As atas do rancor (Mario Benedetti)
Do livro “Perguntas ao acaso”
Tradução de Julio Luís Gehlen
Pouco a pouco o rancor vai me invadindo
animaliza minha anima lisa
me empresta garras iras maldições
me sobressalta a paciência boba
dá brilho ao ódio como para abutres
me põe em áscuas e ascos
abro o livro e aprendo
a história do rancor seus pormenores
seus desenvolvimentos e suas pautas
seus herdados instrumentos
mesmo assim me espera uma surpresa
quando fecho o breviário
fica entre minhas mãos
uma beira desarmada e desalmada
um rastro tão tedioso
sem prestígio e sem medula
então me reduzo ao que sou
vazio de ferramentas culturais
fecho os olhos mas
que vou fazer
não sonho com perdões.