos quanto ao que a prática Budista realmente significava. Com essa compreensão retornei ao Japão e a meu lar em 1228. Aqui chegando, prometi a mim mesmo propagar o Dharma para o benefício de todos os seres, apesar de minhas limitações. Entretanto, com a confusão social que então reinava por todo país, decidi esperar durante um intervalo de tempo antes de disseminar os ideais do Dharma Budista. Fiquei mudando-me daqui para ali como as nuvens e águas e aproveitei esta oportunidade para conhecer aqueles Mestres que diziam divulgar o Dharma. Fiquei, contudo escandalizado ao ver como enganavam pessoas sinceras, que nunca pensando em status mundano ou em se aproveitar de nada, devotadamente buscavam o Dharma Budista, e eram descarrilados por tais pessoas inescrupulosas. Comecei a pensar como poderia a verdadeira prática do Prajna crescer entre tais boas pessoas. Todos se encontravam num estado confuso e suas compreensões eram progressivamente destruídas, de forma que finalmente lhes seria impossível chegar a entrar no Caminho. Pensando assim decidi acabar minha vida errante e tornar o Dharma correto conhecido através de ensinamentos e práticas das quais me inteirei nos mosteiros Zen na China da Grande Sung. Espero que isso venha a ser de ajuda para a preservação do verdadeiro Dharma. Creio que isto é essencial, não?
Na congregação que houve na Montanha do Condor, no tempo do Buda Shakyamuni, este transmitiu o Verdadeiro Dharma a Mahakasyapa, o qual por sua vez o passou de Patriarca a Patriarca que se seguiu, chegando até Bodidharma. Este foi então à China e o transmitiu a Eka. Foi a primeira vez que esta verdadeira transmissão foi realizada no Leste. Sucessivamente então o Dharma passou até o Sexto Patriarca, Daikan Eno. Naquele época então, o verdadeiro Dharma, livre de influências sectárias, se difundiu através da China Seus dois discípulos principais, Nangaku Ejo e Suigen Gyoshi, herdaram o selo da mente de Buda e se tornaram Mestres de homens e deuses. Suas respectivas escolas se expandiram e se transformaram nas Cinco Escolas que se conhecem hoje: Hogen, Igyo, Soto, Unmon e Rinzai. Presentemente, é a escola Rinzai que se encontra mais disseminada pelo país. Apesar de cada escola ter suas próprias características, todas se baseiam no selo da mente de Buda. Durante a última parte da dinastia Han (67 d.C.), o Budismo se expandiu vigorosamente após ter sido apresentado na China. Contudo existiam vários outros ensinamentos em voga e não foi nunca determinado qual era positivamente o melhor, até que Bodidharma cortou todas as contradições e doutrinas confusas e apresentou o Dharma correto, que rapidamente se tornou difundido. Espero que o mesmo ocorra neste nosso país.
O essencial que foi transmitido neste Dharma Budista, é que para se atingir a compreensão completa, deve-se forçosamente praticar o Zazen em jijuyu Samadi. Tanto na Índia como na China todos aqueles que alcançaram a iluminação aderiram estritamente a tal prática. A transmissão de Mestre à discípulo é baseada na recepção e preservação deste Samadi. De acordo com a mais autêntica transmissão, é este o Dharma Budista último. Desde o começo mesmo da prática da pessoa com um Mestre que seja legítimo, não é absolutamente necessário queimar incenso, fazer cerimônias, recitar sutras, fazer qualquer penitência ou estudar escrituras sagradas, é necessário apenas abandonar corpo e mente! Mesmo que a pessoa sente-se somente por um momento em jijuyu Samadi, o selo da mente de Buda imprime-se na totalidade de nosso ser, preenchendo-o; enquanto que, simultaneamente a isso, o mundo todo também adquire esta característica de ter o selo da mente de Buda, em resumo, tudo fica iluminado. A alegria iluminada do Tathagatha vai aumentando e todos seus atributos maravilhosos se manifestam. E o que é mais, todas as pessoas e seres em todas as direções, nas três veredas e nos seis mundos ficam puros e brilhantes atingindo a iluminação ao mesmo tempo que a pessoa, realizando a libertação perfeita e revelando suas formas originais como compreensão de Buda. Isto é, o mundo fenomenal mesmo é a iluminação de Buda, seu corpo – mente, seu sentar debaixo da árvore Bodhi, seu girar a Roda da Lei; todos estes fenômenos do mundo traduzem eles mesmos os aspectos mais profundos de Prajna.
Acrescente-se a isto o fato que, como os que possuem esta compreensão perfeita conseguem transferir o mérito de suas experiências, todos aqueles que meditam em Zazen são sócios em igualdade de condição com o Buda, e desta forma jogam fora corpo e mente bem como os demais apegos mundanos. Suas compreensões penetram até no menor aspecto da existência, cultivando desta forma a experiência de Buda em cada Dharma particular. Tudo fica sendo visto como estando dentro da experiência de Buda, ou seja, a terra, árvores, capins, cercas, paredes e telhas, tudo que esteja no reino da existência, é visto como realizando o trabalho de Buda, quando se tem este tipo de compreensão. Todo mundo recebe os benefícios da água e do vento; de forma semelhante, todas as pessoas recebem os benefícios imperceptíveis do ensinamento além da compreensão e maravilhoso do Budismo e com isto manifestam suas compreensões inatas. Esta compreensão original e inata se estende pelo mundo afora e vira o mérito desta prática Budista, proveniente do Dharma Budista. Contudo esta realização não existe conscientemente no Zazen; o despertar ocorre na calma absoluta, além da consciência.
Se acreditares que a prática e a compreensão são duas coisas distintas, como faz o grosso da humanidade, neste caso deveria existir algum tipo de consciência do praticante Zen de suas compreensões. Mas não é isto que ocorre, porque dentro da compreensão não existem discriminações baseadas em imagens preconcebidas. Embora perturbações e formas de compreender ilusórias ocorram durante a prática do Zazen, estão todas dentro do jijuyu Samadi, sendo imediatamente transformadas em compreensão, e não perturbam. Também se transformam no trabalho de Buda, extremamente profundo e além da consciência. Este seu poder permeia o meio ambiente, com as árvores, capins, e a terra; todos eles ficam brilhando com a Luz Divina e emitem um sermão do Dharma profundo. Tudo, em resumo, proclama o Dharma, de uma coisa para outra coisa. E a outra para a anterior também: a compreensão é recíproca. Por isto eu estava dizendo que o Zazen, mesmo que feito por um curto período de tempo por uma só pessoa que seja, unifica e dá vida a todos os seres. Cobre o tempo infinito, compreendendo em si o passado, o presente e o futuro, funcionando incessantemente para que todos os seres venham também a compreender desta forma. Budas, criaturas e fenômenos possuem apenas uma forma de prática e compreensão indiferenciada. E isto não se limita somente à prática de fazer Zazen. Ouvir o eco do vazio é como ouvir o som maravilhoso do sino, antes e depois que este venha a ser batido pelo badalo. E todo ser humano tem esta natureza e função original que é insondável à mente comum e egoísta. Mesmo que todos os Budas do universo combinassem suas sabedorias e procurassem sondar o mérito do Zazen de uma só pessoa, não poderiam faze-lo de forma alguma. Vejam agora que infinito é este mérito do Zazen.
Possa ser esse maravilhoso Sutra para o bem de todos os seres.