Neill
DADOS BIOGRAFICOS
Venerado pelos amantes da liberdade irrestrita, abominado pelos partidários de uma educação tradicional e respeitado pelos que reconhecem a importância de flexibilizar a hierarquia escolar. Assim o educador, escritor e jornalista Alexander Sutherland Neill (1883-1973) – fundador da Summerhill School, na Inglaterra – viveu boa parte de seus 90 anos. Sua escola tornou-se ícone das pedagogias alternativas ao concretizar um sistema educativo em que o importante é a criança ter liberdade para escolher e decidir o que aprender e, com base nisso, desenvolver-se no próprio ritmo.
A época em que ele viveu justifica grande parte de suas idéias. “Depois da Primeira Guerra Mundial, a humanidade sentiu-se desapontada consigo mesma ao ver as grandes invenções utilizadas para a destruição”, conta Luiz Fernando Sangenis, professor de filosofia da educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutrinas totalitárias como o fascismo, o nazismo e o comunismo se estabeleceram, fazendo com que diversos pensadores começassem a clamar por liberdade de pensamento e de ação.
“Nossa cultura não tem tido grande sucesso. Nossa educação, nossa política, nossa economia levam à guerra. Nossa medicina não põe fim às moléstias. Nossa religião não aboliu a usura, o roubo… Os progressos da época são progressos da mecânica em rádio e televisão, em eletrônica, em aviões a jato. Ameaçam-nos novas guerras mundiais, pois a consciência social do mundo ainda é primitiva”, escreveu Neill no livro Liberdade sem Medo.
Disposto a construir um mundo melhor por meio da escola, Neill tornou-se um dos mais importantes educadores das décadas de 1960 e 1970. Seu respeito pela infância e sua coragem em manter uma posição de independência fazem com que até hoje ele mereça ser revisto e estudado.
Educação libertária
Homem prático e pouco afeito a teorias, Neill desenvolveu suas idéias pedagógicas baseando-se no filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que acreditava na bondade inata do homem. As descobertas no campo da psicologia no início do século 20 também exerceram forte influência sobre ele, com destaque para os estudos dos psicanalistas austríacos Sigmund Freud (1856-1939) e Wilhelm Reich (1897-1957), com quem fazia terapia. De acordo com Neill, a educação deveria trabalhar basicamente com a dimensão emocional do aluno, para que a sensibilidade ultrapassasse sempre a racionalidade. Ele acreditava que a convivência com os pais, com sua natural superproteção, impedia os filhos de desenvolver a segurança suficiente para reconhecer o mundo, seja de forma intelectual, emocional ou artística. Por isso, os alunos tinham de morar em Summerhill e recebiam a visita dos pais esporadicamente.
Felicidade X sucesso
Neill queria que seu método fosse utilizado como remédio para a infelicidade causada pela repressão e pelo sistema de modelos imposto pela sociedade de consumo, pela família e pela educação tradicional. Ter sucesso era, em sua opinião, ser capaz de trabalhar com alegria e viver positivamente. É célebre sua afirmação: “Gostaria antes de ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico”. Neill acreditava que as crianças eram naturalmente sensatas, realistas, boas e criativas. Quando educadas sem interferências dos mais velhos, seriam capazes de se desenvolver de acordo com sua capacidade, seus limites e seus interesses, sem nenhum tipo de trauma. “Toda e qualquer interferência por parte dos adultos só as torna robôs”, afirmava. As intervenções, segundo ele, roubavam a alegria da descoberta e a autoconfiança necessária para a superação de obstáculos, causando sentimentos de inferioridade e dependência, duas fortes barreiras para a felicidade completa.
Summerhill
Na área da educação, o educador britânico Homer Lane foi a principal influência de Neill. Ele também era um grande admirador e amigo do psicanalista Wilhelm Reich e se dedicava aos estudos da teoria freudiana.
O autor acreditava que a felicidade é fundamental para o desenvolvimento das crianças e que essa felicidade tem origem num senso de liberdade das mesmas. Para ele, as escolas tradicionais privam de liberdade seus alunos e as consequências da infelicidade vivida pelas crianças reprimidas estão na origem da maioria dos problemas psicológicos da vida adulta.
A fundação de Summerhill deu formato as propostas pedagógicas de Neill, distintas da linha hegemônica da época. Sustentava que os jovens devem ser estimulados a aprender em um ambiente de liberdade e de responsabilidade.
Influenciado pelo pós-I Guerra Mundial, o autor parte do princípio de que a humanidade está doente e essa doença decorre do tratamento repressivo que as crianças recebem numa sociedade patriarcal. Inclusive nas questões ligadas à repressão sexual, em especial quando associadas a normas religiosas mal compreendidas. Responde a isso afirmando que toda criança tem direito à liberdade e que um grupo de crianças se auto-regula, estabelecendo em conjunto as próprias normas. “Para resumir, meu ponto de vista é que a educação sem liberdade resulta numa vida que não pode ser integralmente vivida. Tal educação ignora quase inteiramente as emoções da vida, e porque essas emoções são dinâmicas, a falta de oportunidade de expressão deve resultar, e resulta, em insignificância, em fealdade, em hostilidade. Apenas a cabeça é instruída. Se as emoções tivessem livre expansão, o intelecto saberia cuidar de si próprio.” (NEILL, 1963, p.93)
Em Summerhill, as crianças não são obrigadas a assistir as aulas e, além disso, as decisões da escola são tomadas em assembléias onde todos votam, incluindo professores, alunos e funcionários. Para o autor, a experiência nessa escola mostrou que, sem a coerção das escolas tradicionais, os estudantes orientam sua aprendizagem através do seu próprio interesse, ao invés de orientar pelo que lhe é imposto.
Na escola, nenhum adulto tem mais direitos que uma criança, todos tem direitos iguais. Nesse sentido o autor destaca a diferença entre os conceitos de liberdade e licença. Para Neill todos devem ser livres, porém isso não implica numa liberdade sem limites. Ninguém tem licença para interferir no espaço de outra pessoa e, ao mesmo tempo, todos têm total liberdade para fazerem o que quiserem no que disser respeito a si próprio. Por isso que ninguém deve determinar quais aulas uma criança deve freqüentar. Mas, ao mesmo tempo, ninguém tem direito de atrapalhar uma atividade coletiva. Liberdade não pode significar direito de fazer o que bem quiser a hora que quiser. Excesso de liberdade se transforma em licenciosidade.
Neill criticava a escola tradicional também por enfatizar demais o lado racional das pessoas, em detrimento do lado emocional. Nesse sentido, em sua escola o teatro, a dança, os trabalhos manuais, ganham um destaque grande frente às disciplinas tradicionais. As aulas das matérias convencionais existem, mas não são o centro da escola.
Como diretor, ele dava aulas de álgebra, geometria e trabalhos manuais. Geralmente dizia que admirava mais aqueles que possuíam habilidades para o trabalho manual do que aqueles que se restringiam ao trabalho intelectual. Durante um período trabalhava individualmente com alguns alunos numa espécie de sessão de terapia. Após algum tempo abandonou esse trabalho individual, pois concluiu que com as sessões ou sem os alunos resolviam seus problemas de qualquer forma. A liberdade era a responsável por isso
Bibliografia
- 1960: Liberdade sem medo (Summerhill)
- 1966: Liberdade sem excesso (Freedom – Not License!)
- 1967: Liberdade no lar (The problem family)
- 1967: Liberdade na escola (Talking of Summerhill)
Liberdade sem medo (Summerhill)
Prefácio de Erich Fromm
…poucos pais têm coragem suficiente e a independência necessária para pensar mais na felicidade de seus filhos do que no “sucesso” deles.
O princípio básico da autodeterminação é substituição da autoridade pela liberdade, ensinando-se a criança sem uso da força, e sim através do apelo à sua curiosidade e às suas necessidades espontâneas.
A idéia da liberdade para as crianças não está errada, mas tem sido sempre pervertida.
A autoridade usava a força física e foi substituída pela manifestação psíquica.
Pais e professores têm confundido a autentica educação despida de autoritarismo com educação por meio de persuasão e coação ocultas.
Summerhill não expõe uma teoria: relata uma experiência de quase 40 anos.
A sustentação básica de Neill é de que “a liberdade funciona”.
Os princípios fundamentais de seu sistema são:
- Fé inquebrantável na “bondade da criança”. A criança não nasce deformada, covarde, nem autômata, mas com amplas possibilidades para amar e se interessar pela vida.
- O alvo da educação – que vem a ser o alvo da vida – é trabalhar jubilosamente e encontrar felicidade. Ter felicidade significa estar interessado na vida.
- Na educação o desenvolvimento intelectual não é suficiente. Ela deve ser intelectual e emocional.
- A educação deve estar entrosada com as necessidades psíquicas da criança. A criança não é altruísta. O altruísmo se desenvolve depois da infância.
- Disciplina e castigo geram medo. Medo gera hostilidade.
- Liberdade não significa permissividade. O respeito deve ser mútuo. Uma criança não pode se impor a um adulto só por ser uma criança, nem pode ser submetida à imposição do adulto.
- Toda a relação com a criança deve ser de absoluta sinceridade.
- O desenvolvimento humano torna necessário que a criança corte, eventualmente, os laços essenciais que a ligam a seu pai e sua mãe, ou a substitutos posteriores, na sociedade, a fim de tornar-se de fato independente.
- Sentimentos de culpa têm, antes de mais nada, a função de prender a criança a autoridade.
- A escola não deve oferecer ensino religioso nem impor qualquer tendência as crianças.
A disciplina extensiva imposta às crianças é prejudicial e impede o desenvolvimento psíquico sadio.
A criança deve usar toda sua energia para conseguir união com o mundo, em lugar de buscar segurança através de submissão ou domínio.
Comentário de Henry Miller
A única revolução possível, a única revolução que vale a pena, deve ser criada não por políticos ou militares, mas por educadores.
O LIVRO
A idéia de Summerhill
… uma escola que faz com que alunos ativos fiquem sentados nas carteiras, estudando assuntos em sua maior parte inúteis, é uma má escola. Será boa apenas para os que acreditam em escolas desse tipo, para os cidadãos não-criadores que desejam crianças dóceis, não criadoras, prontas a se adaptarem a uma civilização cujo marco de sucesso é o dinheiro.
A escola deve adaptar-se as crianças e não as crianças adaptarem-se a escola.
… a divisão não é importante se não para aqueles que querem aprendê-la. E a criança que quer aprender a dividir, aprenderá, seja qual for o ensino que receba.
… o ensino, em si mesmo, não é tão importante quanto o caráter.
Uma vista de olhos a Summerhill
Somos humanos como toda gente, e nossas fraquezas humanas muitas vezes entram em conflito com as nossas teorias.
Pode ser maior benção dar do que receber, mas, sem dúvida alguma, é mais exaustivo.
Penso que insistência freudiana sobre a agressividade é devida ao estudo de lares e escola, tal como eles são. Não se pode estudar a psicologia canina estudando o cão de caça preso a uma corrente. Nem se pode teorizar dogmaticamente sobre psicologia humana quando a humanidade está sob fortes cadeias, cadeia forjada por gerações de odientos da vida. Acho que na liberdade de Summerhill a agressividade não se faz sentir em coisa alguma com a força que tem nas escolas estritas.
A educação de Summerhill versus educação padronizada
Mantenho que a meta da existência é encontrar felicidade, o que significa encontrar interêsse.A educação deveria ser uma preparação para a vida.
Pergunto que espécie de bem terreno pode vir de discussão sobre francês, ou história antiga, ou seja lá o que for se esses assuntos não valem um caracol quando comparados com as`perguntas maiores, relativas à natural realização da vida, da felicidade íntima do homem.
Mesmo o sistema Montessori, famoso como sistema de jogos dirigidos, faz-se maneira artificial de levar a criança a aprender fazendo. Não há nada criador nele.
Toda outorga de premios, notas e exames, descia do desenvolvimento adequado da personalidade. Só os pedantes declaram que o aprendizado livresco é educação.
Os livros são os materias menos importante da escola. Tudo quanto a criança precisa aprender é ler, escrever, contar. O resto deveria compor-se de ferramentas, argila, esporte, teatro, pintura e liberdade.
Não pretendo denegrir o ensino. Mas o ensino deveria vir depois do brinquedo. E ensino não deveria ser temperado com brinquedo a fim de tornar-se mais tragável.
Esta noção de que se a criança não aprende alguma coisa está perdendo seu tempo, nada mais é do que uma maldição, uma maldição que cega milhares de professores, e grande maioria dos inpetores escolares.
Em vários paises primorosos prédios escolares são construídos. Mas todos os laboratórios e oficinas maravilhosos nada fazem para ajudar João, Pedro ou Ivan a vencer os prejuízos emocionais e males sociais nascidos da pressão sobre eles exercida pelos país, pelos professores e pela qualidade coercitiva de nossa sociedade.
Que acontece com os que se formam em Summerhill
O medo dos pais em relação ao futuro dos filhos fornece mau prognóstico quanto a saúde destes últimos.
Meu critério particular de sucesso refere-se à capacidade de trabalhar alegremente e de viver positivamente.
Autonomia
Boa autonomia é possível numa escola apenas quando há certa mescla de alunos mais velhos que gostam da vida tranquila e lutam contra a indiferença ou a oposição dos que estão na idade de mocinho e bandido. Esses alunos mais velhos são muitas vezes vencidos nas votações, mas são eles os que acreditam na autonomia., e desejam-na. As crianças até, digamos doze anos, não poderão ter bom governo próprio, por ainda não haverem atingidos a idade social. Ainda assim, em Summerhill um garoto de sete anos difícilmente perde qualquer das Assembléias Gerais.
Liberdade sem excesso (Freedom – Not License!)
Liberdade no lar (The problem family)
Liberdade na escola (Talking of Summerhill)