A Cachoeira (Castro Alves)
MAS SÚBITO da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas…
Titubantes — no álveo do rio —
remem as lapas dos titães coevas!…
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!…
Quando no lodo fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra sucr’uiúba o cheiro imundo…
Mas já tarde silvando o monstro voa…
E o novilho preado os ares troa!
Então doido de dor, sânie babando,
Co’a serpente no dorso parte o touro…
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro…
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro…
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.
Assim dir-se-ia que a caudal gigante
— Larga sucuruiúba do infinito —
Co’as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!…
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito…
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!…
Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto…
Atropela-se, empina, espuma o bando…
E em massa rui no precipício aberto…
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto…
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas…
A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Agüentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai do ombro.
Grupo enorme do fero Laocoonte
Viva a Grécia acolá e a luta estranha!…
Do sacerdote o punho e a roxa fronte…
E as serpentes de Tênedos em sanha!…
Por hidra — um rio! Por áugure — um monte!
Por aras de Minerva — uma montanha!
E em torno ao pedestal laçados, tredos,
Como filhos — chorando-lhe — os penedos!!!…