BIOGRAFIA:
Poeta, compositor, intérprete e diplomata brasileiro, nasceu no Rio em 19 de outubro de 1913 e faleceu na mesma cidade em 09 de julho de 1980. Escreveu seu primeiro poema aos sete anos. Fez curso de Direito no Rio e de Literatura Inglesa em Oxford. Ingressou na carreira diplomática, por concurso, em 1943, tendo servido como vice-cônsul em Los Angeles (1947-50), o que abriu sua temática, posteriormente enriquecida pelo seu interesse em teatro e cinema. Serviu também em Paris (duas vezes) e Montevidéu.
Interessado em cinema desde estudante, foi crítico e censor cinematográfico. Como delegado brasileiro, participou de vários festivais internacionais de cinema (Cannes, Berlim, Locarno, Veneza e Punta del Leste) e, em 1966, foi membro do Júri Internacional de Cannes).
Aos 19 anos publica seu primeiro livro de versos, Caminho para a Distância, e aos 22, Forma e Exegese (ganhador do Prêmio Felipe d’Oliveira de 1935). Em 1936 sai Ariana, a Mulher, que é o apogeu de sua primeira fase, impregnada de sentido místico. Começou então a usar uma sintaxe mais popular, e sua lírica se carrega de sensualismo a partir de Cinco Elegias (1938) e Poemas, Sonetos e Baladas (1948), enriquecendo-se depois com temas de sentido social. Publica também Livro de Sonetos, Procura-se uma Rosa e Para Viver um Grande Amor. O lirismo (muitas vezes sensual) é a sua marca registrada.
Seu drama Orfeu da Conceição (1953), montado para o teatro em 1956 e transposto para o cinema por Macel Camus em 1959 (como Orfeu Negro), ganhou neste ano a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de Hollywood como o melhor filme estrangeiro.
Na década de 60 junta-se a jovens músicos no movimento conhecido como Bossa Nova, mesclando elementos de samba e jazz. Comporia, junto com Tom Jobim, a música Garota de Ipanema, símbolo de uma época. Uma grande quantidade de poemas seus foi posteriormente musicada.
Escreveu também poesias infantis.
Extraído do Jornal de Poesia
Uma notícia biográfica
Luiz Nassif
lnassif@uol.com.br
Quando Vinícius de Moraes morreu, lá se vão dez anos, foi como se minha geração inteira tivesse perdido um parente íntimo, daqueles que nos instruíram nos primeiros namoros, que nos acompanharam em todas as emoções.
Toda lembrança romântica ou nostálgica tinha como referência uma música de Vinícius.
A primeira serenata, a primeira paixão platônica, a primeira namorada, o primeiro boteco de boemia, tudo passava pelo poeta Vinícius.
Lá em Poços de Caldas (MG), Vinícius de Moraes só não era unanimidade quando se tratava de qualificar quem era o maior poeta brasileiro.
A maior parte da turma ficava com Carlos Drummond de Andrade, alguns com Manuel Bandeira, dois cruzadistas ficavam com os concretos.
Os novos não chegavam até nós. Mário Faustino era uma lenda que ninguém lera, porque a distribuição do carioca “Jornal do Brasil” não chegava tão longe.
Carlos Penna, o homem azul de Recife, também era uma referência distante.
Confesso que, se tivesse lido o poema que Bruno Tolentino fez para a morte de Anecy Rocha, o teria incluído imediatamente nas nossas discussões sobre o maior.
Mas o que batia no peito, repicava no fígado e cobria de emoções a razão era Vinícius de Moraes.
Não era apenas o poeta maior, era o guia. Todos queriam ser como Vinícius, amar e ser amado como Vinícius, beber como Vinícius.
Privilégio
Quando o Newton, que estudava em Ouro Preto, contou que passou uma noite bebendo com Vinícius e com um estudante chamado João Bosco, a gente pedia para ele repetir toda hora cada gesto que se lembrava do mestre.
Os puristas torciam o nariz. Até hoje não aceitam que a letra de música tenha valor literário. E Vinícius sempre foi contra limitações e formalidades.
Na Música Popular Brasileira, não teve ninguém que o superasse, apesar dos grandes Luiz Peixoto e Orestes Barbosa, e dos clássicos contemporâneos, como Aldir Blanc, Chico Buarque, Caetano, Paulo César Pinheiro e Hermilo Bello de Carvalho.
A bossa nova teve Tom Jobim e João Gilberto.
Mas a marca maior do movimento foi Vinícius. Ele deu a temática, o modo de vida carioca, a paixão desenfreada e moderna.
Com ele, Tom Jobim atingiu seus maiores momentos. Depois, cada novo compositor que se aproximava de Vinícius conseguia alcançar, com ele, o seu auge.
Tome-se toda a produção de Carlos Lyra. A parte mais expressiva, de longe, são as parcerias com Vinícius.
Baden Powell foi o maior violonista popular do século. Mas, nas composições, jamais conseguiu igualar o período em que seu letrista foi Vinícius.
Foi o letrista clássico da dor-de-cotovelo, o autor das mais expressivas cantigas infantis modernas (“Era uma casa, muito engraçada / não tinha teto, não tinha nada”), o homem das críticas sociais.
Qualidades
O curioso na história é que Vinícius não era apenas o grande letrista e ideólogo de uma nova estética. Era também um compositor dos mais expressivos que apareceram.
Compôs poucas melodias, mas todas elas obras-primas de simplicidade musical, de equilíbrio estético.
Como “Valsinha”, curiosamente uma obra prima de melodia, dele, em uma obra-prima de letra, de Chico Buarque-, “Serenata do Adeus” (“ai, a lua que no céu surgiu / não foi a mesma que partiu”), um clássico da dor-de-cotovelo, com letra e música dele.
Assim como “Cem por cento”, nosso hino nacional atual (“Há tanta gente que diz, coisas dela / mas essa gente que diz cai por ela”), ou esse primor de equilíbrio melódico criativo que é “Pela luz dos olhos teus”.
Popularização
Confesso que os de minha geração torcemos o nariz quando ele se aproximou de Toquinho.
Nada contra Toquinho, que já surgia como um belíssimo violonista e um parceiro de Chico Buarque em algumas músicas consagradas em nossas serenatas. Mas é que parecia que o velho mestre estava começando a se cansar.
Passou a produzir em larga escala e, pior do que isso, a fazer um sucesso danado.
No fundo admito aqui, de público: o que nos incomodava é que Vinícius deixava de ser “nosso”.
Ele passava a ser amado também pelos freqüentadores de cervejarias, por aquele povo barulhento e alegre que gostava também de Luiz Ayrão e Paulo Diniz.
E o pior é que as músicas eram um embalo só.
Mas até os mais críticos da dupla esquecem esse preconceito besta e colocam-se de joelhos quando alguma rádio desavisada toca “Rosa Desfolhada” (“Tento compor, com nosso amor, dentro da tua ausência”), dele e de Toquinho.
Foi o dia em que Toquinho virou Tom Jobim, e Vinícius mostrou que um poeta nunca envelhece.
Publicado na Folha de São Paulo, em 30 de julho de 2000
Wilson Martins
Poeta romântico morto jovem, Vinicius de Moraes (Poesia completa e prosa. Organização de Alexei
Bueno. Rio: Nova Aguilar, 1998) exemplifica didaticamente que a glória é, de fato, o conjunto de mal-entendidos que se acumulam em torno de um nome. Nesse caso, como em todos os outros, o dever da crítica é desfazê-los e não perpetuá-los,
pois as verdades aceitas são, por definição, as que mais necessitam de releitura.
Em termos estritamente literários e até biográficos, sua carreira foi, de certo modo, invertida, passando pelas mutações assinaladas por José Castello: de poeta para músico popular, e de músico popular para showman, num plano inclinado de conseqüências perversas. A popularidade do último período, no bom e no mau sentido da palavra, obliterou por completo o
poeta e sua obra, concentrando o interesse e respectiva celebridade nas atividades efêmeras do espetáculo.
O equívoco paradoxal desse trajeto repousa em dois períodos, separados por intervalos de olvido e abandono. No primeiro deles, a obra literária vai de 1933 (“Caminho para a distância”) a 1946, com os poemas, sonetos e baladas, pois as duas coletâneas seguintes (“Antologia poética”, 1954, e “Livro de sonetos”, 1957) apenas reproduzem, como é óbvio, o que já constava das anteriores. Eram, por conseguinte, claras confissões de esgotamento. A essa altura, se não chegou a ser o “altíssimo poeta” de que se vangloriava na juventude, é certo que os novos poemas, em 1938, garantiram-lhe o lugar, nas
palavras consagradoras de Mário de Andrade, “entre os grandes poetas do Brasil contemporâneo”.
Esse lugar envolve, de seu lado, algumas ambigüidades, porque, vindo depois do modernismo militante e antes dos cânones retóricos da geração de 45, ele retomou os poemas de forma fixa e outros brincos parnasianos, nomeadamente o soneto,
contra o qual, dizia Otto Lara Resende, os modernistas haviam movido uma “campanha mortal”. Mário de Andrade reconhecia nisso “uma necessidade do seu dizer”, porque a espontaneidade de escrita e a fluência criadora serão, com certeza, os traços mais característicos de sua poesia. Historicamente, nas palavras de Renata Pallottini, ele foi “o regenerador do soneto depois da semana de 1922. E, conquanto ‘O caminho para a distância’ contenha sonetos, saindo em 1933, podemos aceitar como início desta regeneração o volume ‘Novos poemas’, de 1938”.
Contudo, sua singularidade essencial está em não ter pertencido, realmente, a uma “geração”, no sentido convencional da palavra, mas a um grupo ideológico, o dos escritores católicos que freqüentava àquela altura, todos procurando “restaurar em Cristo” não só a poesia (para lembrar “Tempo e eternidade”, de Jorge de Lima e Murilo Mendes), mas o pensamento brasileiro em geral. Foi uma “restauração” que se pretendia, não arcaizante, mas modernizante, buscando exprimir-se no idioma
surrealista de que Vinicius de Moraes felizmente não se deixou contaminar. Sob esse aspecto, a restauração católica tinha algo de desesperado, procurando reconquistar a intelectualidade, corrigindo-lhe a perigosa deriva esquerdista.
Sempre é certo, entretanto, que Augusto Frederico Schmidt, Jorge de Lima e Murilo Mendes eram percebidos como “modernistas”, mais do que modernos, o que, pelas conotações semânticas desse adjetivo, não deixava igualmente de inquietar a Igreja e, particularmente, Alceu Amoroso Lima, seu porta-voz na República das Letras. Eduardo Portella
observa a esse respeito que “o primeiro Vinicius, assistido por um transcendentalismo que já vinha do grupo Festa, e animado pela companhia de Augusto Frederico Schmidt ou Otávio de Faria, mostrava-se refratário ao acervo temático dos homens de ‘22’ e, mais do que isso, repelia o que parecia ser um anarquismo formal. (…) É um escritor-ponte entre o modernismo que se consolidara e aquela geração nostálgica que, em 45, empreenderia uma longa viagem de volta”.
Ocorreu, então, o inesperado. De 1946 a 1958, não só ele silencia no plano da poesia literária, como a sua obra se tornou estranha aos parâmetros críticos que passaram a vigorar. Por isso mesmo, a geração de 45 durou o espaço de uma manhã, atropelada pelos novos evangelistas do concretismo. Vinicius de Moraes reapareceu em 1958, mas era outro Vinicius, como o primeiro LP convencionalmente apontado como início da bossa nova. Era o passo decisivo que o conduziria a uma carreira inteiramente diversa, no cinema e, sobretudo, na música popular, inclusive como cantor (medíocre, ou menos do que isso). De
fato, é como letrista e por sua associação com compositores famosos e vitoriosos da música popular, que ele vai ser descoberto e aclamado pelas novas gerações, as quais, segundo presumo, jamais o haviam lido como poeta. Nessa carreira, ser-lhe-ia conferida a consagração que jamais conquistara com a obra anterior, mas na qual, bem entendido, a cintilação das lantejoulas foi tomada pelo brilho de metais preciosos. (W. M. “O poeta romântico”. Pontos de vista, 10, 1995).
Dos 67 anos que viveu, Vinicius de Moraes consagrou 13 à poesia literária e o restante às atividades artísticas, nomeadamente como letrista de música popular, tornando-se, com isso, nas palavras de Carlos Felipe Moisés (Vinicius de Moraes. São Paulo: Abril Educação, 1980). “uma figura de domínio público (…) pode ser encarado como uma espécie de símbolo de uma profunda mudança de valores (não só literários e artísticos) pela qual vem passando nossa sociedade nas últimas décadas”. Vivido por
ele como personalidade paradigmática, tanto no plano biográfico quanto no intelectual, foi um tempo de transmutação pedestre de todos os valores, inclusive, para o que nos interessa, naquilo que se refere à poesia. Contemporâneo de Manuel Bandeira,
Schmidt, Drummond, Mário de Andrade, ele só poderia ser visto, como foi, no julgamento do tribunal sem face que se chama “opinião”, como um poeta menor.
A segunda parte de sua carreira situou-o como homem célebre, o que é diferente, superior, bem entendido, à maior parte dos compositores populares, tudo condimentado pelo folclore ligado ao seu nome. O novo público ignorou-lhe por completo a
obra poética, rejeitando-a para uma nota de rodapé. Numa antologia de 1979, Sérgio Buarque de Holanda silenciou sobre ela, preferindo demorar-se nos jogos amenos em que se consumiu a sua vida. Isso diz tudo – e sugere tudo o que pode ser dito a propósito da edição da Nova Aguilar.
Publicado no O Globo de 21 de novembro de 1998