Octavio Paz: o último mandarim intelectual

Octavio Paz: o último mandarim intelectual (Octavio Paz)

Tradução de Magno Dadonas

Domingo, 26 de abril de 1998
Mario Vargas Llosa
Los Angeles Times Book Review

BERLIM – Com a morte de Octavio Paz, a cultura de nossos tempos perde um poeta e pensador excepcionais. Embora com profundas raízes no México, seu país natal, a obra dele transcende fronteiras nacionais e abarca a cultura ocidental, enriquecida com imagens, idéias, argumentos e invenções que deixaram marca indelével na criação poética, na arte e na crítica literária, na análise histórico-social e no debate político.

No mundo de fala espanhola, Octavio Paz foi o último mandarim intelectual, no estilo de Jean- Paul Sartre e Albert Camus na França, José Ortega y Gasset na Espanha ou Alfonso Reyes no México (Ortega e Reyes foram professores de Paz – no sentido mais amplo do termo – e ele escreveu lúcidos ensaios sobre ambos).
Tal como todos esses homens, Paz foi um humanista, motivado pela curiosidade universal e por uma cultura cosmopolita que o levaram a escrever sobre os mais diversos temas e tornar-se a consciência viva de sua era, um ponto de referência em cada momento crítico, fosse ele um conflito ideológico, uma polêmica sobre estética ou um dilema moral.
O surrealismo despertou seu entusiasmo na primeira fase, mas sua poesia evoluiu e acabou explorando todas as vias da vanguarda e as experiências pós-modernas. Sua poesia também se apropriou das tradições francesa, inglesa e espanhola e até da indiana, chinesa e japonesa, culturas com as quais ele se familiarizou nos anos em que foi embaixador do México na Índia.

Paz renunciou ao cargo em 1968, quando ocorreu o massacre na Praça das Três Culturas (Tlatelolco), no México. Esse gesto revela outro aspecto fundamental de Octavio Paz: sua integridade cívica e sua ciosa defesa da liberdade e da democracia contra todas as ideologias totalitárias, de direita ou de esquerda.
Num de seus mais festejados livros, O Ogro Filantrópico (1979), ele tomou como exemplo o partido governista do México, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), e sua ditadura dissimulada – mais de 70 anos no México.
Com admirável perspicácia, Paz dissecou os mecanismos que o totalitarismo e os regimes autoritários usam para asfixiar a cultura e destruir a soberania cívica.

Cultura da liberdade – Ao contrário da maioria dos grandes escritores de sua geração, Paz nunca sucumbiu ao canto de sereia do marxisno; e, mesmo nos anos 50 e 60, quando o dilema dos intelectuais à sua volta parecia ser a escolha entre o comunismo e o fascismo, Paz – junto com Albert Camus – teve a coragem de combater as correntes em voga.
Apesar da hostilidade que seus adversários ideológicos provocaram em torno dele, Paz continuou pregando a superioridade da cultura da liberdade contra seus inimigos. As revistas que ele editou, principalmente a que ele dirigiu nos últimos 20 anos, Vuelta, sempre foram uma tribuna cívica a partir da qual a censura, o dogmatismo, a ditadura, o terrorismo político ou intelectual foram condenados e a tolerância, o pluralismo e a escolha democrática, defendidos.
Não existe hoje no mundo de fala espanhola ninguém capaz de preencher o vazio que Octavio Paz deixou.

Mario Vargas Llosa é autor de vários livros, entre eles `Tia Júlia e o Escrevinhador’ e `Os Diários D. Rigoberto’. Este artigo foi traduzido do espanhol para o inglês por Alfred Mac Adam.

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