Difícil fotografar o silêncio

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Difícil fotografar o silêncio. (Manoel de Barros)

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã.

Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakoviski – seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Nenhum outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

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