Vagabundo (Álvares de Azevedo)
“Eat, drink, and love; what can the rest avail us?”
-Byron, Don Juan
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão adoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.
Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas carvernas do peito, sufocante,
Quando à noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.
Namoro e sou feliz nos meus amores;
Sou garboso e rapaz…Uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada…
Oito dias lá vão que ando cismando
Na donzela que ali defronte mora.
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora…
Tenho por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.
O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.
Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.
Sinto-me um coração de lazzaroni;
Sou filho do calor, odeio o frio,
Não creio no diabo nem nos santos…
Rezo à nossa senhora e sou vadio!
Ora, se por aí alguma bela
Bem doirada e amante da preguiça
Quiser a nívea mão unir à minha,
Há de achar-me na Sé, domingo, à missa.