Ao sol do meio-dia eu vi dormindo – Soneto (Álvares de Azevedo)
Ao sol do meio-dia eu vi dormindo
Na calçada da rua um marinheiro,
Roncava a todo o pano o tal brejeiro
Do vinho nos vapores se expandindo!
Além um Espanhol eu vi sorrindo
Saboreando um cigarro feiticeiro,
Enchia de fumaça o quarto inteiro.
Parecia de gosto se esvaindo!
Mais longe estava um pobretão careca
De uma esquina lodosa no retiro
Enlevado tocando uma rabeca!
Venturosa indolência! não deliro
Se morro de preguiça…. o mais é seca!
Desta vida o que mais vale um suspiro?
Toda aquela mulher tem a pureza
Que exala o jasmineiro no perfume,
Lampeja seu olhar nos olhos negros
Como em noite d’escuro um vaga-lume.
Que suave moreno o de seu rosto!
A alma parece que seu corpo inflama
Ilude até que sobre os lábios dela
Na cor vermelha tem errante chama….
E quem dirá, meu Deus! que a lira d’alma
Ali não tem um som—nem de falsete!
E sob a imagem de aparente fogo
É frio o coração como um sorvete!