Luminares

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Luminares (Charles Pierre Baudelaire)

Tradução de Paulo Cesar Pimentel

Rubens, mansa corrente embaladora e calma,
Coxim de carne sã que não se pode amar,
Mas onde corre a vida e onde se agita uma alma,
Como o vento no céu e as ondas sobre o mar.

Leonardo da Vinci, espelho amplo e profundo
Onde anjos, que no olhar sereno e meigo encobrem
A sombra de um mistério, aparecem fundo
Dos gelos e pinhais que sua pátria cobrem;

Rembrant, triste hospital todo cheio de ruídos
E que uma grande cruz decora unicamente,
Onde da lama vil sobe a prece em gemidos
E onde um raio de luz penetra bruscamente;

Miquel Angelo, vago espaço onde aparecem
Cristos e Hércules, como espectros destacados
Na luz morta de um poente, entre as sombras que crescem,
rasgando seu sudário em seus dedos crispados;

Puget, imperador tristonho de forçados,
Homem pálido e fraco, imenso na vaidade,
Tu que achastes a beleza entre os vis renegados,
Nos seus gestos de raiva e de lubricidade;

Watteau, um carnaval que figuras ilustres,
Gráceis, adornam quais borboletas brilhantes,
Vivas decorações fulgindo à luz que os lustres
Numa loucura alegre espalham rutilantes;

Goya, negra visão, coisas mal definidas,
Fantástica reunião de figuras que assustam,
velhas vendo-se ao espelho e meninas despidas
Que, tentando Satã, seus adornos ajustam;

Delcroix, rubro lago à sombra dos pinhais,
Pelos anjos do mal, errantes, frequentado,
Onde os longínquos sons de fanfarras triunfais
Passam como um suspiro angustioso, abafado;

Toda essa procissão de blasfêmias, de prantos,
De gritos de ânsia e dor, de queixas, de orações,
É um eco que rediz um som em mil recantos,
É um ópio benfazejo em nossos corações!

É um brado repetido entre mil sentinelas,
Um clamor que se expande e cresce e dilata;
É o brilho de um farol sobre mil cidadelas,
A voz de um caçador perdido em densa mata!

Pois é, seguramente, ó Deus, a melhor prova
Que nós possamos dar de nossa dignidade,
Essa angústia sem fim que sempre se renova
E vem morrer aos pés da vossa eternidade!

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