Capítulo 35 – Bendowa1 do Shobogenzo
Traduzido por Lew Richmond e Kazuaki Tanahashi
1
Todos os tathagatas de Buda, que diretamente transmitem o inconcebível darma e realizam o esclarecimento supremo e perfeito, têm um maravilhoso caminho, insuperável e incondicionado. Somente os Budas o transmitem para os Budas, sem desvio; o samádi autopreenchedor é o seu modelo. Sentar-se ereto, praticar o Zen é o portão autêntico para o domínio ilimitado deste samádi.
Embora este inconcebível darma seja abundante em cada pessoa, não é realizado sem a prática e não é experienciado sem a percepção. Quando o liberais, ele enche vossa mão – como poderia ser limitado a um ou a muitos? Quando falais, ele enche vossa boca – não é limitado por largura ou lonjura.
Todos os Budas nele continuamente residem, mas não deixam traços de consciência na sua iluminação. Os seres sencientes nele continuamente se movimentam de um lado para outro, mas a iluminação não se manifesta em suas consciências.2
O empenho concentrado do caminho de que falo permite que todas as coisas surjam no esclarecimento e na prática todo-inclusiva,* com desapego. Passando através da barreira e abandonando uma a uma as limitações, como podeis ser impedidos pelos nódulos no bambu ou pelos nós na madeira?*
2
Depois que o pensamento do esclarecimento despertou, comecei a procurar pelo darma visitando professores em vários lugares do nosso país. Então, encontrei o sacerdote Myozen, do Monastério Kennin, por quem fui treinado durante nove anos. Assim, aprendi um pouco a respeito do ensinamento da Escola Rinzai. O sacerdote Myozen sozinho, como um discípulo decano do ancestre Eisai, corretamente transmitiu o insuperável darma-de-buda; ninguém pode ser comparado a ele.
Mais tarde fui para a Grande Song China, visitei mestres em ambos os lados do rio Zhe e ouvi o ensinarnento das Cinco Escolas. Finalmente estudei com o mestre Zen Rujing, do Pico Taibo, e completei a procura de toda minha vida pela grande matéria.
Depois, no começo da Era Shaoding [1228-1233], da Grande Song, voltei ao Japão com a esperança de difundir o ensinamento e salvar os seres sencientes – um pesado fardo sobre meus ombros. No entanto, deixarei de lado a intenção de fazer prevalecer o ensinamento em todo lugar até a ocorrência de uma maré cheia. Penso em vagar como uma nuvem ou uma planta aquática, estudando o vento dos antigos sábios.
No entanto, pode haver verdadeiros estudantes que não estão preocupados com fama e ganho, permitindo que seu pensamento do esclarecimento os guie, e que podem tanto ser confundidos por professores incapazes como desvirtuados do correto entendimento. Entregando-se à presunçosa auto-satisfação, podem afundar na terra da delusão por um longo tempo. Como podem eles nutrir a semente correta do prajna e ter a oportunidade de atingir o caminho? Se eu estiver perambulando, que montanha ou rio podem visitar? Porque me sinto apreensivo por eles, gostaria de registrar os padrões dos monastérios Zen que pessoalmente vi e ouvi na Grande Song, bem como o profundo princípio que foi transmitido por meu mestre. Gostaria de deixar para os estudantes do caminho o ensinamento da casa de Buda. Esta é a essência.
3
Ora, o grande mestre Shakyamuni confiou o darma ao Mahakashyapa em assembléia no Pico do Abutre; ele foi então corretamente transmitido de ancestre para ancestre até o venerável Bodidarma. O próprio Bodidarma foi à China e confiou o darma ao grande mestre Huike; foi este o começo da transmissão do darma no país oriental. Deste modo, pela transmissão direta ele alcançou o Sexto Ancestre, o Mestre Zen Dajian. Então, o verdadeiro ensinamento budista espalhou-se pela China e tomou forma o ensinamento que não está relacionado com teorias.
Nessa época, havia dois destacados discípulos do Sexto Ancestre, Nanyue Huairang e Qingyuan Xingsi. Ambos receberam igualmente o selo de Buda como mestres dos seres humanos e devas. Suas duas linhagens se espalharam e, mais tarde, os Cinco Portões se abriram: a Escola Fayan, a Escola Guiyang, a Escola Caodong, a Escola Yunmen e a Escola Linji. No presente momento, na Grande Song China, somente a Escola Linji prospera por todo o país. Mas, apesar dos seus estilos diferentes, cada uma das Cinco Casas mantém o selo único da mente de Buda.
Na China, depois da última Dinastia Han, foram apresentados os ensinamentos das escrituras budistas, que se espalharam por toda a terra, mas não houve nenhum ensinamento conclusivo até agora. Quando o Bodidarma veio da índia, a raiz das vinhas entrelaçadas* foi imediatamente cortada e espalhou-se o puro e único darma–de-buda. Devemos ter esperanças de que assim será em nosso país.
4
Ora, todos os ancestres e todos os Budas que sustentam o darma-de-buda fizeram do sentar-se ereto a verdadeira senda do esclarecimento, praticando em meio ao samádi autopreenchedor. Aqueles que atingiram o esclarecimento na índia e na China seguiram este caminho. Assim foi feito porque os professores e discípulos transmitiram pessoalmente este excelente método como a essência do ensinamento.
Na tradição autêntica do nosso ensinamento diz-se que este darma-de-buda, diretamente transmitido e reto, representa o insuperável do insuperável. Da primeira vez que encontrardes um mestre, sem vos comprometerdes com oferenda de incenso, com reverência, entoar o nome de Buda, arrepender-se ou ler as escrituras, deveis apenas delicadamente vos sentar e assim abandonar corpo e mente.
5
Quando mesmo por um momento expressais o selo de Buda nas três ações, ao sentardes eretos em samádi todo o mundo fenomenal transforma-se no selo de Buda e o céu inteiro transforma-se em esclarecimento. Por isso, todos os tathagatas de Buda como fonte original aumentam a bem-aventurança do seu darma e renovam a sua magnificência no despertar do caminho. Além do mais, todos os seres nas dez direções e nos seis domínios, incluindo os três domínios inferiores, imediatamente obtêm corpo e mente puros, percebem o estado da grande emancipação e manifestam a face original. Neste momento todas as coisas percebem o correto despertar; infindos objetos participam do corpo de Buda; e, ao sentar-se eretamente, um rei sob a árvore bodi, imediatamente saltais para além da fronteira do despertar. Neste momento transformais a insuperavelmente grande roda do darma e expondes a profunda sabedoria, última e incondicionada.
Porque um despertar assim amplo ressoa de volta para vós e vos ajuda de modo inconcebível, no zazen sem dúvida alguma abandonareis corpo e mente, cortando os vários pensamentos profanados do passado e percebereis o darma-de-buda essencial. Assim, elevareis a atividade de Buda nos inumeráveis lugares de prática dos tathagatas de Buda por toda parte, fazendo com que todos tenham a oportunidade de seguir a budidade e vigorosamente elevar o contínuo darma-de-buda.
Porque terra, relva, árvores, paredes, telhas e pedras, todos se empenham na atividade de Buda, aqueles que recebem o benefício do vento e da água por eles causados são inacreditavelmente ajudados pela orientação de Buda, esplêndida e impensável, e intimamente despertos para si mesmos. Aqueles que recebem os benefícios desta água e deste fogo difundem a orientação de Buda, baseada no despertar original. Por isso, todos aqueles que moram convosco e convosco falam obterão a interminável virtude de Buda e se desdobrarão amplamente fora e dentro de todo o universo, o infinito, ininterrupto, impensável, inominável darma-de-buda.
6
Tudo isso, no entanto, não aparece na percepção porque é a não-construtibilidade na quietude – é a percepção imediata. Se a prática e a percepção fossem duas coisas, como parece a uma pessoa comum, cada uma poderia ser reconhecida separadamente. Mas o que pode ser encontrado com reconhecimento não é a percepção em si mesma porque a percepção não é alcançada por uma mente deludida. Na quietude, mente e objeto fundem-se na percepção e vão além do esclarecimento; entretanto, porque estais no estado do samádi autopreenchedor, sem perturbar sua qualidade ou mover uma partícula sequer, estendeis a grande atividade de Buda, o ensinamento incomparavelmente profundo e sutil.
Relva, árvores e terras abrasadas por este ensinamento juntas irradiam uma grande luz e infindavelmente expõem o inconcebível e profundo darma. Relva, árvores e paredes produzem o ensinamento de todos os seres, tanto das pessoas comuns quanto dos sábios. E eles, de acordo, estendem este darma em consideração à relva, às árvores e às paredes. Assim, o domínio do auto-despertar e do despertar dos outros conserva invariavelmente a marca da percepção sem que nada falte, e a própria percepção se manifesta sem cessar um momento sequer.
Assim sendo, até mesmo o zazen de uma única pessoa num momento concorda imperceptivelmente com todas as coisas e ressoa totalmente através de todos os tempos. Assim, no passado, no futuro e no presente do ilimitado universo, este zazen leva adiante o ensinamento de Buda infindavelmente. Cada momento do zazen é igualmente inteireza de prática, e igualmente inteireza de percepção.
Esta não é somente uma prática enquanto se está sentado, é como um martelo golpeando o vazio: antes e depois, seu refinado rebate permeia todos os lugares. Como pode ele limitar-se a este momento? Centenas de coisas manifestam todas a prática original da face original; é impossível medi-las. Sabei que, mesmo se todos os Budas das dez direções, tão inumeráveis quanto as areias do Ganges, exercessem a sua força e com toda a sabedoria de Budas tentassem medir o mérito do zazen de uma pessoa, não seriam capazes de compreendê-lo totalmente.
Pergunta 1:
Acabamos de ouvir que o mérito do zazen é elevado e grandioso. Mas uma pessoa ignorante pode ficar em dúvida e dizer: "Há muitos portões para o darma-de-buda. Por que recomendais exclusivamente o zazen?”
Resposta:
Por que este é o portão frontal para o darma-de-buda.
Pergunta 2:
Por que considerais apenas o zazen portão frontal?
Resposta: O
grande mestre Shakyamuni transmitiu corretamente este esplendido método de atingir o caminho, e tathagatas do passado, do futuro e do presente atingem todos o caminho fazendo o zazen. Por essa razão tem ele sido transmitido como o portão frontal. Não apenas isso, mas também todos os ancestres na Índia e na China atingiram o caminho fazendo o zazen. Assim, eu agora ensino este portão frontal para os seres humanos e os devas.
Pergunta 3:
Entendemos que transmitistes corretamente o excelente método dos tathagatas e estudastes os traços dos ancestres. Isto está além do alcance dos pensamentos comuns. No entanto, ler os sutras ou entoar o nome de Buda por si só deve ser uma causa do esclarecimento. Como se pode depender do zazen, apenas ficar sentado inutilmente e nada fazer, para atingir o esclarecimento?
Resposta:
Se pensardes que o samádi de todos os Budas, seu insuperável e grandioso método, é apenas ficar sentado inutilmente sem nada fazer sereis um daqueles que difamam o Grande Veículo. Vossa delusão será profunda – como dizer que não há água quando estais no meio do grande oceano. Todos os Budas sentam-se já graciosamente com conforto no samádi autopreenchedor. Não é isto produzir grande mérito? Que pena que vossos olhos não estejam ainda abertos e que vossa mente ainda esteja inebriada!
Ora, o domínio de todos os Budas é inconcebível. Não pode ser alcançado pela consciência. Menos ainda pode ser conhecido por aqueles que não têm nenhuma confiança e a quem falta sabedoria. Somente aqueles que têm a confiança certa e uma grande capacidade podem entrar neste domínio. Aqueles que não têm nenhuma confiança não o aceitarão, por mais que lhes seja ensinado. Até mesmo na assembléia no Pico do Abutre havia aqueles a quem o Buda Shakyamuni dizia: “Podeis sair, se assim desejardes”.3
Quando a confiança correta despertar, podeis praticar e estudar.
Se não, podeis esperar por um tempo e lamentar que não recebesses o benefício do darma do passado.
Ademais, entendeis o mérito atingido pelo ato de ler os sutras, entoar o nome de Buda e assim por diante? É desesperador pensar que apenas mover a língua e produzir um som seja uma meritória atividade budista. Se considerardes estas atividades o ensinamento de buda, ficará cada vez mais distante.
Na realidade o significado de estudar os sutras é que se entenderdes e seguintes as regras da prática para uma percepção repentina ou gradual, ensinada pelo Buda, sem dúvida atingireis o esclarecimento. Ao estudar os sutras não deveríeis despender pensamentos na vã esperança de que eles serão úteis para atingir a sabedoria.
Tentar tolamente alcançar o caminho de Buda pela prática de entoar infindas vezes é como tentar ir para o país meridional de Yue com vossa lança voltada para o norte ou ajustar uma estaca quadrada num buraco redondo. Olhar para as letras, mas ser ignorante a respeito do caminho da prática, é como ser um médico que esquece como prescrever remédio; que uso pode ter isso? As pessoas que entoam o tempo todo são como rãs coaxando dia e noite nos campos da primavera; seu esforço não será de nenhum valor, seja lá qual for. Piores ainda são aqueles que, deludidos pelo nome e pelo ganho, não podem abandonar tais práticas porque seu desejo por ganho é muito intenso. Houve tais pessoas no passado. Não há mais ainda? Realmente, que pena!
Entendei apenas que, quando um mestre que atingiu o caminho com mente clara transmite corretamente a um estudante que se fundiu à percepção, então o inconcebível darma dos Sete Budas, em sua essência, é realizado e mantido. Isso não pode ser conhecido por monges que estudam palavras. Por conseguinte, detende vossa dúvida, praticai o zazen sob a orientação de um professor correto e realizai o samadhi auto-preenchedor de todos os Budas.
Pergunta 4:
A Escola do Lótus e a Escola Avatamsaka, que foram transmitidas para o Japão, são ambas o definitivo ensinamento mahaiana. Além do mais, o ensinamento da Escola Mantra foi diretamente transmitido pelo Tathagata Vairochana para Vajrasatva, e sua linhagem de professor para discípulo não foi perturbada. Este ensinamento explica que "a mente em si mesma é Buda; a mente de todos torna-se Buda". Eles também advogam o correto esclarecimento dos Cinco Budas na postura sentada, em vez da prática através de muitos éons. Este deve ser visto como o supremo darma-de-buda. Assim, que aspecto bom da prática que mencionais faz com que a recomendeis, ignorando a prática das outras escolas?
Resposta:
Deveis saber que na casa de Buda não discutimos a superioridade ou a inferioridade do ensinamento nem nos ocupamos com a profundidade ou a superficialidade do darma, mas apenas com a genuinidade ou a falsidade da prática.
Há aqueles que, atraídos pela relva, pelas flores, pelas montanhas e pelas águas, fluem para o caminho de Buda. E há aqueles que, agarrando a terra, os rochedos, a areia e as pedras, manifestam o selo de Buda. De fato, embora as ilimitadas palavras do Buda transbordem entre infindas coisas, o girar da grande roda do darma está contido dentro de uma única partícula. Neste sentido, as palavras “A mente em si mesma é Buda, são como a lua refletida na água; o ensinamento "Sentar-se é em si mesmo tomar-se Buda” é como o reflexo no espelho. Não vos preocupeis com o esplendor das palavras. Ao mostrar o excelente caminho da transmissão direta pelos ancestres de Buda, estou apenas recomendando a prática da percepção imediata da sabedoria na esperança de que vos torneis verdadeiros praticantes do caminho.
Para
a transmissão do darma-de-buda, o professor deveria ser uma pessoa que se fundiu à percepção. Os eruditos que contam as letras não podem faze-lo; seriam como um cego guiando outro cego.
Aqueles que estão dentro do portão da correta transmissão dos ancestres de Buda veneram um consumado artesão que atingiu o caminho e fundiu-se com a percepção, e nele confiam com o apoio do darma-de-buda. Por causa disso, quando os seres espirituais dos domínios do visível e do invisível vierem prestar homenagem, ou quando os arhats que atingiram os frutos da percepção vierem indagar a respeito do darma, este mestre não deixará de dar os meios de esclarecer a sua mente-fundamento. Isto não é conhecido em outros ensinamentos. Assim, os discípulos de Buda devem estudar somente o ensinamento de Buda.
Também deveis saber que originalmente não sentimos falta do insuperado esclarecimento e com ele somos sempre enriquecidos. Mas porque não podemos aceitá-lo e tendemos a criar visões infundadas, considerando-as coisas reais, perdemos o grande caminho; os nossos esforços são infrutíferos. Por obra dessas visões, flores ilusórias vicejam em vários caminhos.
Tendeis a imaginar inexaurível a duodécupla causalidade do renascimento, as 25 existências ou visões como a dos Três Veículos, dos Cinco Veículos, a existência ou não de Buda. Mas não considereis essas visões nem as olheis como o modo correto de praticar o darma-de-buda.
Em vez disso, sentai em zazen dedicadarnente, formando o selo de Buda e abandonando todas as coisas. Então, ireis além da fronteira da delusão e do esclarecimento e, afastando-vos das sendas do ordinário e do sagrado, imediatamente perambulareis livremente fora do pensamento comum, enriquecidos com grande esclarecirnento. Se fizerdes isso, como podem aqueles que estão ocupados com a armadilha para o peixe ou com redes de caça feitas de palavras e letras ser comparados a vós?
Pergunta: 5:
Entre as três aprendizagens há a aprendizagem do samádi. Entre as seis perfeiçõe há a perfeição da meditação. Ambas foram estudadas por todos os bodisatvas desde o momento do despertar do pensamento do esclarecimento, e são ambas praticadas tanto pelo inteligente quanto pelo estúpido. O zazen do qual falais parece ser algo semelhante a isto. Por que dizeis que o verdadeiro ensinamento do Tathagata está contido nele?
Resposta:
Vossa pergunta nasce por causa do repositório do verdadeiro olho do dharma, a única grande matéria do Tathagata, o insuperável grande dharma, que foi denominado Escola Zen. Deveis saber que o nome “Escola Zen” apareceu na China e difundiu-se em direção ao leste. Não é conhecido na Índia. Quando o grande mestre Bodhidarma sentou-se voltado para a parede no Monastério Shaolin, no Monte Song, durante nove anos, nem os monges nem os leigos conheciam o verdadeiro ensinamento de Buda. Desse modo, chamaram-no de o Brahman que se concentra em zazen. Os tolos que o viam sem conhecerem a verdade, informalmente chamaram-na de Escola Zazen. Eles abandonaram a palavra za – sentar – e hoje em dia chamam-na de Escola Zen.
O significado deste ensinamento está claro através dos discursos dos vários ancestres. Não deveis compará-lo com a meditação das seis perfeições ou dos três ensinamentos.
A autenticidade da transmissão deste darma-de-buda esteve revelada através de todos os tempos. Há muito tempo, na assembléia no Pico do Abutre, o Tathagata confiou somente ao venerável Mahakashyapa o insuperável grande ensinamento, o repositório do verdadeiro olho do darma, a inconcebível mente do nirvana. Este acontecimento foi testemunhado pelos devas ainda vivos no mundo celestial; não deveis dele duvidar. Agora o darma-de-buda deve ser protegido para sempre por esses devas. Seus méritos não decresceram.
Deveis saber que este é todo o caminho do darma-de-buda e não pode ser comparado a mais nada.
Pergunta 6:
Por que, dentre as quatro posturas ensinadas na casa de Buda, enfatizais o sentar, recomendais a meditação Zen e expondes a entrada para a percepção?
Resposta:
É impossível conhecer completamente os métodos pelos quais todos os Budas do passado praticaram e entraram na percepção, um após outro. Se vos surpreendeis com os métodos de todos os Budas, deveríeis saber que o que quer que tenha sido usado na casa de Buda são seus métodos.
Mas um ancestre disse admiravelmente: “O zazen é o portão do darma do bem-estar e da alegria". 4 Entre as quatro posições, a sentada tem essas qualidades. Ademais, não é apenas a prática de um ou dois Budas; todos os Budas e ancestres seguem este caminho.
Pergunta 7:
Aqueles que não perceberam o darma-de-buda deveriam praticar o zazen e atingir a percepção. Mas e aqueles que já entenderam o correto ensinamento de Buda? O que esperam eles do zazen?
Resposta:
Embora não devamos falar sobre os sonhos em frente das pessoas ignorantes nem dar um remo a um lenhador, instruirei a respeito disso.
Supor que a prática e a percepção não sejam um, nada mais é do que uma visão herética; no darma-de-buda elas são inseparáveis. Porque a prática do momento presente é prática-percepção, a prática da mente dos iniciantes é, em si mesma, toda a percepção original.
Por conseguinte, quando damos instruções para a prática, dizemos que não deveis ter qualquer expectativa de percepção fora da prática, pois esta é a percepção original imediata. Porque esta é a percepção na prática, não há nenhum limite na percepção. Porque esta é a prática da percepção, não há nenhum começo na prática.
Deste modo, o Tathagata Shakyamuni e o venerável Mahakashyapa foram enriquecidos com a prática sobre a percepção;* o grande mestre Bodhidarma e o venerável ancestre Dajian também foram transformados pela prática da percepção. A tradição de residir no darma-de-buda é assim.
Já existe a prática que não é separada da percepção; felizmente cada um de nós herdou a prática inconcebível. A prática dos iniciantes é atingir individualmente a percepção original no fundamento do não-construído, Deveis saber que, de modo a não macular a percepção que é
inseparável da prática, os ancestres de Buda sempre vos advertem a não serdes negligentes na vossa prática. Se renunciardes à inconcebível prática, a percepção original encherá vossas mãos; se vos tornardes livres da percepção original, a inconcebível prática será sustentada com todo vosso corpo.
Ademais, como pessoalmente vi na Grande Song, os monastérios Zen tinham todos, em vários lugares, salões de meditação, onde havia 500, 600, 1 ou 2 mil monges e onde a prática do zazen era instigada dia e noite. Quando perguntei aos abades destes monastérios, os mestres que haviam herdado o selo da mente de Buda, sobre o significado essencial do darma-de-buda, disseram-me que a prática e a percepção não são duas coisas diferentes.
Por conseguinte, recomendo aos estudantes que já estudam com um professor, bem como a todas aquelas pessoas distintas, que desejam a verdade do darma-de-buda, fazer o zazen e empenhar-se no caminho, confiando no ensinamento dos ancestres de Buda sob a orientação de um professor, sem distinguir entre iniciante ou adiantado e sem se preocupar com o comum ou o sagrado.
Não ouvistes que um ancestre disse- “Não é que não haja nenhuma prática e nenhuma percepção, elas apenas não podem ser profanadas” Também é dito: "Alguém que entende o caminho pratica o caminho"5 . Deveis saber que a prática é feita em meio ao atingir do caminho.
Pergunta: 8:
Vários professores que foram à Tang China difundiram o ensinamento escritural no Japão, no passado, e aqui introduziram o ensinamento. Por que eles ignoraram a prática tal como a descrevestes e introduziram somente o ensinamento escritural?
Resposta:
A razão por que estes antigos professores não introduziram essa prática é que o momento ainda não era propício.
Pergunta 9:
Esses mestres dos tempos antigos entenderam este ensinamento?
Resposta:
Se o tivessem entendido, teriam-no difundido.
Pergíunta 10:
Disse um mestre:
Não lastimeis nascimento e morte. Há um modo imediato de ser livre do nascimento e da morte, a saber, conhecer o princípio de que a natureza da mente é permanente.
Isto significa que, porque este corpo já está no nascimento, é levado para a morte, mas a mente-natureza não perecerá . Deveis reconhecer que tendes em vosso corpo a mente-natureza, que não é afetada por nascimento e morte. Esta é natureza inerente. O corpo é uma forma temporária;
morre aqui e nasce ali, e não é fixo. A mente é permanente: não muda através do passado, futuro ou presente.
Entender isto é ser livre de nascimento e morte. Aqueles que reconhecem este princípio acabam com nascimento e morte para sempre. Assim, quando vosso corpo termina, entrais no oceano da Natureza. Quando fluís para dentro do oceano da natureza, atingís uma maravilhosa virtude, assim como todos os tathagatas. Mesmo que vos assegureis disto agora, porque vosso corpo é o resultado das ações deludidas das vidas passadas, não sois como todos àqueles que não reconhecem este princípio estarão no domínio do nascimento e da morte para sempre.
Por conseguinte, deveis vos apressar a entender que a mente-natureza é permanente. Se simplesmente passardes toda a vossa vida sentados ociosamente, o que podereis esperar?
Pergunta:
Uma afirmação como esta está de acordo com a senda de todos os Budas e ancestres?
Resposta:
A visão que mencionasses não é, de modo algum, o ensinamento de Buda, mas sim a visão do herético Senika. Ele disse:
Há uma alma no corpo e esta alma, ao encontrar condições, reconhece o bem e o mal, o certo e o errado. Discernir o padecer e o coçar, conhecer a dor e o prazer também é capacidade desta alma. No entanto, quando o corpo é destruído, a alma sai e nasce em outro mundo. Assim, parece estar morta aqui, mas como há nascimento em outro lugar é permanente, sem morte.
Seguir este ponto de vista e considerá-lo ensinamento de Buda é mais tolo do que agarrar uma telha ou uma pedra e considerá-la ouro. Uma ignorância vergonhosa como essa não pode ser comparada a nada. O Professor Nacional Huizhong, da Grande Tang, criticou profundamente isto.6 Aceitar o ponto de vista errado de que a mente é permanente e que a forma perece, considerando isto igual ao inconcebível ensinamento de todos os Budas, ou criar as causas de nascimento e morte, desejando-se separado de nascimento e morte – não é tolice? É profundamente lamentável! Entendei isso apenas como o ponto de vista errado dos hereges e não deis ouvidos a isso.
Não posso deixar de ser compreensivo; deixai-me resgatar-vos de vossa visão errada. Deveis saber que no darma-de-buda sempre foi dito que corpo e mente são não-separados, natureza e características não são dois. Isto era conhecido tanto na Índia quanto na China.
Desse modo, não há nenhum lugar para o equívoco. Na realidade, o ensinamento sobre a permanência diz que todas as coisas são permanentes, sem dividir corpo e mente. O ensinamento sobre a cessação diz que todas as coisas cessam, sem separar natureza e características. Como podeis dizer que o corpo perece, mas a mente é eterna? Não é contra o autêntico princípio? Não apenas isso, deveis entender que nascimento-e-morte é, em si mesmo, o nirvana. O nirvana não se explica fora de nascimento-e-morte. Mesmo que entendais que a mente é eterna, separada do corpo, e suponhais equivocadamente que a sabedoria de Buda está separada de nascimento-e-morte, esta mente do entendimento ou do reconhecimento ainda nasce e perece e não é permanente. Não será efêmera?
Deveis saber que o ensinamento de que corpo e mente são um está sempre sendo explicado no darma-de-buda. Então, como pode a mente sozinha deixar o corpo e não cessar, quando cessa o corpo? Se corpo e mente às vezes são não-separados e não não-separados algumas outras vezes, o ensinamento de Buda seria falso. Ademais, pensar que nascimento-e-morte deve ser rejeitado é o equívoco de ignorar o darma-de-buda. Deveis vos abster disso.
Deveis saber que o chamado “portão do darma de toda a realidade da mente-natureza”, no darma-de-buda, inclui o mundo fenomenal inteiro, sem separar a natureza das características ou o nascimento da morte. Nada, nem mesmo o bodi ou o nirvana, estão fora da mente-natureza. Todas as coisas e todos os fenômenos são somente uma mente – nada está excluído ou não-relacionado. Ensina-se que todos os portões do darma são igualmente uma mente, e não há nenhuma diferenciação. E assim que os budistas entendem a mente-natureza. Como podeis diferenciar isso em corpo e mente e separar nascimento-e-morte de nirvana? Vós já sois o filho de Buda. Não deis ouvido às línguas dos homens loucos, que citam visões heréticas.
Pergunta
11: Deveriam aqueles que estão inteiramente empenhados no zazen seguir estritamente os preceitos?
Resposta:
Ater-se aos preceitos e às ações puras é a regra do Portão do Zen e do ensinamento dos ancestrais de Buda. Mesmo aqueles que ainda não receberam os preceitos ou quebraram os preceitos ainda podem receber o benefício do zazen.
Pergunta 12:
Também é correto para aqueles que estudam o zazen empenhar-se em entoar os mantras ou em praticar a calma e a introspecção?
Resposta:
Quando eu estava na China e perguntei aos mestres a respeito da essência do ensinamento, disseram-me que nenhum dos ancestrais que corretamente transmitiu o selo de Buda na Índia e na China, no passado ou no presente, jamais se empenhou em tal combinação de práticas. Na verdade, sem vos devotar a uma coisa não podeis alcançar a sabedoria única.
Pergunta 13:
O zazen deveria ser praticado pelos leigos, homens e mulheres, ou apenas pelos que abandonam o lar?
Resposta:
Os ancestrais dizem: “No entendimento do darma-de-buda homens e mulheres, nobres e comuns não são distintos”.
Pergunta 14:
Aqueles que abandonam o lar estão livres de vários envolvimentos e não têm impedimentos no zazen, na busca do caminho. Como pode a laicidade, que tem várias ocupações, praticar com-mente-única e concordar com o darma-de-buda, que é não-construído?
Resposta: Os ancestrais de Buda, da sua bondade abriram o largo portão da compaixão de modo que permitisse a todos os seres sencientes entrarem na percepção. Quem dentre os seres humanos e celestiais não pode entrar?
Se investigardes os tempos antigos, vereis que os exemplos são muitos. Para começar, os imperadores Daizong e Shunzong tinham muitas obrigações no trono; no entanto, praticaram o zazen na busca do caminho e penetraram o grande caminho dos ancestrais de Buda. Os ministros Li e Fang, serviram ambos atentamente aos seus imperadores, mas praticaram o zazen, buscaram o caminho e entraram na percepção no grande caminho dos ancestrais de Buda.
Isso depende apenas de terdes ou não disposição. Não importa se sois leigo ou abandonastes o lar. Aqueles que podem discernir a excelência, invariavelmente chegam a esta prática. Aqueles que consideram os assuntos mundanos um impedimento ao darma-de-buda pensam apenas que não há nenhum darma-de-buda no mundo secular e não entendem que não há nenhum mundo secular no darma-de-buda.
Recentemente havia um alto oficial da Grande Song, o Ministro Feng, que estava adiantado no caminho dos ancestrais. Uma vez ele escreveu um poema a respeito de si mesmo:
Aprecio o zazen entre meus deveres oficiais
e raramente durmo numa cama.
Embora pareça ser ministro,
sou conhecido como um velho budista por todo o país.
Embora estivesse ocupado com os seus deveres oficiais, ele atingiu o caminho porque tinha uma profunda intenção para com o caminho de Buda. Levando em consideração alguém como ele, deveis refletir sobre vós mesmos e iluminar o presente com o passado.
Na Song China, reis e ministros, oficiais e pessoas comuns, homens e mulheres mantinham suas intenções no caminho dos ancestrais. Tanto os guerreiros quanto os literatos despertaram a intenção de praticar o Zen e estudar o caminho. Entre aqueles que despertaram a sua intenção, muitos iluminaram a sua mente-fundamento. Com isso sabeis que os deveres mundanos não impedem o darma-de-buda.
Se o verdadeiro ensinamento de Buda for largamente difundido pela nação, o governo do rei será pacífico porque todos os Budas e devas o protegerão incessantemente. Se o governo é pacífico, o ensinamento de Buda ganha poder.
Quando o Buda Shakyamuni estava vivo, mesmo aqueles que cometiam sérios crimes ou tinham visões equivocadas atingiam o caminho. Nas assembléias dos ancestrais, caçadores e lenhadores atingiram a percepção. Se assim foi para eles, assim será para os outros. Deveis apenas procurar o ensinamento de um mestre autêntico.
Pergunta 15:
Podemos atingir a percepção se praticarmos, mesmo neste último período do declínio?
Resposta:
Nas escolas escriturais, explicarn-se vários nomes e aspectos, mas nos verdadeiros ensinamentos mahaiana o darma não é dividido em períodos de verdade, imitação e declínio. Pelo contrário, ensina-se que todos atingem o caminho pela prática. Particularmente, neste ensinamento corretamente transmitido do zazen, sois enriquecidos com o tesouro de vós mesmos, entrando no darma e deixando para trás a servidão. Aqueles que praticam sabem se a percepção é ou não atingida, assim como aqueles que tomam água sabem se ela está quente ou fria.
Pergunta 16:
Diz alguém:
No darma-de-buda, compreender o significado de “a própria mente é Buda“6 é suficiente, sem entoar nenhum sutra nem praticar o caminho-de-buda. Saber que o darma-de-buda originalmente situa-se na mente é o completar para atingir o caminho. Além disso, não precisais buscar nada de mais ninguém. Por que iríeis vos preocupar com a prática do zazen e a busca do caminho?
Resposta:
Esta declaração é inteiramente infundada. Se o que dizes é verdade, então todos os que tem uma mente imediatamente entenderiam o significado do darma-de-buda. Deveis saber que o darma-de-buda é para ser pelo abandono da visão do eu e do outro.
Se o entedimento de "a própria mente é Buda” fosse o caminho, o Buda Sliakyamuni não teria se dado ao trabalho de explicar o caminho. Ora, deixai-me iluminar esta explicação com um excelente caso de um velho mestre:
Uma vez, um monge chamado diretor Xuanze estava na assembléia do mestre Zen Fayan. Fayan perguntou-lhe: “Diretor Xuanze, há quanto tempo estás na minha comunidade?".
Xuanze
disse: “Estudo convosco há três anos”.
O mestre disse: “Sois um retardatário. Por que não me perguntais a respeito do darma-de-buda?”
Xuanze disse: “Não posso decepcioná-lo, senhor. Quando estava estudando com o mestre zen Qingfeng [Baizhao Zhiyuan], dominei o lugar do bem-estar e da alegria no darma-de-buda“.
O mestre disse: “Com que palavras entrasses neste entendimento?”
Xuanze
disse: “Quando perguntei a Qingfeng: "Qual é o eu de um estudante Zen?" ele disse: "O deus do fogo aqui está para procurar o fogo"
Fayan
disse: “Essa é uma boa afirmação. Mas receio que não a entendesses”.
Xuanze
disse: “O deus do fogo pertence ao fogo. Desse modo, entendi que o fogo procura pelo fogo e o eu procura pelo eu”.
O mestre disse: “Na verdade, não entendestes. Se o darma-de-buda assim fosse, não teria sido transmitido até agora”.
Então, Xuanze ficou constrangido e retirou-se. Mas no caminho disse para si mesmo: “O mestre é um professor renomado neste país, um grande líder de 500 monges. Sua crítica relativa a minha falta deve ter alguma razão”. Ele voltou a Fayan, desculpou-se, e disse: “Qual é o eu de um estudante Zen?".
Fayan
disse: “O deus do fogo aqui está para procurar o fogo”.
Ao ouvir esta afirmação, Xuanze teve uma grande percepção do darma-de-buda. 7
Deste modo, sabemos que o mero entendimento de “o próprio eu é Buda” é não conhecer o darma-de-buda. Se o entendimento de “o próprio eu é Buda” fosse o darma-de-buda, Fayan não teria feito tal crítica ou dado tal orientação. Deveis indagar apenas sobre as regras da prática tão logo encontreis o mestre, praticar o zazen de mente-única e buscar o caminho, sem deixar um meio-entendimento em vossa mente. Então, a excelente arte do darma-de-buda não será em vão.
Pergunta
17: Ouvimos dizer que na índia e na China houve pessoas, no passado e no presente, que perceberam o caminho ao ouvir o som de um bambu sendo batido ou que entenderam a mente ao ver a cor das florescências. O Grande Mestre Shakyamuni foi despertado para o caminho quando viu a estrela da manhã e o venerável Ananda entendeu o darma quando um estandarte caiu ao chão. Não apenas isso, mas depois do Sexto Ancestre, na China, entre as Cinco Escolas, havia muitos que entenderam a mente-fundamento com uma única palavra do discurso ou com meia frase. Nem todos eles necessariamente fizeram o zazen na busca do caminho, fizeram?
Resposta:
Dos que entenderam o caminho ao ver uma forma ou perceberam-no ao ouvir um som, nenhum tinha pensamento intelectual com relação ao empenho do caminho ou qualquer eu além de seu eu original.
Pergunta 18:
As pessoas na índia e na China são refinadas por natureza. Como estão no centro da civilização, quando o darma-de-buda lhes é ensinado, imediatamente nele podem entrar. As pessoas em nosso país, desde os tempos antigos, têm menos sabedoria, e é difícil nutrir a correta semente do prajna. Isso porque somos incivilizados. Não é lamentável? Desse modo, os monges em nosso país são inferiores até mesmo à laiciciade presente nesses grandes países. Toda a nossa nação é tola e de mente estreita, e somos profundamente, apegados ao mérito visível e gostamos da excelência mundana. Se pessoas como nós fizerem o zazen, será possível perceber imediatamente o darma-de-buda?
Resposta: O
que dizeis é correto. Entre o povo, em nosso país, a sabedoria ainda não prevalece e sua natureza é um tanto grosseira. Mesmo se o darma correto lhes é explicado seu néctar torna-se venenoso. Facilmente perseguis nome e ganho e é difícil para vós libertar-vos da delusão.
No entanto, entrar na percepção do darma-de-buda não exige a sabedoria mundana dos humanos e devas, como um barco para fugir do mundo. Quando o Buda estava vivo, alguém percebeu os quatro frutos quando ele foi atingido por uma bola;8 um outro entendeu o grande caminho, vestindo um manto, de brincadeira9. Eram ambos ignorantes como bestas, mas com a ajuda da confiança certa foram capazes de se libertar da delusão. Uma mulher leiga, ao servir comida a um velho monge ignorante, que estava sentado em silêncio, foi esclarecida.
Isso não dependeu de sabedoria, escritura, palavras ou discurso; foi provocado apenas pela confiança correta.
Ademais, o ensinamento do Buda Shakyamuni foi difundido no triquiliocosmo durante cerca de dois mil anos. Esses países não são necessariamente países de sabedoria e o povo não é necessariamente arguto e inteligente. No entanto, o verdadeiro darma do Tathagata tem, em essência, um grande e inconcebível poder meritório e se difundirá nesses países no momento oportuno.
Se praticantes com a confiança certa atingireis o caminho, independentemente de serdes argutos ou estúpidos. Não penseis que o darma-de-buda não pode ser entendido neste país porque este não é um país de sabedoria e o povo é tolo. De fato, todos têm em abundância a correta semente do prajna, mas ela raramente atinge o alvo e nos enriquece.
Esta troca de perguntas e respostas pode ter sido um tanto confusa; um certo número de vezes as flores-do-céu foram feitas para vicejar. No entanto, como o significado do zazen na busca do caminho não foi transmitido neste país, aqueles que o desejam conhecer podem estar pesarosos. Por conseguinte, para o bem daqueles que desejam estudar, registrei alguns dos ensinamentos essenciais dos professores de-olhar-claro, que aprendi na China. Além disso, as regras, nos lugares de prática, e os regulamentos nos monastérios são mais do que eu posso mencionar. Eles não devem ser discutidos apressadamente.
Ora, o nosso país fica a leste do oceano do dragão, longe da China. Mas o ensinamento de Buda foi transmitido em direção ao leste, mais ou menos na época dos Imperadores Kimmei e Yomei. Esta é a boa fortuna do nosso povo. No entanto, a filosofia e os rituais enredaram-se, e a verdadeira prática perdeu-se. Ora, se fizerdes da vossa vida roupões remendados e tigelas emendadas, construirdes uma cabana de colmo próxima a um penhasco musgoso ou a um rochedo branco e praticantes o sentar-se ereto, imediatamente ireis além do Buda e diretamente dominareis a grande matéria do vosso estudo de vida. Esta é a advertência do Dragão Fang, o caminho transmitido da prática do Pé-de-galo. Com relação ao método do zazen, eu vos encaminharia à “Ampla recomendação do zazen“, que escrevi na Era Karoku [1225-1227].
Embora o edito do rei seja necessário para difundir o darma no país, se pensarmos no Buda confiando o darma a reis e ministros no Pico do Abutre, todos os reis e ministros que apareceram no triquiliocosmo nasceram por causa de seu desejo, num nascimento anterior, de proteger e guardar o darma-de-buda. No entanto, difundir o caminho dos ancestres de Buda não depende necessariamente do lugar ou das circunstâncias. Pensai apenas que hoje é o começo.
Desse modo, escrevi isso para deixar para as pessoas de excelência que desejam o darma-de -Buda, e para os verdadeiros estudantes, que, perambulando como as plantas aquáticas, procuram o caminho.
Solstício do outono do terceiro ano de Kanki [1231], por Dogen, que transmitiu o darma vindo da Song China.
Notas:
1. O primeiro escrito de Dogen em japonês que se conhece. Completado como um ensaio independente no dia da lua da colheita (décimo quinto dia do oitavo mês), 1231, três anos depois de Dogen ter voltado da China e dois anos antes de fundar seu primeiro centro de prática, no Monastério Kosho Horin. De acordo com o “Eliminando visões erradas do Repositório do verdadeiro olho do darma”, de Menzan (“Shobogenzo Bvakujakuketsu”, 1738), o texto foi entregue na casa de um cortesão, em Quioto. Incluído na versão dos 95 fascículos, de Kozen, como fascículo de abertura.
Outras traduções: Kennett, pp. 138-54, “Preleção sobre o treinamento”. Masunaga, pp. 133-61. Nishiyama e Stevens, vol. 1, pp. 147-61. “Uma história da prática blidista”. Waddell e Abe, “Beiidowa de Dogen”.
2. Todos os Budas continuamente percebem o darma e não se apegam ao reconhecimento intelectual da sua percepção. Os seres sencientes não estão separados do darma, mas esta percepção não aparece em seu conhecimento.
3. De acordo com o Stitra do lótus, “Meios hábeis”: Na Assembléia da Florescêiicia do Darma no Pico do Abutre, cinco mil pessoas arrogantes saíram, dizendo que não precisavam ouvir mais de tal ensinamento que era diferente do ensinamento do passado. O Buda Shakyamuni não os deteve e disse: “Podeis sair, se desejardes”.
4. Regulanientos para monastérios Zen, cap.
8.
5 Palavras de Sikong Benjing, RJTL, cap.5
6. RJTL, cap. 17. Também, RVOD, “A própria mente é Buda” (“Sokushin zebutsu”).
7. Registro extensivo do Mestre Zen Hongzhi, cap. 1.
8. De acordo com o Sutra do depósito dos vários tesouros, cap. 9: Um velho monge, ao ouvir alguns monges jovens conversar sobre os quatro frutos do caminho, pediu-lhes para lhe dar os frutos. Os jovens monges golpearam-no nas costas com uma bola, dizendo: “Este é o primeiro fruto”. Nesse momento o velho monge atingiu o primeiro fruto do caminho, o estágio daquele-que-entra-no-fluxo. Ao ser golpeado quatro vezes, ele atingiu todos os quatro frutos do caminho.
9. De acordo com o Comentário sobre o sutra Maliaprajnaparamita, de Nagarjuna, cap. 13, a monja Utpala vestia um roupão de monja por brincadeira em uma das suas vidas anteriores. Por isso, tornou-se monja num nascimento subseqüente no tempo do Buda Kashyapa.
10. De acordo com o Sutra do depósito dos vários tesouros, cap. 9: Uma mulher leiga ofereceu uma refeição a um monge velho e ignorante. Depois ela lhe pediu para conversar sobre o darma, sentando-se com a postura ereta e de olhos fechados. Incapaz de explicar o darma, o velho monge fugiu correndo. Enquanto esperava, a mulher atingiu o primeiro fruto do caminho. Mais tarde, quando a mulher agradeceu-lhe, o monge sentiu-se envergonhado. Desse modo, ele também atingiu o primeiro fruto do caminho.
organizado por K. Tanahashi – Ed. Siciliano