O editor

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O editor (Álvares de Azevedo)

—A poesia transcrita é de Torquato,
Desse pobre poeta enamorado
Pelos encantos de Leonora esquiva,
Copiei-a do próprio manuscrito
E para prova da verdade pura
Deste prólogo meu, basta que eu diga
Que a letra era um garrancho indecifrável,
Mistura de borrões e linhas tortas.
Trouxe-me do Arqui. . . lá da lua
E decifrou-ma familiar demônio,
Demais—infelizmente é bem verdade
Que Tasso lastimou-se da penúria
De não ter um ceitil para a candeia.

Provo com isso que do mundo todo
O sol é este Deus indefinível,
Ouro, prata, papel, ou mesmo cobre,
Mais santo do que os Papas—o dinheiro!
Byron no seu Don Juan votou-lhe cantos,
Filinto Elísio e Tolentino o sonham,
Foi o Deus de Bocage e d’Aretino,
Aretino, essa incrível criatura
Lívida e tenebrosa, impura e bela,
Sublime e sem pudor, onda de lado,
Em que do gênio profanou-se a pérola,
Vaso d’ouro que um óxido terrível
Envenenou de morte, alma poeta
Que tudo profanou com as mãos imundas,
E latiu como um cão mordendo um século

Quem não ama o dinheiro? Não me engano
Se creio que Satã à noite veio
Aos ouvidos de Adão adormecido
Na sua hora primeira, murmurar-lhe
Essa palavra mágica da vida,
Que vibra musical em todo o mundo.

Se houvesse o Deus vintém no Paraíso
Eva não se tentava pelas frutas,
Pela rubra maçã não se perdera;
Preferira de certo o louro amante
Que tine tão suave e é tão macio!

Se não faltasse o tempo a meus trabalhos
Eu mostraria quanto o povo mente
Quando diz—que a poesia enjeita, odeia
As moedinhas doiradas.—É mentira!
Desde Homero (que até pedia cobre),

Virgílio, Horácio, Calderon, Racine,
Boileau e o fabuleiro Lafontaine
E tantos que melhor de certo fora
Dos poetas copiar algum catálogo,
Todos a mil e mil por ele vivem,
E alguns chegaram a morrer por ele!
Eu só peço licença de fazer-vos
Uma simples pergunta. Na gaveta
Se Camões visse o brilho do dinheiro—
Malfilâtre, Gilbert, o altivo Chatterton
Se o tivessem nas rotas algibeiras
Acaso blasfemando morreriam?

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