Apostrofe à Carne (Augusto dos Anjos)
Quando eu pego nas carnes do meu rosto.
Pressinto o fim da orgânica batalha:
Olhos que o húmus necrófago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…
E o Homem — negro e heteróclito composto,
Onde a alva flama psíquica trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!
Carne, feixe de mônadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos,
Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!