O gosto do nada (Charles Pierre Baudelaire)
Tradução de Guilherme de Almeida
Morno espírito, antigamente afeito à luta,
A Esperança, que te esporeava outrora o ardor,
Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,
Cavalo que tropeça em tudo e em vão reluta.
Dorme, ó meu coração; desiste, ó massa bruta!
Espírito vencido, em ti, velho impostor,
Já não tem gosto o amor, nem o tem a disputa;
Não mais a voz do cobre ou da flauta escuta!
Deixa esta alma sombria, o Prazer tentador!
Perdeu a Primavera o seu cheiro de flor.
E o tempo me devora em marcha resoluta,
Como a ampla neve um corpo rijo de torpor;
Contemplo do alto o globo túmido e incolor;
E nele nem procuro o abrigo de uma gruta!
Vais levar-me, alavanca, em tua queda abrupta?