Cartas de Amor

Print Friendly, PDF & Email

Ofhélia Queiroz conheceu Fernando Pessoa aos dezenove anos, em 1920. Ele, doze anos mais velho, ficou impressionado com a moça miúda de aparência frágil, a quem chamava de Bébé. Iniciaram um romance insólito, alimentado principalmente por uma troca de correspondências. O pudor do poeta não permitia que o namoro fosse assumido publicamente. Ele dizia: “Não digas a ninguém que nos ‘namoramos’, é ridículo. Amamo-nos.” Esse amor não se concretizou, manteve-se platônico, mas não se sabe de outro que o poeta tenha tido. As cartas de amor revelam mas uma faceta do já tão vasto universo do poeta. Veja uma delas a seguir.

9.10.1929
Terrivel Bébé
Gosto das suas cartas, que são meiguinhas,
e também gosto de si, que é meiguinha
também. E é bonbon, e é vespa, e é mel,
que é das abelhas e não das vespas, e tudo
está certo, e a Bébé deve escrever-me
sempre, mesmo que eu não escreva, que é
sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e
ninguem gosta de mim, e tambem porque é
que a havia de gostar, e isso mesmo, e
torna tudo ao principio, e parece-me que
ainda lhe telephono hoje, e gostava de lhe
dar um beijo na bocca, com exactidão e
gulodice e comer-lhe a bocca e comer os
beijinhos que tivesse la escondidos e
encostar-me ao seu hombro e escorregar
para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe
desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar
muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e
porque é que a Ophelinha gosta de um
meliante e de um cevado e (…) e eu
gostava que a Bébé fôsse uma boneca
minha, e eu fazia como uma crença,
despia-a, e o papel acaba aqui mesmo, e
isto parece ser impossível ser escripto por
um ente humano, mas é escripto por mim

Fernando

Todas as cartas de amor são ridículas?
Com a palavra Álvaro de Campos :

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos, 21-10-1935.

 

Deixe um comentário