As litanias de Satã (2)

As litanias de Satã (2) (Charles Pierre Baudelaire)

Tradução de Paulo Cesar Pimentel

Ó tu, o anjo sublime, ó fonte de esplendores,
Deus que a sorte privou de agrados e louvores,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Ó Príncipe do exílio a quem traição furtiva,
Venceu, e que manténs a fronte sempre altiva,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que tudo prevês, soberano do Inferno,
Que consolas o horror do sofrimento eterno,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que os párias mais vis, os leprosos, fizeste
Alcançar pelo amor a ventura celeste,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Ó tu que junto a Morte, a tua velha amante,
A Esperança criaste, esquiva e fascinante!

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que insuflas ao réu o olhar calmo e elevado
Que humilha um povo inteiro aos pés de um condenado,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que sabes da terra os lugares distantes
Onde Deus escondeu lindas pedras faiscantes,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que vês claramente os negros arsenais,
Onde dorme escondido o mundo dos metais,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que escondes o abismo, o fundo precipício,
Ao sonâmbulo errando à beira do edifício,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que aparas o choque e amortece o abalo
Do bêbado que cai nas patas de um cavalo,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, a fim de acalmar o homem fraco que sofre,
Nos fizestes juntar o salitre ao enxofre,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que marcas na fronte, ó cúmplice sutil,
O Creso sem remorso, entre feroz e vil,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que pões da mulher na alma indecisa e vaga
A paixão do farrapo e a devoção da chaga,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Amparo do proscrito, archote do inventor,
Confessor do enforcado e do Conspirador,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !

Ó Pai espiritual daqueles desgraçados
Que foram pelo Padre Eterno escorraçados,

Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !

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