O sol (Charles Pierre Baudelaire)
Tradução de Fontoura Xavier
Quando pelo arrabalde as persianas descidas
Velam de madrugada sobre as casas adormecidas
E mal desperto o sol, com seus raios amigos,
Bate já os choupais, os caminhos e os trigos,
Gosto de me entregar aos assaltos de esgrima
E acontece, ao cair a fundo sobre a rima,
Aos encontrões num verbo, aos pulos no valado,
Colher um verso em flor a séculos sonhado.
O sol, o bom sol, tem coisas deliciosas;
Desperta nos tojais os versos e as rosas,
Espanca a sombra, a treva e, semeando às mãos cheias,
Enche os panais de mel e os cérebros de idéias.
É ele quem transforma as grandes revoadas
Dos pássaros do ar em estrofes cantadas,
Quem põem dentro de nós as ânsias do porvir
E a todos faz amar, reviver e florir.
Quando vem como rei, no inverno, aos povoados,
Faz então ainda mais do que faz pelos prados:
Queima o manto real e com as chamas se cobre
O palácio do rico e a lareira do pobre.