Eu, o Córrego.

capa

Desço da Serra da Tiririca… Me chamam lá no Parque de Córrego dos Colibris. Gosto muito desse nome. Poético, não acham? Mas… em lugar de me deixarem correr livremente, embelezando o bairro Peixoto, me esconderam. Puseram umas manilhas escuras, me enfiaram dentro e cobriram tudo com asfalto. Que escuridão! Sem vida.

Ah! mas sou corajoso. Me mantive vivo para chegar ao final das manilhas e sai ali, bem pertinho da creche e da Escola Alcina. Que alegria escutar a algazarra das crianças e jovens. Tem também um muro grande, vermelho. Ouço as vezes umas sirenes altas. Soube que ali ficam pessoas que cuidam das outras quando precisam.
Vejo que saí da escuridão em lugar cheio de vida.

Daí vou correndo reto, não mais com aquelas curvas bonitas que fazia antes, até a lagoa de Itaipu. Aqui me chamam diferente. Sou Córrego da Tiririca. Talvez porque sabem que venho de lá.

Fiquei muito tempo esquecido por aqui. Assustado com uns canos grandes que muitas vezes jogam água pura no meu leito e isto é bom. Mas algumas vezes estas águas não são tão puras e fazem grande mal a meus amiguinhos.

Apesar de esquecido tenho muitos amiguinhos sabiam? Uma garça branca, grande e bonita que me percorre em busca dos peixinhos coloridos. Umas plantas com flores brancas bonitas, que lutam com o mato para sobreviver. É nas raízes dela que se abrigam os peixinhos para ter seus filhotes.

Mas parece que ninguém admirava estes pequenos animais brincando nas minhas águas. Nem nas poucas árvores que me protegem e alimentam.

Vez ou outra, me assusto com umas máquinas enormes, que revolvem minhas entranhas, matam meus amiguinhos, e destroem minhas margens. São barulhentas e agressivas.

Mas nada dura para sempre. e certo dia, ouvi umas pessoas conversando junto à minha margem esquerda. Falavam em trazer de volta o verde para me proteger e refrescar. Que delícia!

No princípio eram poucos, mas muito assíduos. Mais tarde vieram outros.

Em um belo dia de sol, um grupo enorme se aproximou de mim e, com coragem iniciou um plantio de mudas. Fiquei curioso. Não entendi bem o que desejavam.

O tempo passou e fiquei acompanhando o que faziam em cada visita. Falavam de ninhos e pensei nas aves.

Mas que surpresa! Os ninhos que falavam não eram para aves, mas para receber as sementes, as estacas e as mudas. Nestes ninhos é que irão nascer e crescer as árvores que vão me proteger. E não colocam apenas mudas de árvores frondosas – estas vão demorar a crescer – eles dizem. Colocam outras espécies que crescem mais rápido para ajudar as outras. Falam um nome complicado: “SINTRÓPICA” Cruzes! Mas eu entendo. Sei por experiência própria que a vida é feita de cooperação entre os seres. Eu comparto minha umidade com as árvores e elas me dão sombra para eu não secar. Dão sementes para alimentar os peixinhos e sapos que vivem em minhas águas. É assim que a vida fica mais bela.

Então! Nos ninhos eles colocam muitas coisas diferentes, desde feijões, abóboras e mandiocas que vão crescer rápido e alimentar as pessoas, até as frondosas e exuberantes Jacarandás, Pau Ferro e Ipês que irão fazer lembrar os tempos da mata atlânticas. E tem um moço alto e bonitão, que explica aos outros que estas árvores grandes e bonitas precisam da proteção de outras para se desenvolverem. São as pitangas, aroeiras, amoreiras, pau- d’alho que irão crescer rápido e dar a sombra que as grandes árvores.

De fato, parece que desta vez encontrei amigos de verdade.

Não gente que quer me enfiar dentro de tubo escuro e sem vida. Que diz que eu cheiro mal e junto mato. Mas se cheiro mal é porque lançam porcarias no meu leito. Lá no Parque minhas águas são frescas e claras. Se o mato cresce é que retiraram as árvores e o sol direto faz o mato crescer.

Estou muito animado com estes novos amigos, e olha que tem de todos os tipos: altos, baixos, jovens e senhores, mas todos estão preocupados em que eu tenha uma margem mais protegida e mais bela. Vejo que quando está muito quente alguns vem com um garrafa ou com uma mochila e vão molhando os ninhos. Vi também que chegaram uns caminhões grandes, até me assustei pensando que iam revolver minhas entranhas, mas não, depositaram uns montes de vegetação picada e depois vieram os amiguinhos e começaram a distribuir entre os ninhos para refrescar a terra.

E pensam que só eu estou feliz com tudo isto? Não. Todos meus amiguinhos estão muito mais esperançosos: as garças, os socós, o carcará, sapinhos e peixinhos. Os Chapéus de couro, aquela planta verde de flores brancas, que muitos usam para se curar e os peixinhos para se reproduzirem, também ficaram mais felizes.

Toda a VIDA que habita as minhas águas agora está sendo notada….


-Texto elaborado pelo Coletivo Córrego da Tiririca, Itaipu, Niterói, RJ.
Arte da capa adaptada de Xilogravura original de Augusto Barros, criada para a Agencia Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco adaptada.
Pode ser distribuída, reproduzida e adaptada livremente.
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