Esta é a terceira conferência. Antes de iniciar prescreverei uma nova forma de concentração. Ao invés de contarem suas aspirações como até agora, contem “um” na primeira inspiração, “dois” na inspiração seguinte, e assim por diante, até dez. Isto é mais difícil do que contar as expirações, porque toda atividade mental e física é realizada com a expiração. Por exemplo, logo antes de atacarem os animais respiram. Este princípio é bem conhecido na esgrima kendo ou na luta judô, onde se aprende que, observando cuidadosamente a respiração do adversário, pode-se antecipar o ataque. Ainda que seja difícil esse exercício, devem procurar praticá-lo como um novo método de concentrar sua mente. Até que voltem a estar novamente diante ‘de mim, deverão concentrar contando as inspirações, não de forma audível mas apenas com a mente.
Makyo,
são os fenômenos-visões, alucinações, fantasias, revelações, sensações ilusórias — que as pessoas que praticam o zazen são capazes de experimentar num estágio particular de seu sentar-se. Ma significa “diabo” e kyo “o mundo objetivo”. Portanto, o makyo são fenômenos perturbadores ou “diabólicos” que surgem em alguém durante o zazen. Estes fenômenos não são em si mesmo ruins. Tornam-se sérios obstáculos à prática somente se alguém ignorar sua verdadeira natureza e for iludido por eles.
A palavra makyo é usada tanto num sentido geral como no específico. Falando em geral, toda a vida do homem comum não é mais que makyo. Mesmo Bodhisattvas tais como Monju e Kannon, altamente desenvolvidos como são, ainda possuem traços do makyo; se assim não fosse seriam Budas supremos, completamente libertados do makyo. Alguém que se apegue ao que realiza pelo satori está ainda no limite do mundo do makyo. Assim, vocês verão que existe makyo mesmo depois da iluminação, mas não entraremos neste aspecto do assunto nesta conferência.
No sentido específico o número de makyo que pode aparecer é de fato ilimitado, variando de acordo com a personalidade e o temperamento de quem está sentado.
Na sutra Ryogon / Sugarangama / Buda adverte contra cinqüenta formas diferentes, mas naturalmente refere-se apenas às mais comuns. Se vocês participam de um sesshin de cinco a sete dias de duração e se concentram assiduamente., no terceiro dia, provavelmente, terão a experiência do makyo em graus variáveis de intensidade. Ao lado dos que envolvem a visão, há numerosos makyo que se relacionam com os sentidos do tato, do olfato, ou da audição ou levam às vezes o corpo de repente a mover-se de um lado para outro, ou de frente para trás ou a deitar-se de um lado ou a parecer que mergulha ou ressurge. Não raro saem inopinadamente palavras incontroláveis ou mais raramente, alguém imagina estar sentindo um perfume de fragância particular. Há casos até, em que sem percepção consciente se escrevem coisas que se tornam profeticamente verdadeiras.
São muito comuns as alucinações visuais. Vocês estão fazendo o zazen com os olhos abertos; quando de repente as estrias entrelaçadas da esteira à sua frente parecem mover-se para cima e para baixo como ondas. Ou, sem aviso prévio, tudo poderá mudar-se em branco ou preto diante dos seus olhos. Um nó da madeira da porta pode repentinamente parecer uma fera, um demônio ou um anjo. Um discípulo meu costumava ter visões de máscaras — máscaras de demônios ou máscaras de palhaço. Perguntei-lhe se tivera antes alguma experiência em particular com máscaras e respondeu que as havia visto num festival de Kyushu quando era criança. Outro homem que conheci estava extremamente perturbado na sua prática pelas visões de Buda e de seus discípulos andando à sua volta recitando sutras, e só conseguiu libertar-se da alucinação pulando dentro de um tanque de água gelada por dois ou três minutos.
Muitos makyo envolvem a audição. Alguém poderá escutar o som de um plano, ou ruídos fortes, tais como explosões (que ninguém mais escuta) e até pular. Um discípulo meu costumava ouvir o som da flauta de bambu, enquanto fazia o zazen. Aprendera a tocar a flauta de bambu muitos anos antes, há muito a abandonara, mas sempre lhe voltava o som quando se sentava.
No zazen Yojinki encontramos o seguinte sobre o makyo: “O corpo poderá sentir-se aquecido ou frio ou enregelado ou duro ou pesado ou leve. Isto acontece quando a respiração não está bem harmonizada (com a mente) e precisa ser cuidadosamente regulada”. E prossegue dizendo: “Pode-se experimentar a sensação de mergulho ou de flutuação, ou alternadamente sentir-se tonto ou vivamente alerta. O discípulo poderá desenvolver a faculdade de ver através de objetos sólidos como se fossem transparentes, ou poderá experimentar seu próprio corpo como substância translúcida. Poderá ver Budas e Bodhisattvas. Percepções penetrantes subitamente chegam até ele, ou passagens de sutras que eram particularmente difíceis de compreender poderão de repente tornar-se luminosamente claras para ele. Todas estas visões e sensações anormais são apenas sintomas de um enfraquecimento surgido do desajustamento da mente com a respiração”.
Outras religiões e seitas dão muito valor a experiências que envolvem visões de Deus ou audição de vozes celestes, o fazer milagres, receber mensagens divinas ou purificar-se por meio de variados ritos. Na seita Nichiren, por exemplo, os devotos invocam em alta voz e repetidamente o nome da sutra Lotus, acompanhado de movimentos corporais vigorosos, e sentem que por este meio se purificam em suas máculas. Em graus variados, tais práticas levam a uma sensação de bem-estar, entretanto no ponto de vista Zen todos estes estados são mórbidos, destituídos de sentido religioso e portanto apenas um makyo.
Qual é a natureza essencial deste fenômeno perturbador que chamamos de makyo? São estados mentais passageiros que aparecem durante o zazen quando nossa capacidade de concentração desenvolveu-se até certo ponto e nossa prática começa a amadurecer. Quando as ondas, do pensamento que aumentam e diminuem na superfície da sexta ‘classe da consciência parcialmente se acalmam, elementos residuais de experiências passadas “alojadas” na sétima ou oitava classe da consciência logram esporadicamente chegar à superfície da mente, trazendo a sensação de uma realidade maior ou extensa. O makyo é portanto uma mistura do real e do irreal, não diferente dos sonhos ordinários. Assim como os sonhos não aparecem a pessoas em sono profundo mas apenas quando estão meio adormecidas e meio acordadas, assim o makyo não surge naqueles que estão em profunda concentração ou samadhi. Nunca se permitam a tentação de pensar que estes fenômenos são reais ou que as próprias visões têm algum sentido. Ter uma bela visão de um Bodhisattva não significa para alguém estar mais perto de se tornar um deles, como o sonho de ser milionário não significa que será mais rico quando acordar. Assim não há motivo de se sentirem envaidecidos por causa de um makyo. Da mesma forma, seja qual for o monstro horroroso que possa lhes aparecer, não há motivo algum para se alarmarem. Sobretudo, não se deixem atrair por visões de Buda ou de deuses que os abençoam ou comunicam uma mensagem divina, ou por makyo envolvendo profecias que acabam se concretizando. Isto desgasta suas energias na insensata procura de coisas sem importância.
Mas tais visões são com certeza sinal de que vocês estão num ponto crucial do seu sentar-se e que, se continuarem a exercitar-se como o maior esforço, certamente hão de experimentar o kensho. A tradição relata que mesmo Buda Shakyamuni, logo antes do seu próprio despertar, experimentou inumeráveis makyo, que chamou de “demônios estorvadores”. Quando aparecerem os makyo, vocês simplesmente os ignorem e continuem a sentar-se com toda a força de vontade.