Os brejos nas matas

Coluna da Luisa
Luisa é uma das criadoras do Coletivo Córrego da Tiririca. Ela nos brinda com suas considerações sobre diversos aspectos ligados direta ou indiretamente com nosso projeto.



As zonas úmidas e seu papel na regulação de umidade, temperatura e manutenção da sociobiodiversidade nas cidades

A Mata Atlântica é reconhecida como uma das prioridades mundiais para a conservação, estando entre as 25 áreas no planeta reconhecidas como “hotspots”. Mas o que pouca gente sabe é que dentro da floresta tem outras paisagens, como é o caso das restingas, manguezais e também áreas alagadas. Alagados ocupam mais de um quinto da superfície da floresta tropical em nosso país. Assim, pântano, charco, brejo, turfeira, mata paludosa, zonas úmidas, humedales (em espanhol) ou wetlands (inglês): todos esses nomes se referem ao brejo, ambiente que abrigou e ainda abriga muitos dos povos indígenas do nosso litoral, oferecendo-lhes alimento farto e proteção em suas várzeas. Nas palavras de Alberto Lamego: São as águas rasas das lagoas que os impelem à construção de aldeias lacustres. A aldeia lacustre com o alimento ao redor, infunde e aviva-lhes […]. Os brejos apesar de pejorativamente assinalados como “lugares insalubres” e muitas vezes negligenciados, são verdadeiras várzeas de floresta encharcada e cheia de vida presentes nos terrenos mais baixos sujeitos a variação de suas águas conforme a estação do ano.

A primeira grande Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional aconteceu em 1971 na cidade de Ramsar, no Irã, atualmente mais conhecida como a Convenção de Ramsar. Do ponto de vista dos acordos globais firmados são consideradas áreas úmidas toda a extensão de pântanos, charcos e turfas, várzeas, rios, pantanais, estuários, manguezais e até os recifes de coral.

Desde sua adesão à Convenção, o Brasil promoveu a inclusão de vinte e sete Sítios Ramsar. Dentre estes apenas um está na Mata Atlântica do nosso litoral- a APA Cananéia Iguape, em Peruíbe, no sul de SP.

As áreas úmidas são ambientes de importância ecológica e ambiental. Abrigam as margens dos córregos e lagoas, as várzeas e leitos inundáveis de rios maiores, as áreas de recarga de aquíferos, as matas paludosas, os brejos e demais áreas úmidas.

Apresentam uma flora e fauna muito particular, atuam na recarga do lençol freático subterrâneo, contribuindo para manutenção dos estoques de água, melhoram a qualidade da água, controlam enchentes, e é claro regulam a temperatura e clima, que se torna mais ameno.

As áreas úmidas são ainda provedoras de serviços ambientais indispensáveis para a produção de alimentos e a sociedade como um todo.
Naquelas águas escuras, cor de chá mate, ricas em nutrientes pela decomposição da vegetação a sua volta uma intrincada rede de vida a habita, sejam plantas flutuantes, insetos aquáticos, pererecas, peixes sem dizer nas inúmeras aves e pequenos mamíferos visitantes. Assim, estudiosos apontam esses ambientes como áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, devido principalmente a sua relevância socioambiental.

Nas áreas urbanas e periurbanas os brejos enquanto zonas úmidas sofrem as mais diversas pressões. Ainda que cientes da importância geoecológica e do valor social, econômico, cultural e científico de tais áreas úmidas, nas cidades a prática é que esses locais seguem negligenciados. A supressão de sua vegetação contribui para a redução da disponibilidade hídrica por evaporação. A contaminação silenciosa das águas subterrâneas preocupa e se agrava.

Área úmida entre o córrego Boavista contribuinte da lagoa de Itaipu, e o bairro de mesmo nome na região oceânica de Niterói RJ

A especulação imobiliária a vê como potencial área de aterro e expansão urbana. Soterrados, os brejos produzem calor da matéria orgânica sepultada e o ambiente se torna ainda mais quente. Ambientes de brejo não raro são pouco estudados, e sua rica biodiversidade corre o risco de ser perdida para sempre. Assim, nos centros urbanos os poucos fragmentos que ainda restam de brejos da região costeira devem ser áreas prioritárias a conservar.

Se fazem necessárias investigações e o estabelecimento de políticas públicas para gestão e conservação das áreas remanescentes das zonas úmidas ao longo da zona costeira no sudeste brasileiro, onde há maior pressão sobre os ambientes naturais. Ali sofrem o risco de desaparecer e uma vez drenado o brejo deixará em seu lugar uma terra árida, quente e sem vida.

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6 respostas para “Os brejos nas matas”

  1. Excelente reflexão! As áreas rurais serranas do Brasil, por exemplo, são declivosas e tornam difícil a lavoura. Dessa forma, qualquer a áreas plana – onde estão os brejos – são aterradas para o plantio: brócolis, couve-flor, salsa, alho poró, couve, tomate, inhame e outros. São exemplos que tenho observado há anos e anos seguidos. A simplificação,
    historicamente, começou na década de 70. Nas cidades, as construções são as maiores responsáveis pelo aterro dos brejos e retificação dos rios. Na zona rural, são as lavouras que exterminam as áreas úmidas e ocupam a mata ciliar, geralmente com bananeiras. Se houver gado, além do aterro, ocorre o pisoteamento. Os poucos “brejos” são “bebedouros” aproveitados para a dessedentação animal. O lançamento de esgotos não tratados vai aumentando a medida que as casas rurais vão se tornando mais elaboradas e numerosas. Não existe a consciência de restauração. A ideia é ocupar todo o espaço possível para plantio. A fauna dos córregos diminui em qualidade e quantidade – especialmente nos últimos 30 anos. Os barrigudinhos estão desaparecendo. E eles são excelentes indicadores de sobrevivência em situações adversas. Onde estão as rãs? Nem muito choro fará voltar às águas do passado na face da terra retalhada. A década da restauração dos ecossistemas da ONU (2021-2030) parece ser um apelo desesperado para tentar proteger o que restou da biodiversidade arrasada e indefesa, desde a presença invasora de povos de outras terras com seus costumes e animais estranhos à nossa fauna. Somos um país exótico.

  2. Sim Roberto. As paisagens mudaram drasticamente ainda mais na região metropolitana do Rio onde haviam muitos ambientes de brejos. Que possamos manter os poucos que restaram. Divulgar sua relevância vai ajudar a conservar esses ricos ambientes berçários de vida, ainda mais agora, durante a década de restauração. Obrigada pelo seu comentário.

  3. Luiza; aproveitando o comentário do Roberto, reforço que não podemos esquecer dos trabalhos de retificação e drenagem das áreas do úmidas realizados a partir dos meados da década de 1930, pelo Ministério da Viação e Obras, que em 1936 criou a Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense. Em 1940, através de um decreto transformou essa diretoria no, já extinto, Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Seja por questões de desenvolvimento rural ou saneamento, daí essa paisagem mudou, e novas problemáticas ambientais surgiram.

  4. Cresci em Xerém, área de brejo, pé-de-serra. Ao longo do tempo vimos a população, sem nenhuma instrução, ir aterrando os brejos para construir! Hoje já quase não existe mais brejo entre Xerém e Tinguá, um lamento, pois havia muita vida ali, de cobra d”água, preá, mussum. área cheia de tabatinga. É triste ver a mudança do local, crescendo a qualquer modo, e saber que as futuras gerações não conhecerão um brejo, cheio de vagalumes na noite reluzindo!

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