Perguntas ao acaso (2) (Mario Benedetti)
Do livro “Perguntas ao acaso”
Tradução de Julio Luís Gehlen
Por que estás na noite
encolhido? contra quem?
por que és uma ausência tão delicada?
por que estás acordado
e o silêncio te encrespa?
fugindo de algo?
de alguém?
de ti mesmo?
dos olhos que viste e não te viram
e agora te rastreiam?
esqueceste o pranto?
o alarido e o palavrão?
por que as abóbadas e o vento
te horrorizam? por que te aterram
o gadanho e o destino?
quando vais procurar-te no espelho?
suportarás teu gesto? consentirás teu nojo?
aonde irás carrasco
se não há céu?
como chegaste a este sigilo
inquietante? a este enigma
surrado? enigma sem pretextos?
para quem trabalhas
agora que caiu teu anonimato
e o esquecimento profundo não se usa?
será que teu desprezo é um seguro?
estarás a salvo numa
segurança tão frágil?
às vezes você se sente néscio no pânico
mesmo sabendo que ninguém
fará o que fizeste?
estás chegando ou estás indo?
para onde?
até quando
agüentarás os fantasmas?
aonde irás carrasco se não há céu?
te vencerão as alucinações?
arrastarás tua sombra
e as sombras alheias?
até quando calarás sonhando
bocejarás de ódio
hibernarás em pesadelo
te enredarás em desdéns?
como poderás continuar vivendo
na gelada tangência da morte?
vais tremer de culpa?
ou de faniquito?
passa o espanto por onde tu passavas?
te aposentaste da felonia?
te despediste de tua nudez?
aonde irás corsário
se não há mar?
aonde irás carrasco
se não há céu?