O apanhador de desperdícios

O apanhador de desperdícios (Manoel de Barros)

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.

Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Deixe um comentário