Digo sim (Ferreira Gullar)
Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos do meu país,
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
e que meu coração
é um sol de esperanças entre pulmões
e nuvens
Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz de
Clara Nunes
no rodar
das cabrochas no carnaval
da Avenida.
Mas não. O poeta mente.
A vida nós amassamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
em meio à fome
e dizendo sim
– em meio à violência e a solidão dizendo
sim –
pelo espanto de beleza
pela fama de Tereza
pelo meu filho perdido
neste vasto continente
por Vianinha ferido
pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
pelo que virá enfim,
não digo que a vida é bela
tampouco me nego a ela:
– digo sim