O rio da minha infância

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



O Rio Joana nasce dentro da floresta da Tijuca, mais especificamente na Pedra da Mina, na encosta do morro do Andaraí maior. Dali entrecorta os bairros cariocas do Grajaú, depois Andaraí, passando por Vila Isabel, pela Tijuca e depois São Cristóvão, atravessando por dentro da Quinta da Boa Vista rumo a baía de Guanabara.

Este é o caminho do rio Joana, o rio da minha infância.

Rio Joana na Pedra da Mina- Fonte Ecomuseu Amigos do Rio Joana.

Mas o que poucos sabem é que este já foi um rio em correnteza forte, cheio de peixes e também navegável. Os povos indígenas Tamoios o percorriam em suas canoas e ali pescavam. No século XVII era nomeado de rio dos Morcegos, pelos colonizadores portugueses, dada a grande quantidade de árvores de sapoti e outras frutíferas, que atraíam esses mamíferos voadores as margens do vale fluvial. Mas os povos originários que ali viviam o chamavam de Andira-hy. Mais tarde o vale fluvial banhado por suas águas levou o nome de Andaraí.

Em algum momento esse rio Andira-hy passou a ser chamado de rio Joana, e assim segue sua história.

Era um canal aberto na confluência das ruas Barão de Mesquita e Maxwell, quando nasci. Nas minhas lembranças de pequena, antes mesmo de começar a ir para a escola, estavam as obras de canalização do rio, para controlar as enchentes na região. Assustavam-me as enormes escavadeiras e não gostava de passar por ali quando atravessava a ponte para ir com minha mãe a padaria.

Rio Joana sendo escondido por concreto

Não tenho lembrança de ter visto o rio Joana como um espaço de vida quando era criança. Mas na adolescência certa vez subi, em uma excursão do colégio, pela reserva florestal do Grajaú e ali pude ver o rio vivo, com peixes e mata. Eu não sabia que aquele canal de cimento e concreto que passava no meio da Rua Maxwell era um rio de verdade.

Rio Joana na Quinta da Boa Vista- Fonte Biblioteca Nacional

Mas o rio Joana ainda ali vivia. Nas fortes chuvas do verão ele voltava à vida e fluía a olhos vistos, como um fantasma do passado. O rio inundava ruas, suas águas correntes, velozes.

No início do Século XX, o então Prefeito Pereira Passos, colocava o rio Joana desembocando artificialmente no rio Maracanã e fez o traçado do Canal do Mangue, escoando as águas dos alagados e brejos da Ponte dos Marinheiros até a baía. Porém as obras de engenharia hidráulica da época não foram suficientes para acabar com as enchentes, que paralisavam a Tijuca, como acontecia rotineiramente na Praça da Bandeira.

Mas havia outros planos para controlar as fatídicas enchentes que acometiam a grande Tijuca e seus rios. Pontos de alagamento se davam nas Praças, algumas eram antigos alagados, como a pracinha Niterói e também na Praça da Bandeira.

Já neste século XXI o Programa de Combate às Enchentes da Grande Tijuca desviou o curso do Rio Joana jogando parte das águas diretamente na Baía de Guanabara, passando sob o Maracanã, o Morro da Mangueira e o início da Avenida Brasil na altura do Caju, através do maior túnel de drenagem urbana construído no país. Com a obra, o trecho que atravessava a quinta da Boa Vista em São Cristóvão foi desviado e o leito dentro do parque acabou secando…

A memória do rio vive dentro do Maciço da Tijuca, onde se encontram suas nascentes, que ainda fluem, sem saber que o destino das suas águas doces é um longo canal de drenagem até se tornarem libertas, na baía.

E na memória da sua infância tem um rio? Qual é ele? Como está agora?

Agradecimentos:Ao Ecomuseu Amigos do Rio Joana e Biblioteca Nacional pelas imagens.

Água de plantar, de colher a chuva – os cuidados com os cílios do córrego

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



Repetidamente ouvimos. O rio foi desmatado, está destruído.
Ou mesmo. O rio secou… A família de agricultores foi embora, largou a terra…
Porque o desmatamento é prejudicial?

Em sua condição natural os rios e riachos são protegidos em sua margem pela vegetação chamada de mata ciliar, composta por plantas que toleram ficar encharcadas durante certo período de tempo.

Como funciona a mata ciliar?
O nome “ciliar” remete aos cílios dos nossos olhos. Assim como os cílios nos protegem da entrada de poeira ou partículas nos nossos olhos, a mata ciliar é por analogia os cílios dos córregos.
Esta mata ciliar é composta por variadas plantas, terrestres, sub-aquáticas e aquáticas. As plantas funcionam como se fosse uma esponja, retendo a umidade após chuvas fortes e devolvendo aos poucos a água de volta ao rio.
É a mata ciliar que evita enxurradas e inundações, pois ela retém a água na cheia. Colhe essa água da chuva para usar quando está mais seco.
Outro importante papel da mata ciliar é segurar os sedimentos. O rio flui e na sua correnteza são carregados areia, cascalho terra, sedimentos. Em chuvas fortes a mata ciliar evita que os sedimentos do meio terrestre caiam excessivamente na água causando o que se chama assoreamento, ou seja, o depósito de terra no leito do rio. Sem mata ciliar, o aporte de terra para dentro do rio vai tornando-o cada vez mais raso.
Ah, e é claro. A mata ciliar é importante na manutenção da vida. Muitos peixes, insetos, caracóis e outros organismos se escondem na vegetação marginal, que funciona como um abrigo.
Ademais, a vegetação ciliar também é fonte de alimento. Afinal, muitos peixes gostam de pegar uma frutinha que cai na água.

O que acontece quando desmatamos?
A sombra fresca, que deixa a água numa temperatura agradável se vai. Aumenta a evaporação da água do rio, exposta a forte insolação. A água fica quente!
Sem o abrigo confortável da mata ciliar, muitos peixes e outros animais aquáticos simplesmente desaparecem do lugar.
O rio fica raso, perde suas características. Os ambientes aquáticos de galhos e folhas caídas da margem somem. O leito se torna um areal.
E cuidado! Se é um pequeno córrego ou nascente, a exposição leva a aridização e a nascente pode até secar.

E é possível recuperar a Mata ciliar? O que acontece?
Quando plantamos o rio em suas margens aos poucos ele volta a sua condição natural. A perda de água vai reduzindo, na medida em que a vegetação se instala. Microambientes se formam. Voltam libélulas, insetos aquáticos, aranhas, caranguejos de rio, e também as aves, as viuvinhas, as garças, socós, patos, também as preás, pacas, as pererecas, e é claro entre tantos outros os peixes! A intrincada rede de vida regressa. E o riacho renasce, em quantidade e qualidade de suas águas.
O rio não é meu nem seu, é de todos! A sombra fresca. O clima ameno. O riacho belo…
Que tal ser um plantador de água? E restaurar a vida no rio da sua vizinhança?

Dia da água em uma pequena vila no Espírito Santo

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



Queridos.
Hoje é dia da água.

Crianças da escola Benonio Falcão de Gouvêa, observam Xenurolebias myersi em aquário. foto de Márcia Lederman
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Aquele precioso líquido que faz parte de nós. É dia de celebrar como nossas águas doces são importantes em nossas vidas.
Na pequena vila de Itaúnas, no extremo norte do Espírito Santo, quase na Bahia, vive um peixinho ameaçado de extinção.

E vejam bem, apesar de bonito e colorido, o povo do lugar não o conhece bem. Ele vive escondido nos brejos e alagados da várzea do rio Itaúnas e riacho Doce.

Nas fortes chuvas de dezembro de 2021 ele foi encontrado por morador local, que cuidou e protegeu o peixinho, com a ajuda da ong local, a SAPI, de pesquisadores do Instituto Nossos Riachos, do ICMBIO através do PAN Rivulídeos e é claro do Parque Estadual de Itaúnas.

Com todo o apoio e cuidado alguns peixinhos foram mantidos num aquário para serem apresentados as crianças e jovens da vila. E não havia data melhor do que o dia da água. E assim o foi. Movidas de curiosidade, meninos e meninas vieram observar aquele peixe, que só existe em Itaúnas. E olha que muitos desses jovens jamais tinham visto um aquário!

Com a ajuda de todos, celebrar a vida deste pequeno ser das águas é algo que nos emociona profundamente. Juntos vamos proteger os ambientes das águas, não apenas hoje, mas por todos os dias de nossas vidas.

Peixinhos de riacho e a conservação dos córregos

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



Rios e riachos são povoados por peixes, muitos deles tão pequenos que cabem na palma da sua mão. Por serem tão pequeninos, eles precisam se proteger, e é isso que fazem muito bem. São bichinhos tímidos, e ariscos. Durante o dia ficam escondidos entre a vegetação aquática, ou entre as pedras do rio e é preciso um olhar curioso para ter a sorte de vê-los. Mas eles estão ali, são muitos, alguns coloridos e outros nem tanto e se confundem com o fundo do rio. São piabas, lambaris, mandis, carás, barrigudinhos, cascudos, bagrinhos e por aí vai. Esses peixinhos são assim chamados peixes de riacho. E como estamos na Mata Atlântica, peixes de riacho da Mata Atlântica. Eles nos presenteiam com sua magnífica presença quando nós temos um tempo para parar e simplesmente observar a água. Você já parou para ver o fluir da água do riacho? Pois experimente. Simplesmente se sente a margem do rio. Se debruce na ponte. Curta os sons. Observe. Quando o tempo está seco, e a água do rio fica mais clara, cristalina, e dá para ver o movimento deles. Essas pequenas formas de vida se entrelaçam com o ambiente do riacho, e dele dependem para viver. Por isso eles são muito delicados e sensíveis. Precisam da mata, da sombra, da água fresca, das frutas e insetos que caem na água para alimentá-los. Das raízes das plantas flutuantes para guardarem seus filhotes. Da mata ciliar para tirar aquele cochilo do dia. O riacho é cheio de vida, de dia e de noite.

Trichogenes claviger, espécie ameaçada de extinção, apenas encontrada em riachos de Mata Atlântica da região serrana ao sul do Espírito Santo. Foto: Juliana Paulo da Silva.

Tem riachos perto das nascentes, com pedras altas, seixos rolados e correnteza forte. E também aqueles de águas calmas, que formam lagoinha na nascente e suavemente seguem seu caminho. Tem ainda poças e brejos perto do mar, riachos de água doce escura, cor de chá mate, em plena restinga. São berçários da vida de água doce, e é preciso cuidá-los. A retirada das matas, o sol forte, acaba com o ambiente de vida das águas.

Nas cidades o risco vem principalmente do esgoto e lixo. O respeito a água doce vem com o saneamento, com o destino correto dos rejeitos, com a valoração dos ambientes das águas. Se você leitor, está na cidade, que te parece cuidar do rio do seu bairro?

No campo, a substituição das matas pela monocultura, preocupa não só pela supressão da vegetação original em si, mas pela adoção de agrotóxicos nas plantações. O veneno escoa para as águas contaminando e comprometendo a vida aquática. E não para por aí. A excessiva captação de água para irrigação reduz o nível de água do lençol freático. E o Brasil é campeão em agricultura irrigada! Não se questiona a prática agrícola, mas há outras formas de fazê-la com menor custo ambiental. O uso inadequado do solo vem também de uma tradição agrícola importada. Os colonizadores europeus vieram de um continente com baixa biodiversidade, talvez por isso não soubessem valorizar a opulência que aqui reina até hoje.

E assim, os ambientes aquáticos e seus peixes estão precisando de ajuda. Muitos peixes da Mata Atlântica estão ameaçados extinção, como o bagrinho capixaba ilustrado acima. Mas que utilidade ele tem? É mais um elo na intrincada teia da vida. E precisa ser utilitário? A natureza não está aqui para nos servir. Ela simplesmente está. E respeitar sua permanência é o que podemos fazer. Para finalizar, vamos pensar- durante sua vida, já notou diferença nos riachos que você conhece? Conta para nós!

Peixes das nuvens do Itaunas

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



Existem pequenos peixes que vivem em ambientes temporários, e que são muito vulneráveis a supressão da vegetação. São os peixes das nuvens.
A razão deste nome é que em algumas regiões do nordeste a população acreditava que os peixes vinham com a água da chuva, pois “brotavam” da lama seca, onde não tinha vida alguma.

Acima, o macho, com tons vermelho-alaranjados e nadadeiras longas e coloridas. Embaixo, a fêmea, com duas máculas escuras nos lados do corpo e nadadeiras transparentes.

Estes pequenos peixes, do tamanho de um barrigudinho, tem ciclo de vida anual, ou seja, completam todo o ciclo de vida em ambientes aquáticos temporários, sendo encontrados em estagio adulto somente em breves períodos do ano.

Rapidamente crescem e amadurecem durante a estação chuvosa e quando vem a estiagem morrem, já que as poças que são seu hábitat secam. Os ovos permanecem em estado de diapausa, adormecidos, na lama úmida do fundo da poça e eclodem por ocasião do enchimento das mesmas, na estação chuvosa, renovando seu ciclo. Quando chove muito forte, os peixes anuais nos presenteiam com sua magnífica presença.

Mas esses peixes, que vivem em brejos na mata de baixada e na restinga estão ameaçados de extinção.

As pequenas poças temporárias nas baixadas costeiras onde vivem estão desaparecendo.

Conservar espécies da fauna e da flora passa pela manutenção de seus ambientes de vida. Todos nós podemos cuidar da vida, de perpetuar as espécies ameaçadas para que elas continuem a viver na nossa região.

A educação ambiental de jovens da comunidade é um caminho de tornar mais bem conhecidos os pequenos peixes de riacho.

Os peixes anuais se chamam Xenurolebias myersi, mas podemos chama-los de peixe anual do Itaúnas. São as jóias do rio Itaúnas!

Caminhos para conservar
A substituição das matas pela monocultura, principalmente de eucalipto, preocupa não só pela supressão em si, mas pela adoção de defensivos agrícolas nas plantações. O veneno escoa para as águas contaminando e comprometendo a vida aquática.

Por isso o diálogo entre o setor madeireiro e as áreas protegidas é tão importante. Buscar soluções conciliatórias, que beneficiem a todos. A empresa sai ganhando por ter protegido a vida aquática e o meio ambiente se beneficia de uma riqueza viva. Será este um sonho possível?

O Rio Itaúnas é um oásis de vida- Vamos proteger suas águas priorizando uma agricultura sustentável no vale.

Ao longo do vale do rio Itaúnas as quatro áreas de proteção integral (Córrego do Veado, Córrego Grande, floresta Nacional do Rio Preto e Parque Estadual de Itaúnas) mal chegam aos dois mil hectares de terra. Pela pequena dimensão destas áreas protegidas, as práticas agrícolas em seu entorno, tem enorme impacto, criando sérios riscos para que elas exerçam seu papel na conservação.

As reservas acabam sendo ilhas de biodiversidade isoladas, sem conexão entre si, e cercadas de todos os lados por eucalipto, pastagem e pequenas áreas de fruticultura.

O desmatamento do vale fluvial do Itaúnas e a substituição das matas por monoculturas com intensivo uso de veneno compromete a qualidade das águas, das quais as reservas são dependentes.

Nós temos a esperança de poder espalhar a ideia de trazer práticas agrícolas ambientalmente amigáveis ao vale do Itaúnas e dignificar a vida do trabalhador rural. Que passe a ter fartura em sua mesa e melhor qualidade de vida.

Agricultura ambientalmente amigável e educação ambiental. Vemos esse como um caminho conciliatório rumo ao desenvolvimento sustentável da região.
Vamos cultivar essa ideia?

Os brejos nas matas

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



As zonas úmidas e seu papel na regulação de umidade, temperatura e manutenção da sociobiodiversidade nas cidades

A Mata Atlântica é reconhecida como uma das prioridades mundiais para a conservação, estando entre as 25 áreas no planeta reconhecidas como “hotspots”. Mas o que pouca gente sabe é que dentro da floresta tem outras paisagens, como é o caso das restingas, manguezais e também áreas alagadas. Alagados ocupam mais de um quinto da superfície da floresta tropical em nosso país. Assim, pântano, charco, brejo, turfeira, mata paludosa, zonas úmidas, humedales (em espanhol) ou wetlands (inglês): todos esses nomes se referem ao brejo, ambiente que abrigou e ainda abriga muitos dos povos indígenas do nosso litoral, oferecendo-lhes alimento farto e proteção em suas várzeas. Nas palavras de Alberto Lamego: São as águas rasas das lagoas que os impelem à construção de aldeias lacustres. A aldeia lacustre com o alimento ao redor, infunde e aviva-lhes […]. Os brejos apesar de pejorativamente assinalados como “lugares insalubres” e muitas vezes negligenciados, são verdadeiras várzeas de floresta encharcada e cheia de vida presentes nos terrenos mais baixos sujeitos a variação de suas águas conforme a estação do ano.

A primeira grande Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional aconteceu em 1971 na cidade de Ramsar, no Irã, atualmente mais conhecida como a Convenção de Ramsar. Do ponto de vista dos acordos globais firmados são consideradas áreas úmidas toda a extensão de pântanos, charcos e turfas, várzeas, rios, pantanais, estuários, manguezais e até os recifes de coral.

Desde sua adesão à Convenção, o Brasil promoveu a inclusão de vinte e sete Sítios Ramsar. Dentre estes apenas um está na Mata Atlântica do nosso litoral- a APA Cananéia Iguape, em Peruíbe, no sul de SP.

As áreas úmidas são ambientes de importância ecológica e ambiental. Abrigam as margens dos córregos e lagoas, as várzeas e leitos inundáveis de rios maiores, as áreas de recarga de aquíferos, as matas paludosas, os brejos e demais áreas úmidas.

Apresentam uma flora e fauna muito particular, atuam na recarga do lençol freático subterrâneo, contribuindo para manutenção dos estoques de água, melhoram a qualidade da água, controlam enchentes, e é claro regulam a temperatura e clima, que se torna mais ameno.

As áreas úmidas são ainda provedoras de serviços ambientais indispensáveis para a produção de alimentos e a sociedade como um todo.
Naquelas águas escuras, cor de chá mate, ricas em nutrientes pela decomposição da vegetação a sua volta uma intrincada rede de vida a habita, sejam plantas flutuantes, insetos aquáticos, pererecas, peixes sem dizer nas inúmeras aves e pequenos mamíferos visitantes. Assim, estudiosos apontam esses ambientes como áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, devido principalmente a sua relevância socioambiental.

Nas áreas urbanas e periurbanas os brejos enquanto zonas úmidas sofrem as mais diversas pressões. Ainda que cientes da importância geoecológica e do valor social, econômico, cultural e científico de tais áreas úmidas, nas cidades a prática é que esses locais seguem negligenciados. A supressão de sua vegetação contribui para a redução da disponibilidade hídrica por evaporação. A contaminação silenciosa das águas subterrâneas preocupa e se agrava.

Área úmida entre o córrego Boavista contribuinte da lagoa de Itaipu, e o bairro de mesmo nome na região oceânica de Niterói RJ

A especulação imobiliária a vê como potencial área de aterro e expansão urbana. Soterrados, os brejos produzem calor da matéria orgânica sepultada e o ambiente se torna ainda mais quente. Ambientes de brejo não raro são pouco estudados, e sua rica biodiversidade corre o risco de ser perdida para sempre. Assim, nos centros urbanos os poucos fragmentos que ainda restam de brejos da região costeira devem ser áreas prioritárias a conservar.

Se fazem necessárias investigações e o estabelecimento de políticas públicas para gestão e conservação das áreas remanescentes das zonas úmidas ao longo da zona costeira no sudeste brasileiro, onde há maior pressão sobre os ambientes naturais. Ali sofrem o risco de desaparecer e uma vez drenado o brejo deixará em seu lugar uma terra árida, quente e sem vida.

A terra que nos alimenta

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



Com o fim da pandemia, o percentual de pessoas que não tem acesso ao alimento tende a se ampliar.

Ao longo da era do desenvolvimentismo imposta nos anos 1940 do Século XX as pressões por ocupação do território no campo levaram a desestruturação da agricultura familiar, violentas lutas por terra e envenenamento por agrotóxicos.
Estamos agora no século XXI, mas todo o avanço tecnológico do século passado não foi capaz de acabar com a fome no planeta. Os direitos básicos das populações não foram contemplados, e nos grandes centros ocorreu uma perda acelerada das riquezas culturais e naturais que se formaram através dos tempos.
Uma moradora da região metropolitana de Petrolina, em Pernambuco, deixou um depoimento preocupante: Se o mercado ficou mais caro, o jeito é comer menos.

Todos nós temos o direito a alimentos frescos, nutritivos e adequados a nossa cultura. Alimentos produzidos de forma saudável, livre de veneno e fruto do trabalho digno do homem no campo.

Como solucionar os problemas ligados a segurança alimentar? Quais as soluções possíveis?

Fugindo das soluções assistencialistas, o fortalecimento da agricultura agroecológica com a produção de alimentos mais saudáveis, pode garantir a segurança alimentar e a saúde das populações humanas.

A terra possui valor social, constrói a essência do homem no trato com a natureza, para produzir alimentos e o bem viver. A sabedoria popular no campo é passada de geração para geração. É a macela do campo que embeleza com suas flores perenes. A arnica que cura o machucado. O genipapo que tinge.

O homem do campo tem o direito de escolher o que quer produzir, bem como gerir seu próprio sistema alimentar. Como princípios da produção alimentar estão o direito à preservação dos recursos naturais, produção de comida saudável, uso de técnicas e tecnologias da cultura camponesa, sistemas locais de produção.
Isso não significa um retorno ao passado, mas sim uma produção harmônica num campo mais sustentável. O desafio principal é estabelecer novas formas de produção que beneficiem a natureza (considerando pessoas e ambiente como natureza).

Dentro do que conhecemos como agroecologia, um sistema de plantio que restitui as pessoas que vivem do campo o valor de uso e a função social da terra é a Agricultura Sintrópica. Esse sistema de plantio mostra grande potencial para recuperação florestal, juntamente com o restabelecimento da fauna pela constante incorporação de matéria verde ao solo. Num sistema agroecológico a revitalização dos recursos hídricos acontece naturalmente, e nascentes secas voltam a jorrar água. A produção de alimentos vem em quantidade e qualidade.

O modelo de agricultura sintrópica é capaz de dignificar a vida do trabalhador, que passa a habitar um campo mais sustentável, livre de veneno. Recupera a íntima relação ser humano e mundo natural, respeitando os limites dos ecossistemas naturais e dos sistemas de plantio.

Por diversas razões a agricultura convencional tem conduzido a um ambiente inóspito e degradado. Mas a agricultura sintrópica vem como uma redenção. Uma metodologia capaz de restaurar os ambientes naturais, respeitando os ciclos da terra, simplesmente plantando alimento junto com a floresta.
E quem disse que a agricultura precisa ser grande? A agricultura familiar, do pequeno e médio agricultor, é a principal fonte do alimento que chega a mesa do brasileiro.

E na cidade?
Nas cidades as pessoas tem todos os produtos à mão e simplesmente vão a um mercado para comprar tudo o que necessitam. Um legado deixado pela comodidade foi deixarmos de usar os produtos que nossos avós usavam e adotarmos apenas aquilo que o Mercado nos oferece. Aprender como os nossos ancestrais se alimentavam pode nos ajudar a entender melhor o grave estado nutricional no qual se encontra a nossa sociedade atual.
Mas se nem é possível escolher, pois falta o recurso para prover, será que comer menos resolve? Não vai precisar. Mudar a vida é possível mesmo numa área urbana. Fazer o cultivo de alimentos como hortaliças, frutas e legumes é bem simples e acompanhar todo o seu processo de crescimento pode ser gratificante. Assim, hortas comunitárias podem minorar o problema da segurança alimentar na periferia das grandes cidades, promovendo a colaboração e fortalecendo as relações interpessoais. É o quintal de todos!
No momento atual nossa maior inovação é resolver problemas populacionais, cuidar uns dos outros, e as pessoas agirem de forma cooperativa.

Se a pandemia nos resgatou o sentido de solidariedade e de pertencimento comunitário, está na hora de sermos a mudança. A questão alimentar é uma questão que impacta não só o ambiente, mas todo o tecido social. A justiça social só será alcançada quando o equilíbrio ambiental acontecer. Da mesma forma, o equíbrio ambiental só virá com a justiça social. Pois quando se tem fome, como pensar no resto?

Uma floresta de comida

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



Uma floresta de comida – agricultura em sintropia com a paisagem

As vezes é confuso pensar em qual seria o modelo ideal para pensar no melhor jeito de se produzir o alimento. O jeito dos vegetais grandes e belos, sem nenhuma manchinha, esse é o certo? Será?

Hoje o cenário que temos é como se a natureza tivesse que “trabalhar” para a agricultura, resultando em solos cansados e exauridos. Uma agricultura que consome também muita água.

Vejam bem. A agricultura convencional é entrópica. A cada ciclo de cultivo o sistema perde energia, gerando entropia. Quanto mais se planta, mais insumo, adubo, corretivo se faz necessário para corrigir o solo.

A ideia da agricultura sintrópica é o inverso: é uma Agricultura de simbiose com a floresta. Qual a vantagem? Aumenta a atividade biológica. A natureza dá as condições e a agricultura é que deve ser “adaptada” para sobreviver naquele solo, naquele local.

O plantio sintrópico sai mais barato para o agricultor pois não precisa comprar adubo, corretivo ou veneno. Só precisa podar…

O próprio sistema gera sua própria energia, dispensando o uso de adubo, corretivos e veneno. A poda é o combustível da transformação no sistema sintrópico. Picar a matéria (galhos, madeira, folhas) e incorporar ao solo. Essa é a ideia.

E são nítidos os benefícios da agricultura sintrópica tanto para o meio ambiente quanto para o agricultor e a comunidade. Um deles é que não necessita tanta água como o sistema convencional, pois o solo fica protegido com uma manta de folhiço picado.

Estamos no início da estação chuvosa, que se estende de outubro a março na região sudeste do Brasil. Momento de plantar uma floresta de comida.

Na Mata Atlântica temos muitas possibilidades. Que tal plantar em sintropia? Se você vive no campo, pode aproveitar por exemplo a Serra do Mar, e no seu entorno sair plantando do jeito sintrópico. Os polinizadores, as sementes, pássaros e outros seres a floresta circundante já tem e te dá de presente. Quem vive em comunidade na periferia dos grandes centros uma horta comunitária pode ser um importante ingrediente, reduzindo a desigualdade social, contribuindo para a segurança alimentar.

Se você está na cidade, que tal trabalhar de forma coletiva? Plantar uma praça em frente ao seu prédio em sintropia. Além de visualmente mais bonita e agradável, a vizinhança vai ficar mais fresquinha com árvores, vegetais e flores. Imagine que legal tomar um suco da acerola quando você acompanha a planta frutificar da varanda do seu apartamento. Ou se está frio, colher umas folhas de capim limão e preparar um chá relaxante? São muitas possibilidades. E o melhor: a sintrópica precisa de muita gente para dar certo. Vamos?

Goiabeira Albina

Textos da Bebel
Bebel enviou um texto sensível que relata uma relação afetiva entre uma menina e uma goiabeira. Escrito por uma aluna adulta da Oficina de Textos.

Goiabeira Albina

Era um sítio verde e amplo que modestamente não se mensurava em hectares. A casa amarela era abrigo noturno e para os dias de chuva. A felicidade se gestava no quintal. Tudo que se encaixava nos cento e oitenta e quatro passos meticulosamente contabilizados deste terreno era solo fértil para a imaginação.

Logo na entrada, duas mangueiras exuberantes faziam a recepção nos longos dias cor-de-rosa. Caules largos e galhos fortes atestavam a segurança antiquedas. Aos sentidos, mostravam-se folhosas e verdejantes. Tinham as folhas compridas como dedos de pianista. Eram maestrinas das tempestades sinfônicas. Sentia-me constantemente ameaçada, sendo minúscula a humanidade diante daquela força da natureza.

No quesito árvores, arbustos, plantas e flores, eu só tinha olhos para a goiabeira albina – minha árvore. Um lindo nome de uma classificação botânica que eu mesma inventei.

Sua estatura mediana não suscitava imponência. O seu tronco liso e reluzente provocava a fixa ideia de que se tratava de um pau-de-sebo disfarçado. A copa era rala de folhas. Parecia mais uma goiabeira comum.

Mas, encantava-me a raridade de seus frutos de poupa branca e sem gosto. Era dotada de muita personalidade e ousadia. Uma árvore cujos frutos não são suculentos só podia se prestar ao companheirismo infanto-juvenil.

Fixava-se no exato extremo diagonal do terreno, sem qualquer outra planta ao redor, seu toque final de excentricidade. Era ali no médio paraíso do distanciamento social que ela me ninava com seus braços tortos e retorcidos. Eu me fazia em seu colo para todo tipo de florescer.

Ela exalava o aconchego natural das matriarcas. Não respondia às minhas inquietações. Às vezes, depois de muitas súplicas, se rendia ao balançar dos ventos ou lançava uma folha seca como que se mandasse um sinal. Passei a fazer fotossíntese observando ela recitar poesias. Ela me abraçava e eu plantava sementes nessa inusitada amizade.

Fez-se silenciosa confidente nas minhas memórias. Houve um dia em que se partiu ao meio atingida por um raio. Foi o que me contaram, com um corte brutal se rompeu em duas metades quase na mesma época em que eu deixei de ser criança. Tenho em mim, o retrato dela. Eu jamais me despedi.

Luiza Fablicio Viana Araujo

A árvore do Largo da carioca

Textos da Bebel

Resistir

Está ali… Há quanto tempo?… Não sei! Quantas histórias tem para contar?…

Linda, ela chamou a minha atenção. Um aceno cor-de-rosa, em meio ao trânsito caótico, à agitação dos carros e dos pedestres. Um aceno suave me devolveu a mim mesma, pensei: ela resiste. Resiste e se oferece aos nossos olhos cansados de tanta poeira, de tanta poluição e de tanta incompreensão. Parece nos aninhar com suas flores cor-de-rosa. Estas nos acariciam suavemente com suas pétalas aveludadas. Delicados buquês rosados aliviam, com delicadeza, o estresse do viver e a inquietação diante da agressividade do mundo. Alegre, altaneira, ela cresce em direção ao azul do céu, uma atmosfera iluminada se desenha à sua volta.

Meu olhar capturou aquela bela imagem. Contemplei-a. Fui envolvida por um encantamento indescritível. Pensei: quantas histórias teria para me contar aquela senhora experiente? Quantos encontros e desencontros ela testemunhou, naquela praça, outrora silenciosa? E, agora, como entender tanta agitação e tantos ruídos? Perdi-me em meus pensamentos enquanto me deslumbrava com a inesperada beleza. Em meio ao caos, a paz cor-de-rosa se apresentou e me paralisou. Solitária e silenciosa, a velha árvore nos convida a resistir.

Continuei o meu caminho em direção ao metrô, absorvida em meus pensamentos. Um carro estacionado com policiais, no lado oposto, me lembra a guerra, a intolerância. Volto à dura realidade. Sigo. Mas levo comigo a imagem daquela paineira que resiste às intempéries e cresce frondosa. Traz a vida em seus galhos flexíveis e coloridos, traz a vida na sua folhagem coberta de orvalho. Tira das profundezas o alimento de que precisa. Suas raízes certeiras atravessam camadas de lama e de lixo em busca da seiva que a faz bela aos nossos olhos.

Diante do ruído da cidade que não pode parar, ela se ergue generosa.