Navegadores Portugueses

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Navegar não é privilégio de nós, internautas. Nossos antepassados portugueses foram mestres em navegação. A seguir, redescubra Portugal através da história de seus navegadores e dos lindos trechos de Fernando Pessoa.


GIL EANES

Gil Eanes

Navegador português, escudeiro do Infante D. Henrique, que pela primeira vez passou além do cabo Bojador, dissipando o terror supersticioso que este promontório inspirava e iniciando assim a época dos grandes Descobrimentos (1434).

 

MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, Mensagem

JOÃO GONÇALVES ZARCO

Navegador e fidalgo português da Casa do Infante D. Henrique.
Comandante de caravelas, descobriu a ilha de Porto Santo (1418), com Tristão Vaz Teixeira; depois a ilha da Madeira, com Bartolomeu Perestrelo (1419).
Auxiliou sempre o Infante nas suas empresas marítimas.

 

O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Fernando Pessoa, Mensagem

BARTOLOMEU DIAS

Célebre navegador português, descendente de Dinis Dias. Ignora-se onde e quando nasceu.
Em 1486, confiou-lhe D. João II o comando de duas caravelas, de 50 toneladas cada uma, para ir colher notícias do Prestes João.
Descobriu primeiro a angra dos Ilhéus, hoje baía de Spencer, e o cabo das Voltas. Assaltou-o em seguida violento temporal. Treze dias andaram os navegantes à mercê do vento e das ondas. Quando o tempo serenou, procuraram costa para leste e só encontraram mar.
Navegaram então para o norte e foram descobrindo diversos portos. Não quiseram, porém, as tripulações passar além de um rio, a que foi dado o nome de rio do Infante, e obrigaram o capitão a retroceder. Foi só então que descobriram o grande cabo, que haviam dobrado sem dar por tal (1487).
Aí levantou Bartolomeu Dias o padrão chamado de São Filipe, e ao cabo deu o nome de Tormentoso, que D. João II substituiu pelo de Boa Esperança.
Bartolomeu Dias acompanhou, em 1500, Pedro Álvares Cabral na famosa viagem em que este descobriu o Brasil. Quando a frota seguia para a Índia, o navio, em que ia Bartolomeu Dias, naufragou (1500) e o valente marinheiro achou a morte junto do mesmo cabo da Boa Esperança, de que fora glorioso descobridor, verificando-se assim o vaticínio do gigante Adamastor em Os Lusíadas.

EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS

Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

Fernando Pessoa, Mensagem

VASCO DA GAMA

Célebre navegador português, nascido em Sines (1469-1524), a quem D. Manuel I confiou o comando da frota que em 8 de Julho de 1497 largou do Tejo em demanda da Índia, e que se compunha de quatro pequenos navios: S. Gabriel, S. Rafael, Bérrio e S. Miguel, (este último não passou da baía de S. Brás, onde foi queimado).
Em 2 de Março de 1498, aportou a esquadrilha a Moçambique depois de haver sofrido medonhos temporais e de ter Vasco da Gama sufocado com mão de ferro uma revolta da marinhagem.
O piloto que o sultão de Moçambique lhe deu para o conduzir à Índia, foi secretamente incumbido de entregar os navios portugueses aos Mouros em Mombaça. Um acaso fez descobrir a cilada e Vasco da Gama pôde continuar até Melinde, cujo rei lhe deu um piloto árabe, conhecedor do Índico.
Em 17 de Abril de 1498, avistava Calicute. Estava descoberto o caminho marítimo para a Índia.
D. Manuel recompensou este glorioso feito, nomeando Vasco da Gama almirante-mor das Índias e fazendo-lhe doação de trezentos mil réis de renda.
Voltou mais duas vezes à Índia, de que foi governador e segundo vice-rei.

ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA

Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro,
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em núvens e clarões.
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

Fernando Pessoa, Mensagem

PEDRO ÁLVARES CABRAL

Navegador português, nascido em Belmonte, por 1467-68, e a quem D. Manuel I confiou o comando da segunda armada que mandou à Índia.
Partiu Cabral de Lisboa em 9 de Março de 1500, e, como se tivesse desviado a sua rota para descobrir novas terras, não tardou a encontrar o Brasil, a 3 de Maio de 1500, no dia de Santa Cruz. Daí seguiu para a Índia.
No seu regresso, D. Manuel concedeu-lhe muitas honras, mas nunca mais utilizou os seus serviços.
Pedro Álvares Cabral morreu esquecido em Santarém, uns dizem em 1520, outros em 1526. Foi-lhe erigido um monumento no Rio de Janeiro e outro em Lisboa, na Avenida que tem o seu nome.

OCIDENTE

Com duas mãos – o Acto e o Destino –
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.
Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.

Fernando Pessoa, Mensagem

FERNÃO DE MAGALHÃES

Navegador português, militou brilhantemente na Índia e na África. Descontente por não ter havido obtido de D. Manuel I uma recompensa a que se julgava com direito, foi oferecer os seus serviços a Carlos V, que lhe confiou uma frota de cinco caravelas.
Em setembro de 1519, seguiu Magalhães rumo ao Ocidente. Durante a viagem teve de subjugar várias revoltas das tripulações. Chegado à costa americana, foi navegando ao longo dela para o sul, depois de visitar o Rio de Janeiro; e assim descobriu a passagem interoceânica a que ficou ligado o seu nome: o estreito de Magalhães.
A frota, reduzida a três caravelas, penetrou no Pacífico, descobriu as ilhas hoje denominadas Marianas e o arquipélago que depois se chamou das Filipinas. Aí foi morto Magalhães numa rixa com os indígenas, a quem pretendia converter ao cristianismo.
O seu piloto Elcano conseguiu regressar à Europa com a única das caravelas que restava, a Vitória, completando assim a primeira viagem de circum-navegação que se efectuou no globo, mas cuja glória pertence a Fernão de Magalhães (1480?-1521).

FERNÃO DE MAGALHÃES

No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.
De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra,
Que dançam da morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto –
Cingi-lo, dos homens, o primeiro -,
Na praia ao longe por fim sepulto.
Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com seu abraço.
Violou a Terra. Mas eles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes.

Fernando Pessoa, Mensagem

GONÇALO VELHO CABRAL

Navegador e guerreiro português (séc. XV). Íntimo colaborador de Dom Henrique.
Introduziu famílias e gado nas ilhas de Santa Maria e São Miguel (Açores), das quais foi o primeiro capitão-donatário.

 

 

AS ILHAS AFORTUNADAS

Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar.
E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.
São ilhas afortunadas,
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando,
Cala a voz, e há só o mar.

Fernando Pessoa, Mensagem

DIOGO CÃO

Navegador português, que, por duas vezes (1482 e 1484), foi mandado aos descobrimentos por D. João II.
Dirigiu-se para a Mina e daí para o Zaire. Depois de várias vicissitudes seguiu até à ponta dos Farilhões (serra Parda), a 22° 10′, de latitude Sul, donde regressou ao Zaire, que subiu, a fim de visitar o Rei do Congo.
Regressou ao Tejo em 1486, trazendo o ensinamento conveniente para atingir a África do Sul a navegar pelo largo, como fez Vasco da Gama.
Na Sociedade de Geografia de Lisboa existem alguns padrões de Diogo Cão (séc. XV).

PADRÃO

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

Fernando Pessoa, Mensagem

baseado na excelente página em www.geocities.com/SoHo/3808.

 

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