Vidas Secas

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Vidas Secas (Graciliano Ramos)

Resumo:

Em nenhum outro romance Graciliano é mais humano e presente do que em Vidas Secas. Aproveita-se da narração em terceira pessoa para marcar o plano literário e não deixar dúvidas quanto à sua presença, ao descrever a vida de uma família de sertanejos fugitivos da seca, sem destino e sem outras perspectivas para além da sobrevivência e do eterno retorno. Às vezes, ele aparece do lado de fora dos personagens comentando a vida de Fabiano, de Sinhá Vitória, dos meninos e da cachorra Baleia, às vezes aparece confundindo-se com os pensamentos de um ou de outro personagem e às vezes como a consciência colectiva do grupo.

Esse comando de ação perpassa todo o romance, retalhado em capítulos interdependentes entre si, mas autónomos do ponto de vista literário. O livro não se compõe de uma narrativa só, mas de várias narrativas nucleares seccionadas, em que os factos terminam em si, não surgindo para ocupar lugar numa cadeia de acontecimentos com um princípio, um meio e um fim. Os dramas focalizados não evoluem em qualquer sentido, mas acontecem diante do leitor e se exibem em sua inteireza, dando a ideia de um cenário completo.

É aí que ele dissolve qualquer excesso retórico em favor de uma linguagem seca, àspera e poética, quase toda produzida em monólogos interiores pelos personagens, inclusive os animais, que são apresentados um a um à medida que o texto avança. A linguagem monológica ascética funciona para revelar os dramas reais da família diante da inacessibilidade, da estrutura de miséria em que vivem, da falta de comumicação que os impede de avançarem.

O que intimida e encanta neste romance – mais do que a sua estrutura estilística – é a capacidade do autor em expressar, através de cada personagem, o problema da comunicação e a solidão. O cuidado em focalizar cada um dos personagens isoladamente indica a solidão e o primitivismo vivido pelo grupo, como resultado dos toscos e ineficientes meios de sociabilidade a que tiveram acesso. Assim, apesar de partilharem misérias, afeições e espaços comuns, os personagens vivem entregues ao seu próprio abandono, já que não conseguem articular mais do que rudes palavras, exclamações, insultos ou interjeições.

É enfatizando o aspecto da precariedade da comunicação verbal que o autor dá a medida da barreira que isola os personagens. Tem lugar, dentro do romance, um corpo a corpo dramático dos personagens que precisam de se exprimir para o atendimento de suas necessidades básicas, e as palavras que, como entidades autónomas, se transformam em verdadeiros obstáculos com sentidos míticos.
Ao mesmo tempo demonstra de maneira invulgar que, apesar do primitivismo em que vivem e para onde retornam a cada caminhada, estas personagens possuem as mesmas emoções, sentimentos e sensibilidades que os chamados homens evoluídos.

Trabalha, por isso, a linguagem a dois níveis. No nível externo, as palavras não passam de tentativas inacabadas de diálogo, enquanto no nível interno os diálogos evoluem sem erros linguísticos, com coerência e uma extrema capacidade de visualização do mundo e dos homens.

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